Com tonelada do minério a 175 dólares, Vale mira futuro em Carajás

Estudos da Vale mostram que as reservas de N1, N2 e N3, próximas a serem exploradas pela multinacional, só têm minério para no máximo oito anos, muito menos que atuais; confira volumes

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A mineradora multinacional Vale deixou escapar o volume exato das reservas de minério de ferro que ela pretende explorar na Serra Norte de Carajás, dentro dos limites de Parauapebas, para compensar a exaustão cada vez mais próxima dos corpos de N4 e N5, os mais densos já descobertos pela empresa no município. 

O Blog do Zé Dudu vasculhou os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) que consubstanciam os projetos de abertura das minas de N1, N2 e N3 e descobriu, em meio a um turbilhão de páginas, informações que geralmente causam muito debate, entre as quais a duração do minério em Parauapebas, tendo em vista que o município não saberia sobreviver hoje a não ser da indústria extrativa e, principalmente, da Vale.

De acordo com a multinacional, N1 tem 36,4 milhões de toneladas (Mt) de minério, os quais a empresa quer esgotar em até oito anos. Já a mina de N2 tem 233,7 Mt, com vida útil de sete anos, mesma duração de N3, que, entretanto, tem 73,9 Mt de volume. Anualmente, a mineradora divulga a estimativa de volume de minério em suas operações pelo mundo, mas há quatro anos ela tem se limitado a informar a quantidade de minério de ferro por operações integradas. No caso de Parauapebas, a operação integrada chama-se Serra Norte e compreende os corpos de N1 a N9, sendo que atualmente são explorados N4 e N5.

Essas duas minas, as mais ricas em minério, têm data de exaustão prevista para 2036, mas a Vale informou em seu último relatório de negócios consolidado que a exploração mineral na Serra Norte vai até 2047. O que pouca gente sabe é que essa “ampliação” da vida útil do minério considera, em verdade, os corpos ainda intactos de N1, N2 e N3. Quando passarem a ser lavrados, e a depender da velocidade dessa lavra, essa vida útil despenca, até porque as três, juntas, não têm sequer metade do minério de N5, por exemplo.

Essas minas da Vale, batizadas com letras e números, datam dos primórdios do descobrimento de Carajás. No ano de 1980, foi instalada a planta piloto na Serra Norte e, em 1981, foram iniciados os trabalhos na mina de N4E, que culminaram – entre julho de 1984 e dezembro de 1985 – na produção experimental de um milhão de toneladas de “sinter feed” pela planta piloto. Em 1985, houve efetivamente a inauguração do Projeto Ferro Carajás e o início da produção da mina N4 em escala industrial. Simultaneamente, tiveram início as fases de pesquisa exploratória das jazidas denominadas N1, N2, N3 e N5. Destas últimas, só a de N5 foi – e segue – explorada de fato.

De olho no “boom”

Mas a preocupação da Vale, neste momento da história, não é se o minério vai acabar, se é pouco ou muito, se Parauapebas vai afundar ou de que forma o município vai sobreviver. Seu olhar é guiado pela demanda do mercado, que, por sinal, vai de vento em popa. A maior compradora do minério, a China, segue com apetite insaciável, e a abertura de novas minas em Parauapebas, para além de realidade, é necessária para atender tamanha gulodice.

No difícil ano de 2020, atribulado pela pandemia do novo coronavírus e pela corrosão econômica causada pelos efeitos deletérios da Covid-19, a Vale nada tem a reclamar em termos de ganhos. A pandemia causou efeito adverso positivo na mineração de ferro, cujos frutos saborosos a multinacional está colhendo. 

Devido à miríade de restrições sanitárias, econômicas, laborais, físicas e geográficas no início da pandemia, o preço do minério saltou no mercado internacional, por conta da baixa na produção e da paralisação da atividade mineradora em alguns países exportadores. O temor acerca da extensão e duração da pandemia também botou fogo no mercado de commodities e foi um prato cheio para o lucro de gigantes como a Vale, que oferece ao mercado um minério saído de terras paraenses sem igual.

O preço da tonelada subiu tanto que chegou a superar 175 dólares na semana passada, o melhor desempenho desde 2013. A média geral avançou de 88 dólares em janeiro para 170 dólares neste mês de dezembro, uma valorização de 93%. A título de comparação, o preço da onça-troy de ouro passou de 1.555 dólares para 1.867 dólares no mesmo período, com valorização de 21%. 

Nesta terça-feira (29), a cotação estava em cerca de 155 dólares, e analistas de commodities preveem que, mesmo que o preço desacelere no ano que vem, deverá se manter na média de 120 dólares, já boa para o atual patamar de produção.

Ao passo em que fatura, a Vale despeja toneladas de royalties de mineração na conta das prefeituras dos municípios que impacta. Com os bolsos cheios de dinheiro, os governos locais não têm tempo – nem interesse – em refletir se o minério vai acabar ou ser acabado, em curto, médio ou longo prazo. O dinheiro em excesso, em determinadas ocasiões, tira o foco das prioridades.