Vinte entidades entregam manifesto com 250 mil assinaturas em protesto aos supersalários

Brasil é o 7º país que mais gasta com servidores públicos. A cada dez salários de magistrados, sete superam o teto. Elite do serviço público luta para manter privilégios
Governo quer que estabilidade no serviço público fique restrita a carreiras típicas de Estado

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Brasília – Vinte entidades reunidas pela organização Unidos pelo Brasil que reúne mais de 20 instituições, como o Centro de Liderança Pública (CLP) e o Todos pela Educação, protocolam nesta quarta-feira (2), na Câmara dos Deputados, um abaixo-assinado com quase 250 mil signatários a favor do projeto que regulamenta os chamados supersalários, remunerações no funcionalismo que ultrapassam o teto constitucional.

A ofensiva das organizações é acelerar a tramitação do projeto de lei 6726/2016, cuja tramitação está emperrada há quatro anos. O texto redefine o que deve e o que não deve ser submetido ao teto remuneratório do funcionalismo. As entidades querem que os congressistas retomem os debates para acelerar a tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC 32/2020), que trata da reforma administrativa do Estado.

O texto foi proposto pela Comissão Especial do Extrateto em debate virtual na última quarta-feira (25), no Senado, com membros da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPRA).

O projeto de lei impõe travas ao pagamento dos chamados penduricalhos — como indenizações e verbas de auxílio — que fazem com que parte da elite do funcionalismo receba remunerações superiores ao limite de R$ 39,2 mil.

Entidades querem banir os supersalários. Maioria dos servidores públicos recebem salários abaixo do teto constitucional

O teto é previsto na Constituição e é equivalente ao salário de ministro do Supremo Tribunal Federal. O dispositivo, no entanto, nunca foi regulamentado por lei, o que abre brechas para que as leis que tratam de carreiras específicas aprovem o pagamento de verbas que não são consideradas parte do salário e, por isso, não são submetidas a limites.

A regulamentação dos supersalários chegou a ser aprovada no Senado em 2016, mas desde então está parada na Câmara dos Deputados.

“É um absurdo que o projeto dos penduricalhos esteja parado no Congresso desde 2016. Nós sentimos na mobilização que realmente é um momento importante para empurrar isso, porque a pauta agora é despesa pública, cortar gastos”, diz Luiz Felipe D’Avila, fundador do Centro de Liderança Pública (CLP) e idealizador do Unidos pelo Brasil.

O documento da organização será entregue ao deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da frente da reforma administrativa. O parlamentar afirma que a mobilização pode auxiliar na tramitação da proposta de emenda à Constituição (PEC) encaminhada pelo governo em setembro para rever as regras do funcionalismo, cuja tramitação está “congelada” por causa da pandemia do novo coronavírus.

“Boa parte das críticas que vieram à PEC 32 (a reforma administrativa) era que ela não incluía a elite do funcionalismo. Votar o fim dos supersalários é um recado importante “, diz Mitraud, que vê espaço para pautar o texto ainda neste ano.

“Marajás” com supersalários

Na semana passada, Mitraud apresentou durante debate virtual com membros da FPRA, o resultado de um estudo sobre os efeitos dos chamados supersalários — remunerações pagas à elite do funcionalismo que ultrapassam o limite do teto constitucional devido ao pagamento de verbas extras, como indenizações.

Segundo o levantamento apresentado, a cada dez salários de magistrados, como juízes e desembargadores, sete estão acima do teto de R$ 39,2 mil no serviço público federal. “O que a gente vê é que esses supersalários não são, no caso da magistratura, exceção. São a regra, uma vez que 71% estão acima do teto”, explicou o deputado.

Na pesquisa o partido “analisou 217.873 folhas de pagamento de auditores, diplomatas, advogados da União, procuradores fazendários, juízes e desembargadores, de fevereiro a junho deste ano. Descobriu que os magistrados recebem em média R$ 46,2 mil mensais graças aos benefícios extra-teto”.

O estudo mostra que mostra que 65% dos juízes brasileiros recebem acima do teto de R$39,3 mil. O artigo 37 da Constituição Federal limita o valor dos salários na administração pública aos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no caso da União. No entanto, exclui dessa regra verbas de caráter indenizatório. Na ausência de uma lei para regulamentar que tipo de pagamento é esse, surgem as brechas legais para o pagamento dos chamados “penduricalhos”.

Em setembro, o governo encaminhou ao Congresso a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, mas o texto não abrange a questão dos supersalários, que deve ser regulamentado por lei. Por esse motivo foi organizado o debate sobre a necessidade de retomar a discussão do projeto de lei para definir o que está ou não sob o teto salarial, que chegou a ser aprovado no Senado, mas está parado na Câmara dos Deputados desde 2016.

Segundo levantamento, o fim dos supersalários pode gerar uma economia estimada de R$2,6 bilhões por ano aos cofres públicos.

A reação dos “marajás”

O projeto sobre os supersalários enfrenta críticas de categorias citadas pelo levantamento. Na semana passada, a presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, afirmou que qualquer revisão deveria partir do Supremo Tribunal Federal (STF).

O argumento é contestado por defensores do projeto, que afirmam que cabe ao Congresso regulamentar dispositivos já previstos na Constituição — caso do extrateto.

A conclusão do estudo do Novo de que 6% das folhas salariais na Receita Federal estavam acima do teto constitucional também foi contestada. Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), que representa os auditores, afirmou que a informação não procede.

“Ao contrário do que o Partido NOVO informou, a Unafisco Nacional apurou que, em Julho/2020, apenas oito auditores recebem remuneração bruta superior ao teto. A média remuneratória bruta dos ativos foi de R$ 30.135,00 e a líquida foi de R$ 21.312,00. Os oito auditores com remuneração bruta acima do teto sofreram o desconto do abate-teto, como manda a lei. Foram 7.034 Auditores Fiscais da ativa que constaram dos dados fornecidos pelo portal da transparência”, rebateu a entidade.

A avaliação do Novo também foi criticada pela Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB). A entidade afirma que é difícil estabelecer um teto quando integrantes da carreira recebem em moeda estrangeira, muitas vezes mais forte que o real.

“Para mim, a única coisa que faria sentido é o seguinte: não se aplica ao exterior. Você não pode refazer as suas obrigações lá fora ao bel-prazer (das oscilações da moeda). Você tem eleições nos EUA, o dólar dispara, as pessoas investem na Bolsa, esse tipo de coisa. Todo movimento político afeta o dólar no Brasil, que vai entrar na conta do próximo ano”, disse a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, presidente da associação.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília