O polêmico início da perfuração de poços nas cinco bacias que compõem a chamada Margem Equatorial, ou o “Novo Pré-Sal”, cuja exploração vai dimensionar o tamanho das reservas de petróleo e gás natural na região, conta com o apoio dos 3 senadores e 17 deputados federais da Bancada do Pará no Congresso Nacional. Do PT ao PL, todos são favoráveis ao início imediato das pesquisas, divergindo, apenas, em detalhes sobre as condicionantes ambientais exigidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que negou permissão em 2023 e, até o momento, não se manifestou sobre o pedido de reconsideração da Petrobras.
Por sua vez, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), afirmou que defende a pesquisa da petroleira para avaliar a possível exploração de combustíveis fósseis na foz do Rio Amazonas. Principal cabo eleitoral do presidente Lula na Região Norte do país, Barbalho será um dos principais anfitriões da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), a ser realizada na capital paraense de Belém, que se prepara para receber cerca de 100 delegações durante o evento, em novembro do ano que vem.
Câmara dos Deputados
Deputados federais do norte do país e de outras regiões defenderam a exploração de petróleo e gás natural na Margem Equatorial, faixa marítima que se estende do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte, e inclui cinco bacias sedimentares (Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar). O assunto foi discutido em várias reuniões nas Comissões Temáticas da Casa, especialmente em audiências públicas na Comissão de Minas e Energia.
Quando presidiu o colegiado, o deputado Rodrigo de Castro (União-MG), que anteriormente solicitou um debate sobre o tema através de requerimento, afirmou que a audiência pública contribuiu para municiar os deputados sobre a importância da exploração petrolífera do chamado Arco Norte do Brasil.
“A audiência deu subsídio à comissão para nos ajudar a destravar essa questão,” disse. Segundo ele, a exploração da região é uma necessidade, principalmente para os estados que compõem a Margem Equatorial (Amapá, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte). “A população daqueles estados não pode ser punida com o atraso,” completou.
O deputado Joaquim Passarinho (PL-PA) também defendeu as atividades de exploração na Margem Equatorial e criticou o Ibama por ter indeferido, em maio de 2023, licença solicitada pela Petrobras para perfuração de um poço na bacia da Foz do Amazonas para averiguar a existência de petróleo.
“Quando aparece uma oportunidade para os estados do Norte poderem ‘desafogar’ essa pobreza que temos lá, aparecem técnicos que talvez nunca tenham ido à Amazônia, que não conhecem a foz do Amazonas,” disse o parlamentar.
Ele apontou uma série de benefícios econômicos com a exploração petrolífera no território estadual: “Para ver a importância da exploração do petróleo na nossa Amazônia Equatorial basta ver o resultado que está havendo na Guiana, O maior PIB [Produto Interno Bruto] per capita do mundo, este ano, será lá em virtude da exploração do petróleo”.
“Os investimentos feitos, a geração de empregos, a geração de renda com a venda desse petróleo, então, é importantíssimo que a Amazônia não perca essa oportunidade de trazer trabalho, emprego e renda para nossa população, que é pobre e tem o pior IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] do Brasil. O resultado da Guiana nos mostra a chance que nós temos de melhorar a condição de vida de quem mora nesta região da Amazônia,” afirmou Passarinho.
Um documento interno da Petrobras encaminhado ao Ibama, ao qual a Reportagem do Blog do Zé Dudu teve acesso (confira a íntegra aqui), revela como a estatal tem operado para conseguir convencer os órgãos ambientais a liberar a exploração de petróleo na chamada margem equatorial.
Assinado por Daniele Lomba Zaneti Puelker, gerente executiva de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da petroleira, o documento se refere à conformidade do processo de outorga do primeiro poço a ser perfurado na Margem Equatorial Brasileira – a locação Morpho (1-APS-57). Ele está localizado no bloco exploratório FZA-M-59 em águas ultra profundas do estado ao Amapá, na Bacia da Foz do Amazonas, distando aproximadamente 175 km do ponto mais próximo da costa, em lâmina d’água de cerca de 2.880 metros, 80 km a sudeste do poço GM-ES-4 (CBUS) CEBUS, 127 km do poço GM-ES-1 (Zaedyus), ambos localizados na Guiana Francesa, e em plena operação de extração de petróleo e gás natural, gerando bilhões de dólares em receita ao país vizinho.
Sobre o Processo de Licenciamento Ambiental
De acordo com o documento, ao longo de todo o processo de licenciamento foi dada a ampla oportunidade de participação da sociedade. Foram realizadas 47 reuniões setoriais em 22 municípios, além de três audiências públicas, em 2017, nos municípios de Oiapoque (AP), Macapá (AP) e Belém (PA). Além disso, entre outubro e dezembro de 2022, foram realizadas 20 reuniões informativas em 18 municípios da área de influência da atividade, sendo duas reuniões ampliadas, em novembro do mesmo ano, em Oiapoque e Belém.
Essas reuniões contaram com ampla participação de entidades representativas de populações indígenas e quilombolas, associações e colônias de pescadores, representantes de reservas extrativistas e de órgãos públicos dos municípios abrangidos, bem como de instituições de pesquisa e universidades, entre outras partes interessadas.
Ainda de acordo com o documento, no que tange às discussões relativas aos estudos de modelagem de óleo, em novembro de 2022, a Petrobras apresentou modelagem atualizada, incorporando os avanços computacionais ocorridos nos últimos anos, tais como a atualização de softwares de simulação e novos dados de correntes e ventos não disponíveis à época da elaboração de modelagem até então constante no processo. Em 31 de janeiro do ano passado, o Ibama aprovou a nova modelagem de dispersão de óleo apresentada, a qual corroborou os padrões de hidrodinâmica da região e os resultados obtidos na modelagem de 2015.
Ambos os estudos indicam que não há probabilidade de toque de óleo na costa brasileira. Ressalta-se que modelagem é realizada conforme previsto no Termo de Referência emitido pelo órgão ambiental, considerando cenário conservador de 30 dias de vazamento de óleo em volume de pior caso, sem qualquer atuação de contenção pela empresa.
Ainda que os cenários acidentais representados pela modelagem de dispersão de óleo não indiquem a possibilidade de óleo atingir a costa brasileira, a Petrobras conta com uma estrutura de resposta extremamente robusta, com profissionais altamente capacitados e equipamentos seguros, tanto para ações no mar quanto para ações de proteção de costa, assim como para a proteção de fauna. A estrutura de resposta a emergências foi detalhadamente apresentada ao órgão no âmbito do processo, tendo sido incorporadas diversas melhorias ao longo das discussões realizadas.
Visando garantir a eficácia das ações de resposta nacional e transfronteiriça em caso de eventos acidentais com vazamento de óleo, a Petrobras realizou diversas reuniões com interlocutores estrangeiros, mediante coordenação com o Ministério de Relações Exteriores (MRE), com vistas à apresentação do projeto de perfuração no bloco FZA-M-59, dos riscos associados aos cenários de vazamento de óleo e dos resultados de deriva de mancha com atingimento de águas de jurisdição da Guiana Francesa, do Suriname e da Guiana.
Mudança de governo
O Ibama caminhava para liberar a perfuração, mas, com a virada do governo federal de Bolsonaro para Lula, o processo passou a ser revisto pelo órgão ambiental federal.
No mais recente movimento, analistas do órgão emitiram um parecer técnico sugerindo a rejeição do licenciamento ambiental sob a justificativa de que há forte impacto ambiental.
No governo federal, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira — assim como o comando da Petrobras —, são entusiastas da operação, enquanto a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, tem defendido cautela.
Senado
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, classificou como “uma incoerência e um absurdo” a exigência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a realização de novos estudos sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial, no litoral norte do país. A declaração foi durante audiência pública da Comissão de Infraestrutura do Senado no ano passado.
Para o Alexandre Silveira, documentos apresentados por um grupo de trabalho do Ministério do Meio Ambiente em 2012, antes da licitação dos blocos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), seriam suficientes para a prospecção de reservas no poço de Foz do Amazonas.
Durante a audiência pública, Silveira sugeriu que o Ibama indique exigências ambientais que possam resultar na liberação da área. Mas o órgão condiciona a exploração à apresentação de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).
“O parecer do Ibama não tem questões intransponíveis. Só vai se tornar intransponível se se discutir a AAAS. Será uma incoerência e um absurdo com brasileiros que precisam do desenvolvimento econômico com frutos sociais e equilíbrio ambiental. Podemos até discutir que nenhum outro bloco deve ir a leilão antes da AAAS. Mas para aquilo que já foi leiloado, se formos recomeçar esse licenciamento, vamos estar descumprindo contratos. Outras petroleiras no mundo ganharam blocos de petróleo ali e vão discutir com a União ressarcimento de recursos investidos, inclusive de outorga”, disse Alexandre Silveira.
O ministro de Minas e Energia defendeu mais “sinergia política” entre os diversos setores do governo federal envolvidos na liberação ambiental e na exploração de petróleo. Ele se disse “surpreendido” com a decisão do Ibama, tornada pública no ano passado sem “um debate mais profundo” sobre o tema.
“Não temos e não devemos ter dois, três ou quatro governos. Devemos ter um único governo. E, na minha opinião, só temos um: um governo liderado pelo presidente Lula. Tomei a liberdade de ligar para o presidente do Ibama e dizer da importância de ele ‘sinergizar’ a decisão final dele. Estudar a possibilidade de o caminho ser, em vez da negativa, as condicionantes ambientais que superassem esta questão. É inadmissível que não possamos conhecer das nossas potencialidades minerais no país”, afirmou.
Já o senador Zequinha Marinho (Podemos-Pará) fez questão de reiterar o que tem defendido nos últimos meses. “Como tenho dito, a exploração na Foz vai contribuir em diversos aspectos, mas especialmente no socioeconômico, pois vai gerar riqueza ao país e oportunidades a quase 30 milhões de brasileiros, habitantes da Amazônia, que convivem historicamente com os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil. Não vejo a hora de isso se tornar realidade”.
Nova fronteira
A Margem Equatorial é vista como uma nova fronteira exploratória por causa de descobertas de petróleo e gás natural realizadas nos vizinhos Guiana e Suriname. O avanço das atividades de exploração é questionado por ambientalistas devido a presença de ecossistemas pouco conhecidos.
Atualmente, existem 41 blocos exploratórios sob concessão na região, todos fruto da 11ª Rodada da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ocorrida em 2013. A então diretora-geral da ANP na época da concessão, Magda Chambriard — nomeada recentemente presidente da Petrobras —, afirmou à comissão que a rodada foi pensada para descentralizar a atividade petrolífera no Brasil, concentrada no Sudeste.
Desde então, no entanto, a produção na margem equatorial tem sido marginal, motivada por fatores como dificuldades para a obtenção das licenças ambientais e centralização de investimentos petrolíferos na camada pré-sal, na bacia de Santos.
Declínio
Durante a audiência pública, os convidados também defenderam a ativação da nova fronteira. O diretor do Departamento de Política de Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural do Ministério de Minas e Energia, Rafael Bastos, afirmou que estudos recentes do governo apontam que a produção de petróleo e gás no pré-sal, hoje responsável por quase 80% da produção nacional, vai declinar no médio prazo.
“Se não houver reposição de reservas, na década de 2030 poderemos ter o risco de perder a autossuficiência de petróleo e termos a necessidade de importar petróleo bruto”, afirmou. A mesma advertência foi feita pelo diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia. “Se não produzirmos petróleo, teremos que importá-lo”, disse.
Arrecadação do petróleo para proteção da Amazônia
O governo pode ser obrigado a aplicar parte dos ganhos da produção petrolífera — como royalties — na proteção da Floresta Amazônica e dos povos tradicionais. Para isso, projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP) destina 20% dos recursos do Fundo Especial do Petróleo (FEP) a projetos em áreas afetadas pela atividade petrolífera.
O projeto de lei (PL) 13/2024 ainda será incluído na pauta da Comissão de Meio Ambiente (CMA) pela presidente do colegiado, senadora Leila Barros (PDT-DF). O texto busca conciliar a preservação ambiental com o desenvolvimento econômico, segundo informa Randolfe na justificação do projeto, que é relatado pelo senador Beto Faro (PT-PA) na forma de uma versão alternativa (substitutivo).
“Dessa forma, garantimos a manutenção da nossa floresta e desenvolveremos uma economia pujante e verde […]. Investiremos em integração logística e exploração sustentável dos recursos naturais, promovendo a pesquisa e lavra seguras e beneficiando a todos e todas que habitam essas regiões”, defende Randolfe.
O senador é favorável às pesquisas de viabilidade de produção de petróleo na chamada Margem Equatorial, com poços a 175 quilômetros da foz do Rio Amazonas. A exploração na região enfrenta impasse entre a Petrobras, o governo federal e o Ibama, responsável por conceder licenciamento ambiental.
* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.