Câmara vota nesta semana MP do Marco Fiscal Sustentável e PL do marco temporal de terras indígenas

Será uma semana decisiva para o governo, que, com base instável, vive tensão inédita num primeiro ano de gestão
Presidente Arthur Lira, comanda sessão na Câmara dos Deputados

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Brasília – Às vésperas de perder a validade no dia 1º de junho, a Medida Provisória (MP nº 1.154/2023) que reestrutura a organização administrativa do governo federal, assinada no primeiro dia do governo de Luiz Inácio da Silva (PT), junta-se ao Projeto de Lei (PL nº 490/2007), que transfere do Poder Executivo para o Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas.

As duas matérias pressionam, de forma inédita, o Palácio do Planalto, num primeiro ano de governo, historicamente em lua de mel com a opinião pública após o endosso das urnas.

As duas matérias são essenciais à organização da administração pública, na visão do governo petista; e o PL do marco temporal de terras indígenas, fundamental nas convicções ideológicas e de visão humanística do governo.

Ambos poderão ser pautados para votação na terça-feira (30), na Câmara dos Deputados, cuja base de apoio do governo é instável e pode contrariar a agenda do governo.

A pauta oficial do Plenário ainda não foi divulgada, mas o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já anunciou que a análise do marco temporal deve ocorrer mesmo na terça.

Por 324 votos a favor e 131 contra, a Câmara aprovou o regime de urgência para o projeto do marco temporal, que determina que só serão demarcadas as terras indígenas tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição de 1988.

O relator da proposta, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), defendeu a aprovação do texto. Uma nova versão ainda será negociada com os líderes partidários.

“É inaceitável que ainda prevaleça a insegurança jurídica e que pessoas de má-fé se utilizem de autodeclarações como indígena para tomar de maneira espúria a propriedade alheia, constituída na forma da lei, de boa-fé e de acordo com o que estabelece a Constituição brasileira”, disse o relator.

A urgência foi aprovada sob protesto das bancadas do Psol, da Rede, do PT, do PCdoB e do PV. A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) afirmou que a Câmara não deveria analisar a questão antes da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, daí a pressa da bancada ruralista em blindar o entendimento do tema.

A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, anunciou para 7 de junho a retomada do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral, que discute se a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) deve ser adotada como marco temporal para definição da ocupação tradicional da terra por indígenas. O relator da ação, ministro Edson Fachin, votou contra a tese do marco temporal.

Célia Xacriabá: “Toda discussão no Ministério dos Povos Indígenas é uma pauta humanitária”

“O PL 490/2007 quer transformar em lei a tese do marco temporal, que está prestes a ser julgada no STF. E ainda há 14 projetos de lei de retrocesso apensados a ele, abrindo os territórios dos povos indígenas de isolamento voluntário”, criticou Xakriabá.

Estrutura do governo

Também há expectativa de votação da MP 1.154/2023, que define a estrutura dos ministérios que compõem o governo Lula. A proposta precisa ser votada pela Câmara e pelo Senado até a próxima quinta (1º) ou perderá a validade.

Se a MP cair será um hecatombe no governo, uma vez que a antiga estrutura, do governo dos ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é a que passará a valer.

A comissão mista aprovou na quarta-feira (24) o parecer do relator da MP, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), que alterou principalmente a estrutura dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, numa articulação de deputados ligados à Frente Parlamentar da Agricultura, composta por 346 deputados — a maior do Congresso.

Pelo texto aprovado na comissão, o Ministério da Justiça e Segurança Pública voltará a responder pelo reconhecimento e pela demarcação de terras indígenas, retirando atribuições do Ministério dos Povos Indígenas.

Já o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas deixará de ser responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR), que estará vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos; e pelos sistemas de saneamento básico, resíduos sólidos e recursos hídricos, que vão para o Ministério das Cidades.

Isnaldo Bulhões avaliou que o Ministério da Justiça deve continuar sendo o responsável pelo reconhecimento à demarcação das terras e dos territórios indígenas “à luz do princípio constitucional da eficiência administrativa e da continuidade das políticas destinadas aos povos indígenas”.

Sobre as alterações no Ministério do Meio Ambiente, o relator afirmou que o objetivo também é promover a eficiência da gestão pública.

“Considerando que tal cadastro, de forma simples, é um registro público eletrônico nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, que tem finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, materialmente, entendemos oportuno e relevante que tal competência seja exercida pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos”, opinou.

As alterações foram criticadas por governistas, que já falaram que poderão ir ao STF contra as mudanças. “Se o governo fizer isso será um erro e azedará ainda mais as negociações entre o Palácio do Planalto e lideranças partidárias que têm se mostrado refratárias à agenda do governo”, disse ao Blog um deputado a par das conversas.

Em audiência na Câmara dos Deputados, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defendeu que o Plenário da Câmara mantenha o texto original da MP.

Vozes do governo já falam em reverter as alterações da MP por decretos e portarias ministeriais a serem assinados pelo presidente e por ministros revertendo o que a MP alterada propôs. A prioridade e não deixar a MP cair.

Num discurso essencialmente político, Marina Silva disse que se o Congresso retomar a estrutura do governo passado, será uma sinalização ruim para o mundo e serão fechadas as janelas de oportunidades para a transição para um país da sustentabilidade, inclusive podendo prejudicar acordo comercial entre Mercosul e União Europeia.

Marco Fiscal Sustentável

O caráter centralizador, que não delega, que não descentraliza e que não acredita, do governo Lula”, segundo diagnóstico do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), vai a prova novamente nessa semana, O governo trabalha para a aprovação da espinhal dorsal da sua política econômica: o projeto de lei complementar do novo arcabouço fiscal (PLP nº 93/2023), rebatizado de novo Marco Fiscal Sustentável. A matéria foi aprovada na Câmara e agora vai à votação no Senado.

O Blog ouviu algumas das vozes que participarão das discussões para a aprovação da matéria.

A diferença no Senado é que a matéria não pode ir direto ao Plenário, como foi na Câmara. Há uma restrição regimental para que isso aconteça. Portanto, a matéria terá que passar primeiro pelo crivo da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e depois é que vai ao Plenário.

Nas conversas de bastidores, a reportagem do Blog apurou que é “possível que o relator, escolhido a dedo pelo governo, senador Omar Aziz (PSD-AM), fará de um tudo para agradar o governo. Fala-se, sem confirmação da parte envolvida, que Omar Aziz apresente uma emenda supressiva, retirando parte do texto aprovado na Câmara que desagrada o governo. Desta forma, a matéria não precisaria voltar para nova análise da Câmara.

Entretanto, essa possibilidade, só será confirmada, na hora da sessão da CAE no Senado, agendada para a terça-feira (29).

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.