A justiça no Pará não é cega, é caolha

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Por Lúcio Flávio Pinto no Jornal Pessoal nº 530, 1ª quinzena/fevereiro 2013

A nova presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, desembargadora Luzia Nadja Guimarães Nascimento, lamenta que eu me considere perseguido pelo poder que ela passou a comandar no dia 1/2. Colocada diante dessa questão, em entrevista concedida ao Diário do Pará, logo depois da sua posse, ela me aconselhou a reagir como tem que fazer qualquer cidadão: recorrendo em juízo.

“Os recursos são disponibilizados a qualquer um, não só aos jornalistas. Se a pessoa se sente insatisfeita com a decisão tem que buscar o recurso e tentar mudar o que se acha injustiçado”, aconselhou.

Nenhuma das dezenas de decisões tomadas contra mim por diversos integrantes da justiça do Pará transitou em julgado sem que eu exercesse todos os meios de defesa previstos em lei. Exceto quando o recurso é incabível e não o adoto para não ser acusado de agir com intuito meramente protelatório; ou, como no caso do grileiro Cecílio do Rego Almeida, porque o recurso se tornou inútil e até mesmo contraproducente diante da deliberada intenção do tribunal de me condenar. Pagar a indenização ao grileiro se tornou uma forma de protesto contra essa ignomínia. Não vou além dos autos para me favorecer através de eventual pressão da opinião pública.

Enquanto acreditei na isenção e no exercício honesto da tutela jurisdicional pelos magistrados que apreciaram meus processos, limitei-me à litigância nos autos. Mas logo ficou evidente que os autores das ações ajuizadas contra mim usavam seus mecanismos de poder e alguns julgadores se submetiam a eles.

Começaram a se multiplicar os abusos de direito e as decisões absurdas, flagrantemente tendenciosas e parciais. Repassei ao público as situações porque um dos propósitos dos meus perseguidores judiciais era – e continua a ser nos processos que mantêm a lide – justamente confinar a discussão aos autos, guardados nos gabinetes das varas ou nos cartórios.

Graças ao interesse demonstrado em diversos segmentos da sociedade foi possível sair da bitola dos donos das ações. Eles apresentam a litigância como sendo uma questão de foro íntimo, uma rixa familiar, como a definiu o então presidente da OAB do Pará, Ophir Cavalcante Júnior, depois presidente nacional da Ordem. Ele e várias outras pessoas e instituições, como a ANJ (a corporativa e patronal Associação Nacional de Jornais), insistem nessa versão capciosa. Contra ela a arma eficiente é a exibição dos fatos. Como o do último incidente processual.

Ele se originou em uma das três ações de indenização por danos morais e materiais ajuizados por Delta Publicidade (empresa que edita o jornal O Liberal), Romulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, este o autor do fato, a agressão física, que fez os irmãos utilizarem esse artifício, de propor sucessivas ações em juízo contra mim, para me apresentar como réu e eles, como vítimas.

Princípio da moderação

A má fé está apenas mal dissimulada nas petições iniciais dos Maiorana. Em três delas fui enquadrado como caluniador, injuriador e difamador, além de sujeito ao ressarcimento material, por dizer que fui espancado. Candidamente, meus algozes disseram que não fui espancado: fui, simplesmente, agredido. E tal argumento foi levado a sério. Apanho do agressor, que me atacou por trás, covardemente, com a cobertura de dois policiais militares transformados em guardas costas particulares (costume que persiste na elite paraense, que põe e dispõe do serviço público), e ainda sou obrigado a indenizá-lo.

As quatro ações de indenização, três delas em que sou réu solitário e em outra, ainda mais absurda, em que sou acusado de responsável pelo que o Diário do Pará publicou sobre a agressão que sofri, somaram, em 2005, 810 mil reais, o equivalente então a 2,7 mil salários mínimos, ou mais de R$ 1,6 milhão de hoje.

Os valores em relação a mim, que tenho sob minha responsabilidade este microjornal, são evidentemente abusivos. A intenção, mais do que me fazer pagar, é me liquidar como profissional e por fim ao jornal. Tirando os R$ 450 mil que o Diário e eu teríamos que pagar aos Maiorana se eles tivessem vencido essa causa (e a perderam), me sobra mais de um milhão de reais como ameaça ainda pendente. O valor tem que ser acrescido de correção monetária e todos os encargos judiciais.

Em uma das ações, já sentenciada no juízo singular, o valor atribuído pelo julgador foi de 30 mil reais. É pequeno diante da voracidade milionária dos Maiorana sobre meus parcos recursos nos outros processos, mas foi completamente desproporcional aos meios aos quais poderia lançar mão para cumprir a draconiana decisão do juiz Francisco das Chagas.

Ele disse que arbitrou os R$ 30 mil porque este jornal seria um sucesso de vendas entre os estudantes de Belém. Se fosse, e o magistrado servisse de árbitro da vendagem, eu não me oporia ao cálculo. Mas a presunção é tão insensata que não resiste à mais superficial das verificações.

Dessas decisões e dos textos que as exteriorizam emerge um ânimo que compromete o exercício da justiça. Não são apenas os Maiorana que, em suas peças e nas manifestações orais em audiências, procuram me fustigar: há parcialidade subjetiva em apreciações de magistrados. Suas palavras, mais do que elementos de definição do seu juízo, são escolhidas com o propósito de abalar o jurisdicionado, como diz o jargão jurídico. No caso, eu.

Veja-se o caso mais recente de uma das ações de indenização dos Maiorana, de R$ 410 mil (sem os encargos). O que provocou o meu primeiro recurso, um agravo de instrumento, foi o despacho em audiência do juiz substituto Mairton Carneiro, em setembro de 2008.

Começou a instrução se referindo à decisão de sua antecessora, que obrigou Delta Publicidade a juntar os documentos por mim requeridos, em junho de 2006. Eram as provas de que a empresa não sofrera nenhum prejuízo em função da publicação do meu artigo “O rei da quitanda”, ao contrário do que alegou o advogado dos Maiorana. Ele não produziu qualquer prova em todo processo, tendo desistido até de ouvir a testemunha indicada inicialmente. O juiz o ouviu de corpo presente expor “as suas razões para não juntada do devido documento. Razões essas que serão analisada por ocasião da prolação da sentença de mérito”, registrou o juiz na ata. E ignorou a categórica desobediência à ordem judicial.

Minha advogada informou que desejava ouvir minhas testemunhas, arroladas na contestação, que é a primeira manifestação do réu nos autos. “Hei por bem de indeferir dito pedido realizado no dia de hoje, tendo em vista que o momento processual adequado para assim ser feito seria por ocasião do despacho da especificação das provas, sendo que naquela ocasião sobre as provas que pretendia produzir o requerido [eu] se fez silente em relação à oitiva de testemunhas e se não o fez à época apropriada não há porque fazer agora”, pronunciou-se o juiz.

E continuou: “mesmo assim a nobre juíza que me antecedeu, a quando da realização da audiência preliminar, deferiu as provas especificadas pelas partes e as provas especificadas também nada consta em relação à oitiva de testemunha. no presente caso a parte requerida não solicitou nem tão pouco a prova testemunhal, encontrando, portanto o seu direito precluso”, decidiu o magistrado.

Minha advogada recorreu da decisão na hora. Lembrou que as testemunhas não só foram deferidas como já lhes haviam sido expedidas as intimações. O indeferimento posterior caracterizava o cerceamento de defesa, a negação do princípio do contraditório e ignorava a questão de prejudicialidade processual, deixando de fazer prevalecer decisões transitadas em julgado, sem a oposição da outra parte.

Por considerar que “não existe mais provas a serem produzidas”, o juiz deu por encerrada a instrução processual. Iria julgar antecipadamente a lide.

Desconsiderou por completo os argumentos da minha advogada sobre as marcas da má fé na iniciativa dos Maiorana, “buscando, inclusive locupletar-se indevidamente, conforme está demonstrado”. Para isso, “trechos do artigo jornalístico que caracterizariam as eventuais ofensas foram maliciosamente extraídos das frases, sem contexto”.

Dessa forma evitariam a compreensão do conjunto do artigo, no qual “cada afirmativa feita é logo em seguida efetivamente demonstrada, como também se evidencia na contestação ao reproduzir os trechos por inteiro, com nexo de causalidade. As críticas feitas têm o amparo constitucional fundamentado na liberdade de expressão e do livre direito de imprensa”, sustentou minha advogada.

“Não há, pois, caracterização de dano moral, nem há que considerar o alegado e não provado dano material, sobre o qual até o presente momento não há indicação no feito, até porque, totalmente dispensado pela conveniência do autor”, completou ela, requerendo justiça, bom senso, razoabilidade e o princípio da moderação no julgamento da demanda, “inclusive com a absolvição dos fatos”.

Regra da lei

Como o juiz se considerasse disposto a sentenciar antecipadamente, sem me deixar produzir provas, mesmo que fossem aquelas que se impunham ao autor da ação, que se disse vítima de “perda de capital”, como causa de dano material e moral, decidi recorrer à instância superior para restabelecer o andamento regular do processo.

Esse recurso, o agravo de instrumento, foi protocolado em setembro de 2008 e distribuído para a 3ª Câmara Cível Isolada do TJE. Nessa peça não deixei a menor dúvida da prova que eu pedi e a juíza deferiu: “cópia de balanço anual da empresa referente a 2004, com suas demonstrações contábeis integrais, e documentos comprobatórios do movimento de receita e despesa da empresa, mês a mês, ao longo de 2005”.

Não eram, portanto, apenas as demonstrações de 2004, solicitadas inicialmente, quando o balanço de 2005 ainda não fora publicado, mas as duas contas, que serviriam para confrontar os dois exercícios. O aditamento da nova prova foi requerido dois dias após a audiência de conciliação, em 30 de junho de 2006.

A juíza Margui Gaspar Bittencourt, a segunda a funcionar no feito, deferiu o segundo pedido, intimando Delta Publicidade a juntar os documentos solicitados. A íntegra do seu despacho não deixa a menor dúvida sobre o que ela concedeu: “Intime-se a autora Delta Publicidade para que junte os documentos a que se referem as fls. 190 dos autos, incluindo o Balanço Anual de 2005, sob as penas do art. 359 do CPC”.

Esse artigo diz que o juiz “admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar”, se o requerido “não efetuar a exibição, nem fizer qualquer declaração” no prazo de cinco dias, “e se a recusa for havida como ilegítima”.

O processo mudou de vara por redistribuição, quando da reorganização feita em 2007 pelo poder judiciário, redefinindo as funções no fórum de Belém. Os autos foram enviados para novo juiz, Mairton Marques Carneiro. Os autores deixaram de juntar os documentos que o juízo lhes intimara a juntar, apresentando razões que Carneiro decidiu examinar apenas “por ocasião da prolação da sentença de mérito”.

Caracterizada a tendenciosidade e a parcialidade do juiz, por seu interesse na causa, argui a suspeição do, mostrando notícia publicada em coluna social de O Liberal sobre o aniversário do titular da 6ª vara cível. Ele reconheceu a suspeição, mas alegou fazê-lo por motivo de foro íntimo.

O processo foi novamente redistribuído, cabendo-o à juíza Teresinha Nunes Moura. Ela reconsiderou parcialmente a decisão do seu antecessor apenas em relação à prova oral, para que fossem ouvidas as minhas testemunhas, antes dispensadas arbitrariamente, e o autor da ação, Romulo Júnior. Mas indeferiu a produção da prova documental, decisão que já havia sido tomada durante a instrução processual.

O agravo foi distribuído para a desembargadora Maria Rita Lima Xavier. Em 7 de novembro de 2008 ela recebeu o recurso. Reservou-se “para apreciar o pedido de efeito suspensivo ativo posteriormente, determinando ainda o seu processamento na forma da Legislação Processual Civil em vigor”.

A relatora mandou intimar o agravado “para que, querendo, apresente as contra-razões do recurso interposto no prazo legal”. Solicitou ainda informações ao juízo de origem no prazo de 10 dias. Findas as diligências, os autos lhe deviam retornar conclusos “para ulteriores de direito”.

Os agravados foram intimados através da resenha no Diário da Justiça no dia 15 de janeiro de 2009, mas não se manifestaram. Já o juiz João Batista Lopes do Nascimento, que estava à frente da 3ª vara, respondeu ao pedido de informações, em 22 de abril de 2010, simplesmente juntando decisão proferida em 10 de março do mesmo ano pela juíza Terezinha Moura.

Em 13 de setembro de 2010, a desembargadora considerou prejudicado o agravo “por perda de objeto, em função do fato superveniente de ter o juízo de origem se retratado da decisão que havia tomado”.         “Não bastasse a perda do objeto”, acrescentou a relatora, o recurso não podia ser conhecido: “É que, após o juízo da admissibilidade, constatei que o agravante não cumpriu o que determina o art. 525, I, do CPC, isto é não juntou cópia da procuração dos agravados”.

Apresentei então outro recurso, o agravo regimental, recebido como interno. Argumentei que a relatora podia não ter examinado com o cuidado devido os autos do processo. quando. declarou prejudicado o recurso anterior por perda de seu objeto, já que a juíza de origem do processo se retratara e aceitara as minhas testemunhas.

Voltei a insistir que foram deferidas apenas as testemunhas, mas não os documentos apontados, As provas eram indispensáveis para se saber se realmente houve perda material causada pela reportagem e se esse suposto prejuízo foi tão expressivo que exigia reparação no valor equivalente a 300 salários mínimos – e mais 300 pelo dano moral decorrente. Logo, não havia perda de objeto.

Ao realizar “um novo juízo de admissibilidade”, a relatora disse também ter constatado que eu deixara de cumprir a determinação legal de juntar as procurações das outras partes no processo.

No entanto, o primeiro documento anexo à peça do recurso era uma certidão de intimação expedida pelo diretor de secretaria do cartório do 6º ofício cível, Edmilton Sampaio, datado da antevéspera da apresentação do agravo, contendo todos os dados do advogado dos agravados e dos agravantes, e atestando a existência nos autos do instrumento de mandato outorgado pelos agravados e agravantes.

Foram esses os autos que a relatora recebeu em 7 de novembro de 2008, sem suscitar a ausência do instrumento de procuração, o que era correto: a certidão atendia em plenitude o dispositivo legal regulador do juízo de admissibilidade. Com as informações que leu, intimou a parte oponente e determinou o processamento do recurso.

Estava cumprida a regra da lei processual, segundo a qual, distribuído o agravo de instrumento no tribunal de apelo, o relator sorteado verificará a existência dos pressupostos genéricos e específicos de admissibilidade do recurso e, não havendo qualquer desses pressupostos, deverá negar-lhe seguimento liminarmente.

Intenção de condenar

Só em 13 de setembro de 2010, quase dois anos depois de haver recebido e instruído o processo, a desembargadora-relatora aduziu à perda de objeto do recurso e a inexistência das procurações dos agravados.

Interpus novo recurso, os embargos declaratórios, mas foi inútil. O novo desembargador-relator, Roberto Gonçalves de Moura, afirmou que nada havia a reconsiderar quanto à decisão combatida, “pois não se apresenta qualquer inovação na situação fático-jurídica que possua o condão de autorizar a mudança do decisum questionado”.E praticamente se limitou a reproduzir a decisão da sua antecessora, como se o meu recurso não existisse.

Fui então aos recursos especial e extraordinário, com os quais pedia a subida dos autos para a apreciação do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

A vice-presidente do tribunal, Eliana Daher Abufaiad negou seguimento ao recurso em 21 de novembro de 2012. A decisão foi publicada no Diário da Justiça de 22 de janeiro, mas teve que ser republicada no dia seguinte porque o primeiro texto não continha o comando decisório, acrescentando no segundo texto: “Nego seguimento ao recurso”.

Entretanto, apesar da correção feita, não foi adotado o procedimento padrão de fazer o alerta de que o documento era republicado em virtude de a publicação anterior conter erros. O aviso faria a distinção entre as duas peças e reabriria o prazo para o recurso final, um novo agravo. Mas esse “detalhe” não foi levado em consideração.

Essa breve reconstituição da via crucis que segui nesse processo comprova que, em todos os momentos em que eu pude me manifestar, apontei em que consistem as ofensas praticadas contra os dispositivos legais. Já os relatores ignoraram completamente minhas razões.

Tornou-se fácil à vice-presidente rejeitar o último dos meus recursos apreciados no âmbito do tribunal, alegando que não demonstrei a lesão aos meus direitos, já que todas as decisões tomadas não se pronunciaram sobre o que formulei.

Ficou nítida a intenção do tribunal do Pará de me condenar, independentemente do que eu possa apresentar em minha defesa e do direito que me assiste. Por isso utilizei um novo agravo para destrancar os recursos especial e extraordinário e fazê-los subir para Brasília. Duas semanas depois que protocolei as peças, elas ainda não haviam aparecido nos controles do TJE acessíveis aos seus jurisdicionados.

5 comentários em “A justiça no Pará não é cega, é caolha

  1. Goteira Responder

    Não só o TJ é caolho, mas também os demais órgãos do Poder Judiciário neste rincão do Brasil.
    Nosso Judiciário lamentavelmente ainda é por demais conservador e com muitos dos seus membros extramamente comprometidos com o poder político e econômico.

  2. Anônimo Responder

    O Lúcio Flavio tem toda credibilidade, está certo o Zé de fazer eco ao que é inteligível.

    Mesmo que ele seja prolixo, o argumento que o judiciário Paraense é caolho, é!!!

    É isso que interessa na noticia.

    Charles Trocate

  3. Arthur Responder

    Com um texto desse o cara não tem credibilidade, heim, Pedro !!!!

    Escreve um artigo melhor q sera publicado.

    Merece é cela mesmo.

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