Câmara aprova projeto que reformula certificação de entidades beneficentes

Relator incluiu na proposta imunidade tributária a comunidades terapêuticas aprovada no Senado

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Brasília – Os deputados aprovaram na sessão deliberativa do Plenário, quarta-feira (24), o Projeto de Lei Complementar (PLP nº 134/2019), que reformula regras para a certificação de entidades beneficentes. Os deputados analisaram alterações feitas no Senado e aprovaram emenda dos senadores que inclui as comunidades terapêuticas entre as entidades que contarão com imunidade tributária de contribuições à seguridade social. O projeto será enviado à sanção presidencial.

A emenda dos senadores contou com o voto favorável de 408 parlamentares. Outros 21 votaram contra a inclusão das comunidades terapêuticas.

Na votação em Plenário, o relator, deputado federal Marco Bertaiolli (PSD-SP) defendeu a aprovação da emenda incluída pelos senadores destacando a importância das comunidades terapêuticas. “São as únicas entidades hoje em quantidade que se dedicam ao tratamento de dependentes químicos. Em todos os nossos municípios, acompanhamos o trabalho de entidades que se dedicam ao acolhimento que não é comportado pelo poder público. Seria uma injustiça não permitir que as comunidades se credenciassem para ter a certificação de entidades beneficentes de assistência social”, afirmou.

Na primeira votação do texto na Câmara, em outubro, esse grupo de entidades tinha sido retirado devido à insuficiência de votos. Naquela ocasião, 251 deputados votaram a favor, quando o mínimo necessário é de 257.

O trabalho essencial das comunidades terapêuticas

Segundo o texto aprovado, serão cumulativas duas condições para a dispensa de comprovação de requisitos exigidos para as comunidades terapêuticas atuarem em áreas não preponderantes: despesas com áreas não preponderantes limitadas a 30% do total e limitação ao teto anual fixado em regulamento.

Desta forma, se uma comunidade terapêutica atuar de maneira não preponderante na área de saúde, não precisará comprovar os requisitos para certificação exigidos para entidades de saúde se mantiver esses dois limites, bastando atender às exigências para ser certificada como entidade de assistência social.

Usuários de drogas

As comunidades terapêuticas são definidas como aquelas que atuam em regime residencial e transitório com adesão e permanência voluntárias de pessoas com problemas associados à dependência do álcool e de outras drogas para a prática da abstinência e reinserção social.

Também podem obter a certificação as entidades de cuidado, prevenção, apoio, ajuda mútua, atendimento psicossocial e ressocialização desses dependentes que prestam serviços intersetoriais, interdisciplinares, transversais e complementares, diz a emenda incluída no projeto.

A certificação dessas entidades será realizada pela unidade responsável pela politica sobre drogas do ministério da área de assistência social. A entidade deverá comprovar um mínimo de 20% de sua capacidade em atendimentos gratuitos.

Durante a votação do texto, o autor do projeto, deputado Bibo Nunes, homenageou o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA), que foi dependente químico e se recuperou em uma comunidade terapêutica. “Um drogado com todos os tipos de drogas, homossexual, que organizou assaltos e jamais foi discriminado em sua comunidade terapêutica. Ele se recuperou e deu exemplo para sociedade”, relatou.

A emenda foi objeto, novamente, de novos debates acalorados em Plenário. O Psol fez de tudo para derrubar a emenda. Orientado pela líder da legenda, a deputada Talíria Petrone (Psol-RJ), manifestou ser contra a inclusão das comunidades terapêuticas na proposta. Ela observou que inspeções do Ministério Público e de conselhos de Psicologia detectaram abusos em pelo menos 16 comunidades terapêuticas com trabalho forçado e tortura. “Não estou generalizando, mas há dificuldade de controle sobre o que acontece na maioria dessas instituições”, criticou, na tentativa de convencer outros partidos do campo à esquerda contra a emenda.

“Como é de praxe, o Psol aponta só os problemas jamais a solução”, rebateu irritado o autor do projeto, deputado Bibo Nunes.

O relator do projeto também rebateu o argumento da deputada de extrema esquerda. “Entendo a posição de fiscalizar as exceções. Mas não podemos legislar para as exceções”, ponderou Marco Bertaiolli.

Presidente da Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Terapêuticas, o deputado Eros Biondini (Pros-MG) negou que haja desvios nessas instituições. “Conhecemos comunidades em todos os estados. Não existe trabalho escravo ou maus-tratos. Instituições que fazem isso não podem ser consideradas comunidades terapêuticas. A própria Confederação das Comunidades Terapêuticas é a primeira a fiscalizar e exigir o cumprimento das normas”, declarou.

Biondini calcula que quase 2 mil comunidades terapêuticas tratam cerca de 100 mil dependentes químicos em recuperação. Ele ressaltou que outros países seguem o modelo brasileiro de tratamento de dependentes, como Portugal e Rússia.

O país tem experimentado um crescimento exponencial de drogados após a introdução no país de uma droga devastadora: o crack, composta de subprodutos da cocaína e altamente viciante. O problema é da maior gravidade e nos grandes centros há verdadeiras “cracolândias” desafiando o poder público e suas políticas de saúde mental e assistência social, muito além do problema criminal.

O PT também colocou em xeque a emenda. Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), o benefício fiscal as comunidades terapêuticas vão retirar recursos públicos que poderiam ser destinados a residências terapêuticas, centros de convivência e Centros de Atenção Psicossocial (Caps). “Precisamos fortalecer a rede pública. São instrumentos que permitem cuidar com liberdade, com a comunidade e com relações familiares”, defendeu.

Já o deputado Francisco Jr. (PSD-GO) lembrou que as comunidades terapêuticas trabalham na maioria com voluntários e prestam um serviço próprio do governo. “O Estado deve reconhecer o papel das entidades. Não temos capacidade de investir, e as entidades socorrem o povo mais necessitado”, declarou.

No Pará, a busca por assistência ao chamado “novo flagelo humano”, decorrente do uso e abuso de drogas químicas é um martírio para as famílias. Várias regiões do estado não têm como atender os dependentes de drogas, gerando um problema social de alta relevância e que requer investimentos de monta por parte dos municípios.

Imunidade restrita

Nos requisitos para obter e manter a certificação, o texto aprovado estabelece que, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, a imunidade não poderá ser transferida a essas pessoas. Isso valerá para terceiros do setor público ou privado, com ou sem cessão de mão de obra.

Os dirigentes não responderão, direta ou subsidiariamente, pelas obrigações fiscais da entidade, salvo se comprovada fraude, dolo ou simulação.

Sobre a prioridade na celebração de convênios com o poder público, o texto aprovado inclui os contratos para a execução de serviços e gestão, não apenas programas, projetos e ações como consta atualmente na lei.

Apesar das reformulações feitas no texto, permanecem iguais as principais normas sobre como as entidades devem oferecer serviços gratuitos para contar com a isenção de contribuições.

A apresentação do projeto decorreu de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou inconstitucionais vários artigos da Lei nº 12.101/2009, que trata do assunto, porque a regulamentação dessa imunidade deve ser feita por meio de lei complementar.

Mais de uma área

As entidades beneficentes podem receber a certificação que garante a imunidade se prestarem serviços gratuitos nas áreas de educação, saúde ou assistência social. Quando a entidade atuar em mais de uma dessas áreas, ela será dispensada de comprovar os requisitos exigidos para cada área de atuação não preponderante quando o total de custos e despesas com essa atividade não preponderante for limitado a 30% do total. Além disso, deverá observar um limite total anual a ser fixado em regulamento.

O prazo de validade da certificação continua a ser de três anos. Os requerimentos de renovação feitos após o prazo da data final de validade serão considerados como requerimentos para concessão de nova certificação.

Passivo

Devido à decisão do STF sobre a inconstitucionalidade de trechos da Lei nº 12.101/2009, dispensando certas contrapartidas para contar com a imunidade tributária, o texto extingue os créditos exigidos pela União relativos a contribuições sociais e previdenciárias de instituições sem fins lucrativos que atuam nas áreas de saúde, educação ou assistência social.

Esses créditos se originaram de polêmicas sobre a interpretação do tema pelo Supremo ao longo do tempo em diferentes ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), resolvidas em fevereiro deste ano em decisão de repercussão geral do Plenário da Suprema Corte.

Prorrogação

A validade dos certificados vigentes cujo requerimento de renovação tenha sido apresentado até a data de publicação da futura lei complementar será prorrogada até 31 de dezembro do ano seguinte ao último ano de vigência.

A entidade que apresentar novo requerimento de renovação com base nos requisitos da futura lei e que tenha usufruído de forma ininterrupta da imunidade poderá solicitar análise prioritária em relação a outros pedidos pendentes. Se o requerimento mais recente for aprovado, os outros serão considerados aprovados automaticamente.

Área da Saúde

Os meios para a entidade oferecer contrapartidas para ter direito à imunidade tributária continuam iguais: prestar serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS); prestar serviços gratuitos; atuar na promoção à saúde; ser de reconhecida excelência e realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS; ou prestar serviços não remunerados pelo SUS a trabalhadores.

As entidades poderão desenvolver atividades que gerem recursos, inclusive por meio de suas filiais, com ou sem cessão de mão de obra para contribuir com a realização das atividades previstas como contrapartida.

No caso de serviços ao SUS, o mínimo continua a ser de 60% (internações ou atendimentos ambulatoriais), mas o texto aprovado permite que 10 pontos percentuais sejam vindos de contrato de gestão com o poder público (gestão de hospitais, por exemplo).

Entidades que desejam a certificação para a imunidade parcial por meio da prestação de serviços gratuitos deverão pactuar essa oferta com o gestor local do SUS mediante contrato, convênio ou instrumento congênere.

Aquelas que não possuam receita de serviços pagos para viabilizar a aplicação dos percentuais mínimos de gratuidade (5%, 10% ou 20%) poderão usar outras vindas de qualquer fonte, mas o gasto com gratuidade não poderá ser inferior à imunidade de contribuições sociais usufruída.

Na opção pela imunidade ofertando atividades no âmbito dos projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS, a novidade é que, se os recursos gastos não alcançarem a imunidade usufruída, a entidade deverá complementar a diferença até o término do prazo de validade de sua certificação.

O texto concede essa alternativa apenas para as entidades que tenham aplicado nesses projetos um mínimo de 70% do valor usufruído anualmente com a imunidade, entretanto não faz referência àquelas que não tenham atingido esse mínimo.

Educação

No setor educacional, as entidades beneficentes sem fins lucrativos deverão ofertar bolsas integrais ou parciais para pessoas que atendam ao perfil socioeconômico sem qualquer forma de discriminação, segregação ou diferenciação, vedada a utilização de critérios étnicos, religiosos, corporativos ou políticos, ressalvada a Lei de Cotas.

A regra valerá inclusive para as entidades que prestam, cumulativamente, serviços totalmente gratuitos e por meio de convênio com órgãos ou entidades dos poderes públicos.

Para obter bolsa integral, a renda familiar bruta mensal per capita dos beneficiados continua sendo de 1,5 salário mínimo. Para a bolsa parcial (50%), esse limite será de até três salários.

No entanto, no caso da bolsa integral, será admitida uma renda 20% maior quando considerados aspectos de natureza social do beneficiário, de sua família ou de ambos em relatório assinado por assistente social com registro no órgão de classe.

Entidades que optarem pela substituição de até 25% das bolsas de estudos por benefícios deverão firmar termo de concessão com cada um dos alunos.

Esses benefícios são divididos em três tipos, mas a conversão de bolsas é admitida apenas para os tipos 1 e 2:

– tipo 1: benefícios destinados exclusivamente ao aluno bolsista, tais como transporte escolar, uniforme, material didático, moradia e alimentação;

– tipo 2: ações e serviços destinados a alunos e a seu grupo familiar para facilitar seu acesso, permanência, aprendizagem e conclusão do curso;

– tipo 3: projetos e atividades de educação em tempo integral destinados para ampliar a jornada escolar de alunos da educação básica matriculados em escolas públicas que apresentem baixo índice de nível socioeconômico.

Atendidas as condições socioeconômicas, as instituições poderão considerar como bolsistas os trabalhadores da própria instituição e dependentes destes se previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho até o limite de 20% do mínimo.
Essa permissão valerá inclusive para entidades que ofertam curso superior e não tenham aderido ao Programa Universidade para Todos (ProUni).

Educação profissional

O texto aprovado exige das entidades que oferecem educação profissional as mesmas proporções de bolsas em relação a alunos pagantes, permitindo ao estudante acumular bolsas de estudo na educação profissional técnica de nível médio.

Quanto aos casos de fraude por informação ou documentos falsos do bolsista ou responsável, o texto prevê o cancelamento delas sem prejuízo para a entidade concedente, inclusive na contagem da proporção, salvo se comprovada negligência ou má-fé́ da instituição.

Já as bolsas concedidas pelas entidades antes da vigência da futura lei complementar poderão ser mantidas e consideradas até a conclusão do ensino médio ou do curso superior, conforme o caso, contanto que os beneficiários se enquadrem na renda familiar bruta mensal per capita exigida.

Assistência social

Para fins de certificação de entidades atuantes na área de assistência social, o texto aprovado exige daquelas que atuam em mais de um município ou estado a apresentação de comprovante de inscrição de suas atividades nos conselhos de assistência social de no mínimo 90% dos municípios, comprovando inclusive a preponderância dos custos e despesas nessas localidades.

Em relação ao atendimento ao idoso em casas de longa permanência, o texto aprovado pelos deputados permite que eventual cobrança de participação do idoso seja superior a 70% do benefício previdenciário que ele receber se existir um termo de curatela.

O usuário deverá ter sido encaminhado pelo Poder Judiciário, Ministério Público ou gestor local do Sistema Único de Assistência Social (Suas), e a doação deverá ser feita de forma livre e voluntária pelo idoso ou seu responsável.

Unidades destinadas somente à hospedagem de idoso e remuneradas não serão equiparadas a casa-lar ou atendimento de longa permanência.

Pessoas com deficiência

Quanto às entidades que prestam serviços a pessoas com deficiência simultaneamente de assistência social e educação ou saúde, o texto que seguirá para sanção atribui a competência de certificação exclusivamente ao ministério responsável pela área de assistência.

Será dispensada a manifestação das outras pastas, mas os requisitos necessários deverão ser verificados.

Exigência de tributos

Se a Receita Federal verificar o descumprimento de qualquer requisito que resulte na perda da imunidade tributária, deverá emitir um auto de infração e encaminhá-lo à autoridade executiva certificadora, mas a exigência do crédito tributário ficará suspensa até a decisão definitiva no processo administrativo.

A certificação da entidade permanece válida até a data da decisão administrativa definitiva sobre o cancelamento dessa certificação.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.