Ribeirinhos resistem ao derrocamento do Pedral do Lourenço sem compensação

Audiência pública ouve representantes de populações tradicionais que vivem na região de impacto das possíveis obras de derrocamento
Audiência pública reuniu centenas de pessoas para discutir derrocamento do Pedral do Lourenço

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Procuradores da República passaram horas na tarde desta terça-feira, 21, ouvindo relatos de ribeirinhos, povos tradicionais, líderes comunitários e até mesmo de estudiosos de universidades. Em comum, o discurso de que o derrocamento de 42 km do Pedral do Lourenço, em Itupiranga, vai trazer diversos impactos socioambientais, dos quais muitos deles não são conhecidos porque não foram estudados.

Além disso, os queixosos que aprovariam hipoteticamente o derrocamento do pedral, questionam a falta de compensação que o governo federal poderia oferecer para mitigar os impactos da obra, prevista para iniciar em 2024.

As obras de derrocamento têm como objetivo a retirada de rochas ao longo de 42 quilômetros no território de Itupiranga para aumento da navegabilidade da hidrovia do Rio Tocantins em períodos de seca.

Ao ginásio da folha 16, onde a audiência pública foi realizada, só compareceram cerca de 400 pessoas. Um grupo minoritário, de empresários e políticos, só conseguiu espaço para falar depois das pessoas objeto da escuta usarem o microfone para expor suas opiniões e temeridades.

Uma dessas personalidades era a cacique Cátia Vandenilson Akrantikatejê, uma das maiores lideranças do povo Gavião, da Terra Indígena Mãe Maria, no município de Bom Jesus do Tocantins. Ela lembrou que sua comunidade havia sido expulsa das proximidades de Tucuruí depois da construção da barragem e o governo federal apenas a transferiu de lugar, sem promover a mitigação dos impactos sociais e ambientais que seu povo sofreu.

Cátia mostrou-se austera em relação ao derrocamento do Pedral do Lourenço, que em sua visão causaria grandes impactos à natureza e às pessoas de vida simples, como indígenas e outros povos tradicionais. “Vocês deveriam aprender conosco, produzindo sem destruir a floresta. Esse Rio Tocantins tem muitas riquezas e a navegação comercial não pode ser mais importante do que a sobrevivência de milhares de vidas”, disse a cacique.

O procurador da República, Igor Spíndola, disse que o Ministério Público Federal já acompanha há mais de uma década o procedimento de licenciamento e liberação das licenças dessa obra e foi tomado meia de sobressalto da maneira que a licença foi expedida. A gente tem compreensão que essas vozes que chegaram aqui hoje e esses interesses não estavam inseridos no licenciamento. Então, as audiências públicas servem como uma tentativa de suprir esse déficit e de participação dessas comunidades que vão ser impactadas com os efeitos da obra”, disse Igor.

Por sua vez, o secretário Regional de Governo do Sul e Sudeste do Pará, João Chamon, avaliou a realização da audiência pública como um exercício da democracia e tem um condão de ouvir opiniões, posições e isso vem ao encontro do que prega o governador Helder Barbalho. “Nós queremos o desenvolvimento de forma sustentável, nós não queremos privilégios a nenhum segmento. Nós queremos o desenvolvimento do estado de forma equitativa, de forma que todos possam estar felizes em seu ambiente e todos beneficiados com as obras governamentais”, ponderou.

Os empresários presentes, por outro lado, defendem a realização da obra o mais rápido possível, porque consideram que os estudos realizados anteriormente são suficientes para mostrar os impactos socioambientais, e consideram que o governo deve, sim, promover mitigação dos impactos previstos.

O presidente da Associação Comercial e Industrial de Marabá, João Tatagiba, opina que as obras iniciem o quanto antes para que Marabá e região tenham desenvolvimento esperado há vários anos, melhorando o corredor logístico e gerando emprego e renda. Junto com ele, outras três dezenas de empresários de Marabá e região engrossaram o coro de “derrocamento já” e até mesmo colocaram faixas no ginásio com essa intenção.

Professor de História, Nattan Nahum, se mostrou contra o derrocamento do Pedral do Lourenço, por considerar que este é um território tradicionalmente ocupado por populações ribeirinhas e indígenas que tiram o sustento desse espaço. “Esse discurso de desenvolvimento é um erro, visto que trará benefícios apenas para algumas empresas e gera impactos irreversíveis para o território. Basta olharmos para o exemplo de Belo Monte.

Por sua vez, Wandenkolk Gonçalves, ex-deputado federal e morador de Itupiranga, diz que a comunidade daquele município, que sofrerá o maior impacto com o derrocamento do pedral, pede como condicionante a construção de um porto público, implantação de um núcleo da Universidade Federal com cursos diversificados, programa de criatório de peixes em tanques-redes, preparação de mão de obra local com cursos profissionalizantes, ajuda financeira para barqueiros e barraqueiros e pagamento de impostos sobre serviços ao município.