Bolsonaro demite presidente do INSS e secretário-executivo da Casa Civil ao voltar da Índia

Altos funcionários do governo, irritaram o presidente por razões distintas
José Vicente Santini, secretário-executivo exonerado da Casa Civil Foto: Rosinei Coutinho / STF

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Brasília – Ao retornar nesta manhã para o Brasil após quatro dias de viagem oficial pela Índia, o presidente Jair Bolsonaro demitiu nesta terça-feira (28) o secretário-executivo o secretário-executivo da Casa Civil, Vicente Santini e o presidente do INSS, Renato Vieira, por razões distintas.

Santini deixou Bolsonaro furioso ao utilizar um jato da (Força Aérea Brasileira) para se deslocar de Davos, na Suíça, onde aconteceu o Fórum Econômico Mundial, até Nova Délhi, na Índia, onde a comitiva presidencial cumpria agenda diplomática para estreitar as relações bilaterais entre os dois países membros dos BRICS – agrupamento formado por cinco grandes países emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que, juntos, representam cerca de 42% da população, 23% do PIB, 30% do território e 18% do comércio mundial.

Bolsonaro aceitou pedido de demissão de presidente do INSS, Renato Vieira

O deslocamento de uma aeronave nesse trajeto teria custado aos cofres públicos a bagatela de R$ 740.000,00, num momento em que o governo se esforço para dar o bom exemplo de austeridade num ano que começou com solavancos econômicos na economia mundial, em razão de conflitos no Oriente Médio, e com a rápida disseminação de um novo vírus (coronavírus), surgido na China e com potencial para se tornar uma epidemia mundial. O temor derrubou todas as Bolsas de Valores ontem. 

INSS   

O secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, anunciou a demissão do presidente do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Renato Vieira no final desta terça. Segundo o governo, a saída acontece a pedido do próprio Vieira. Ele será substituído pelo atual secretário de Previdência, Leonardo Rolim. 

Marinho também anunciou uma nova estratégia para tentar reduzir a fila de espera por benefícios do INSS com a edição de uma Medida Provisória em até uma semana para permitir a contratação de servidores aposentados.

Atualmente, 1,3 milhão de solicitações de benefício estão sem análise há mais de 45 dias, prazo legal para que o INSS dê uma resposta. Ao todo, o órgão tem 1,9 milhão de processos acumulados, incluindo os que ainda estão dentro do cronograma.

As novas medidas vêm depois de o Tribunal de Contas da União (TCU) sinalizar que barraria a primeira alternativa anunciada pelo governo há duas semanas, que era a contratação de até 7 mil militares da reserva das Forças Armadas para auxiliar no atendimento nas agências do INSS. Com o reforço dos militares, a ideia era liberar servidores do órgão para reforçar a análise dos benefícios.

O TCU e o Ministério Público junto à corte de contas alertaram a equipe econômica de que restringir a possibilidade de contratação aos militares criaria uma espécie de “reserva de mercado”. Marinho esteve no Tribunal para discutir alternativas e evitar problemas com a corte num tema que desde o início do ano tem colocado o governo sob pressão.

Mesmo com as novas ações anunciadas hoje, a possibilidade de contratar os militares permanece, uma vez que o governo já editou um decreto regulamentando essa medida. Segundo ele, a expectativa é que ao todo sejam contratadas até 7 mil pessoas, entre militares e civis.

Marinho afirmou que, dos quase 7 mil servidores do INSS que se aposentaram no ano passado, cerca de 1,5 mil eram concessores de benefício e poderiam trabalhar na análise dos pedidos. Não haverá convocatória, mas sim um edital de seleção para interessados.

No caso dos militares, a lei prevê que eles recebam um adicional de 30% sobre a remuneração, pago pelo próprio órgão demandante INSS. A secretaria estimou inicialmente um custo de R$ 14,5 milhões ao mês durante nove meses com a admissão dos militares inativos – ao todo, um gasto de R$ 130,5 milhões.

Mudanças no uso de aeronaves da FAB

Bolsonaro ficou incomodado com o voo “privado” do número 2 de Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, enquanto os demais ministros da comitiva optaram por viajar por companhias aéreas comerciais. “O que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral. Ministros antigos foram de avião comercial, classe econômica”, disse Bolsonaro.

De acordo com o Decreto 4.244/2002, que regulamenta o uso de aeronaves da FAB por autoridades, Santini não agiu fora da lei. O decreto permite que ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado possam realizar voos em viagens a serviço do governo. Como o número 2 da Casa Civil estava substituindo Lorenzoni durante suas férias, na prática Santini era o ministro em exercício. E o deslocamento entre a Suíça e a Índia fazia parte de uma viagem oficial – o que permitia a Santini requisitar uma aeronave oficial.

Bolsonaro ficou tão irritado com o caso que disse a interlocutores que quer saber como funcionam as regras de uso de aviões da FAB para modificá-las, a fim de evitar “abusos”.

Regras para uso de aviões da FAB

As regras de uso das aeronaves da Força Aérea são determinadas por quatro decretos presidenciais: 4.244/2002, 6.911/2009, 7.961/2013 e 8.432/2015.

A regulamentação autoriza o uso de avião da FAB pelo vice-presidente; presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF); ministros de Estados e demais ocupantes de cargo público com prerrogativas de ministro de Estado; comandantes das Forças Armadas; e Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.

Além disso, o ministro da Defesa pode autorizar o transporte aéreo de outras autoridades, nacionais e estrangeiras, sendo-lhe permitida a delegação dessa prerrogativa ao comandante da Aeronáutica.

Os decretos não apresentam restrições quanto a acompanhantes no avião da FAB.

As autoridades podem solicitar viagens pelos seguintes motivos, na respectiva ordem de prioridade: de segurança e emergência médica; em viagens a serviço; e deslocamentos para o local de residência permanente.

O Decreto de 2002 determina que o transporte de autoridades civis em desrespeito ao estabelecido nas regras configura infração administrativa grave, ficando o responsável sujeito às penalidades administrativas, civis e penais.

O Ministério Público Federal em Brasília (MPF-DF) pediu de forma extrajudicial ao então presidente Michel Temer, em 2017, tornar as regras do transporte de autoridades mais específicas para garantir transparência. O órgão enviou uma recomendação com o objetivo de impedir o uso indevido de aviões da FAB por parte de ministros e integrantes do governo. Em setembro de 2019, o MPF ingressou com uma ação civil pedindo o aperfeiçoamento das regras para solicitação de voos da FAB. A ação ainda está em andamento.

Uma investigação do MPF em 2017 mostrou um número elevado de voos realizados por autoridades de ida e volta de Brasília para suas cidades de origem, além do transporte de parentes e amigos lobistas. Segundo levantamento do MPF, as viagens teriam custado R$ 34 milhões aos cofres públicos naquele ano.

Os gastos com o uso de aviões da FAB não são transparentes. A Força Aérea informa que não divulga os custos “das missões” porque estão classificados no grau de sigilo “reservado”, por serem considerados estratégicos e envolverem aviões militares. FAB tampouco verifica se as requisições de suas aeronaves por autoridades obedecem aos requisitos legais. A Força Aérea entende que essa não é uma competência que lhe cabe.

O que o MPF recomenda para ser mudado no uso de aviões da FAB

O MPF recomenda regras mais rígidas para o uso de aeronaves oficiais por autoridades. Uma delas seria a obrigatoriedade de o solicitante do avião justificar em quais circunstâncias dão “caronas” para terceiros. Além disso, para o MPF seria necessário definir objetivamente “viagens a serviço” e “compromissos oficiais”, especificando os eventos de que vai participar ou participou, além de comprovar que não são de importância reduzida e não são de interesse particular da autoridade.

O Ministério Público Federal também defende que apenas o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência ou a Polícia Federal tenham o poder de justificar o uso da aeronave como uma questão de “segurança” da autoridade. Hoje, o próprio solicitante do avião da FAB pode solicitar o transporte usando esse argumento.

O MPF argumenta ainda que as viagens para compromissos oficiais deveriam constar previamente na agenda pública do ministro, com o indicativo de uso da aeronave oficial.

A regulamentação também deveria, segundo o MPF, incluir a previsão de ressarcimento aos cofres públicos em caso de uso indevido do transporte da FAB.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu, em Brasília.