Relatório da CPI da Covid culpa governo federal e perdoa estados e municípios

Documento apresentado por Renan Calheiros lista 14 temas, indicia 66 pessoas e duas empresas
Relator Renan Calheiros lê o relatório ao lado do presidente Omar Aziz (centro) e do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (esquerda)

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Brasília – Após seis meses de instalada, o relator da CPI da Covid-19 no Senado Federal, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou nesta quarta-feira (20), a versão final do relatório com 1.180 páginas, no qual estabelece e responsabiliza a culpa do governo federal por todos os males da pandemia do novo coronavírus, deixa de fora estados e municípios, indicia 66 pessoas e duas empresas.

O relatório será enviado à Procuradoria Geral da República (PGR) na forma de denúncia. Cabe a PGR avaliar se cabe a abertura de denuncias ao Supremo Tribunal Federal (STF) dos supostos crimes listados no documento, uma vez que vários dos indiciados têm foro privilegiado, sendo o principal acusado o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

O parecer fez uma série de conclusões sobre a atuação do governo federal durante a pandemia. Afirmou, por exemplo, que existiu um gabinete paralelo a fim de orientar o presidente Jair Bolsonaro sobre as ações de combate ao novo coronavírus no país.

Disse também que a ineficácia do tratamento precoce para a Covid-19 “matou” milhares de brasileiros, e que havia uma estrutura organizada no governo de disseminação de notícias falsas (fake news) e que houve atraso injustificado do governo na aquisição das vacinas, entre outras alegações.

Confira a seguir as conclusões às quais chegou o relator da CPI, o senador Renan Calheiros, sobre 14 temas tratados durante os quase seis meses de funcionamento da comissão e após dezenas de depoimentos.

Defesa

Na reunião, senadores governistas alegaram que a CPI focou apenas o governo federal, com o objetivo de desgastar o presidente Bolsonaro. Eduardo Girão (Podemos-CE), que se declara independente, disse que a comissão fechou os olhos à atuação de governos estaduais e prefeituras e virou instrumento de perseguição política. Ele pretende apresentar um voto à parte.

Antes da leitura do relatório, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), teve a oportunidade de apresentar uma defesa do governo federal por pouco mais de 20 minutos.

O senador fez críticas ao trabalho da comissão, que, segundo ele, agiu de forma política na tentativa de incriminar o presidente da República; enumerou as medidas adotadas para salvaguardar os serviços públicos e a população durante a pandemia e lembrou que o Brasil já tem hoje 151 milhões de pessoas vacinadas com a primeira dose, estando à frente, em termos percentuais, de países como Estados Unidos, Alemanha, México, Índia, África do Sul e Rússia.

“Um ato político não pode ensejar a criminalização de um residente de um país com mais de 200 milhões de habitantes. O direito não pode ser utilizado como instrumento de política. Ou se faz um relatório final técnico ou se elabora uma opinião comprometida politicamente. Não há como mesclar as duas coisas, ou seja, aparência de tecnicidade em um relatório ideológico. Impõe-se foco técnico e ausência de viés político e atuação dentro dos limites constitucionais”, disse.

Confira o resumo das conclusões e indiciamentos no relatório final da CPI da Covid

1. Gabinete paralelo

O relatório conclui que há “provas suficientes” para “comprovar a existência de um gabinete paralelo” no governo, composto por médicos, políticos e empresários, para prestar orientações ao presidente sobre como a pandemia deveria ser enfrentada, muitas vezes contrariando orientações do Ministério da Saúde.

Um dos aconselhamentos de tal “gabinete paralelo” a Bolsonaro, segundo o relator, era para que o Brasil atingisse a imunidade de rebanho pela contaminação natural com o vírus da Covid-19, colocando em isolamento apenas idosos e pessoas com comorbidades.

Isso, ainda de acordo com o parecer, levou o presidente a resistir à implementação de medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras e o distanciamento social, além de recomendar uso de medicamentos para tratamento precoce, que, segundo o relatório são “comprovadamente ineficazes” no combate à Covid-19, apesar de não haver consenso científico sobre a questão. “Tudo isso colaborou para a propagação do vírus da covid-19”, afirma o relator no documento.

Alguns depoimentos foram citados para explicar a conclusão: o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que disse que acreditava que o presidente havia construído uma “rede de aconselho paralelo” para tratar dos assuntos da pandemia; o do ex-ministro da Saúde Nelson Teich, que disse não saber da existência de um gabinete paralelo, mas relatou que só ficou sabendo de um decreto que ampliava o leque de serviços essenciais durante a pandemia pela imprensa; uma declaração do empresário Carlos Wizard à TV Brasil, na qual ele disse que passou “um mês em Brasília, junto com o [então] ministro Eduardo Pazzuelo, atuando como conselheiro do ministério”. Pazzuelo, quando chamado à CPI, negou a existência de um gabinete paralelo.

Além dos depoimentos, o relatório cita um vídeo de uma reunião, realizada em setembro de 2020, entre o presidente da República, médicos e o deputado Osmar Terra (MDB-RS) para tratar da pandemia. Nessa reunião, o virologista Paolo Zanotto disse que gostaria de “ajudar o executivo a montar um shadow board” ou “shadow cabinet” (gabinete paralelo) com especialistas em vacinas para acompanhar o desenvolvimento dos imunizantes. Registros de reuniões entre a médica e pesquisadora Nise Yamaguchi — que defendeu o tratamento precoce, mas negou a existência de um gabinete paralelo — e membros do governo também foram citados.

“Concluímos que a epidemia não teria tomado o curso causal que tomou sem o assessoramento paralelo ao Presidente da República, que influenciou diretamente suas decisões e seu discurso desde o início. As ações e o discurso do Presidente influenciaram o comportamento de milhões de brasileiros desde março de 2020”, diz o documento, que pede a responsabilização de Nise Yamaguchi, Osmar Terra, Arthur Weintraub (ex-assessor da Presidência), Carlos Wizard e Paolo Zanotto pelo crime de epidemia na modalidade culposa.

2. Imunidade de rebanho

A partir de declarações da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro — que em maio de 2020 teria afirmado que “medidas de isolamento social ‘atrapalharam a evolução natural da doença naquelas pessoas assintomáticas, como as crianças’, impedindo o efeito rebanho”; do deputado Osmar Terra, que disse que o que acabará com a pandemia não é a vacina, é a imunidade de rebanho; e de duas campanhas publicitárias do governo federal que defenderam a proteção da economia durante a crise sanitária, o relator concluiu que o governo federal estava alinhado com a ideia da imunidade de rebanho por contaminação natural.

Após ter acesso a opiniões de especialistas, o relator afirmou que “a estratégia adotada foi temerária” e que o governo “ignorou o fato de nenhuma pandemia ter sido, até hoje, controlada por meio da imunidade de rebanho pelo autocontágio”.

Um desses especialistas era Nicolai Petrovsky, diretor de pesquisas da empresa Vaxine, da Austrália. Em uma comunicação diplomática com o embaixador Sérgio Eduardo Moreira Lima, ele escreveu, segundo consta no relatório, que “ao contrário da gripe espanhola, a imunidade contra a Covid-19 tem-se mostrado temporária, o que torna inviável a estratégia de imunidade de rebanho”.

3. Tratamento precoce

O relatório da CPI da Covid definiu o tratamento precoce como sendo a utilização de um ou mais medicamentos para o tratamento da Covid-19 após o diagnóstico ou suspeita da doença. Entre os fármacos do “kit Covid”, foram citados: cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina, medicamentos que, segundo o documento, têm “pouca ou nenhuma evidência de eficácia contra” a doença.

Para o relator, “sobram evidências” de que o tratamento precoce é ineficaz. Ele cita a revogação, pela agência americana reguladora de medicamentos (FDA), do uso da cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19 nos Estados Unidos; uma nota de cientistas brasileiros em maio de 2020 afirmando que não havia “evidências científicas favoráveis” para o uso dos medicamentos; depoimento da pesquisadora Natalia Pasternak, que disse que a cloroquina funciona apenas em “tubo de ensaio”; depoimento do ex-ministro da Saúde Nelson Teich; um estudo da Sociedade Brasileira de Infectologia, que em julho de 2020 afirmou que a “hidroxicloroquina deveria ser abandonada no tratamento de qualquer fase da Covid-19”; além de relatos de outros especialistas convidados pelos senadores a depor na CPI da Covid.

“As melhores evidências científicas disponíveis revelam a inutilidade da cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina e de outras drogas utilizadas no dito tratamento precoce — em suas mais diversas variantes — no tratamento da Covid-19”, afirma o relator.

O documento ainda lembra que o Ministério da Saúde emitiu uma nota em maio de 2021, informando que os medicamentos não apresentam benefícios clínicos para pacientes hospitalizados, razão pela qual recomenda a sua não utilização. Mas afirma que a posição da pasta sobre o uso desses fármacos nas fases iniciais da doença “ainda não é clara”.

Por fim, o documento faz referência ao adiamento da análise de recomendação contra o uso do “kit Covid” pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). O relatório que ainda não foi aprovado pelo órgão colegiado diz que azitromicina e hidroxicloroquina não devem ser usados no tratamento ambulatorial de pacientes com suspeita ou diagnóstico de Covid-19. Também não recomenda o uso de hidroxicloroquina e cloroquina em pacientes com suspeita ou diagnóstico da doença e diz que a ivermectina deve ser usada apenas em estudos clínicos.

“Há de se observar que o tratamento precoce acabou por adquirir, principalmente no Brasil, um sentido ideológico. O principal responsável por isso foi o próprio Presidente da República, notório divulgador do tratamento precoce. Um exemplo – dentre muitos – foi quando afirmou, explicitamente: ‘Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma tubaína’”, salienta o relator.

Além das declarações do presidente em favor do tratamento precoce, o documento cita ações do governo federal para garantir o abastecimento de medicamentos, como a cloroquina e a hidroxicloroquina, no país, por atuação do Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Saúde e do Exército. Também citou gastos da Secretaria de Comunicação do governo com campanhas sobre “cuidados precoces”.

“Ao adotar e insistir no tratamento precoce como praticamente a única política de governo para o combate à pandemia, Jair Bolsonaro colaborou fortemente para a propagação da covid-19 em território brasileiro e, assim, mostrou-se o responsável principal pelos erros cometidos pelo governo federal durante a pandemia da Covid-19”, conclui o documento.

4. Oposição a medidas não farmacológicas

O relator também alega que a CPI “colheu evidências significativas de que o governo federal atuou para desestimular a população a adotar medidas não farmacológicas que contribuíssem para evitar a infecção pelo vírus Sars-Cov-2”. Essas medidas são: uso de máscaras, distanciamento social, quarentena e a conduta de não frequentar locais com aglomerações de pessoas. O intuito do governo seria, de acordo com a conclusão do parecer, estimular a população a se expor à doença e, assim, promover a imunidade de rebanho.

Segundo o documento, essas medidas se apresentaram “como estratégia racional para o combate da pandemia da covid-19”, diante da falta de vacinas, de tratamento para a doença e da facilidade de transmissão do vírus. Contudo, a adoção de políticas de distanciamento social sofreu “declarada oposição do Presidente da República, desde o início da pandemia no Brasil”, diz o relator, citando declarações, eventos e discursos de Bolsonaro.

“A conduta do Presidente da República de estimular e incitar publicamente a população a se aglomerar e não usar máscara representou violação das medidas sanitárias preventivas então vigentes, destinadas a impedir a propagação de doença contagiosa. Ocorre que o descumprimento dessas medidas configura infração penal. Assim, o comportamento do Presidente Bolsonaro amoldou-se ao tipo penal que trata da incitação ao crime”, afirma o documento, que também critica o número de testes para diagnósticos da doença no Brasil, que seria inferior a outros países, como EUA, Rússia, Espanha e Argentina.

5. Alegação de supernotificação de mortes por Covid-19

Os senadores também incluíram no relatório da CPI os questionamentos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o número de mortes por Covid-19 no país em 2020, ao citar um suposto relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) que alegava que 50% dos óbitos por Covid não tinham decorrido da doença — o órgão, posteriormente, esclareceu que o documento era uma análise pessoal de um servidor do TCU e não constava em processos oficiais do tribunal. Bolsonaro, no mesmo dia, reconheceu que não se tratava de um documento do TCU.

Contudo, o relatório constatou que “além de o Presidente da República propagar de forma errônea que a informação constava em relatório do TCU, houve alteração no documento que circulou pelas redes sociais, no qual foi inserida a inscrição ‘Tribunal de Contas da União’, induzindo a população a acreditar que seria um documento oficial do TCU, bem como com uma conclusão proferida por aquela Corte de Contas”.

6. Atraso na aquisição de vacinas

Sobre a compra de vacinas contra a Covid-19 pelo governo federal, o relatório conclui que houve “injustificado atraso” nas negociações com as farmacêuticas fornecedoras, o que teria impactado diretamente” na imunização da população brasileira.

“Os depoimentos dos representantes da Pfizer e do Instituto Butantan deixam claro que a aquisição de imunizantes não foi uma prioridade do Ministério da Saúde, que postergou ao máximo a conclusão das negociações”, diz o documento, acrescentando que “as justificativas apresentadas pelo ex-Ministro Eduardo Pazuello e pelo ex-Secretário Executivo Élcio Franco, por sua vez, foram insuficientes para justificar o atraso na compra das vacinas, já que não apresentaram fundamentos consistentes para eximir de responsabilidade o governo federal”.

Sobre as negociações com a Pfizer, Pazzuelo declarou, em depoimento na CPI, que se tratava de uma vacina com tecnologia desconhecida, muito mais cara que as demais, e que demandava logística complexa de armazenamento, em temperaturas muito baixas. O ex-ministro declarou também que as cláusulas do contrato “eram leoninas, pois tratavam de fundos e ativos brasileiros no exterior” — crítica semelhante à feita pelo governo argentino no ano passado. Franco, por sua vez, disse, segundo o relatório, que “não houve interesse pela Pfizer porque a empresa farmacêutica ‘não quis fazer a transferência de tecnologia’”.

A primeira proposta da Pfizer ao governo brasileiro ocorreu em meados de 2020, prevendo uma entrega de 1,5 milhão de doses ainda em 2020 e cerca de 70 milhões em 2021. O acordo com a farmacêutica americana foi anunciado em dezembro.

Sobre a negociação da Coronavac, segundo depoimento de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, as conversações com a Sinovac teriam sido prejudicadas devido a declarações do presidente de que a vacina chinesa não seria incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). O relatório, citando histórico de tratativas e reuniões, também afirma que as negociações com os laboratórios Moderna e Janssen foram “lentas”.

7. Crise sanitária no Amazonas

Diante da falta de oxigênio medicinal em hospitais do Amazonas, o relatório concluiu que houve uma “atuação às cegas e pouco proativa por parte dos gestores federais”.

“Na prevenção e na solução da crise, observa-se que a atuação do governo federal mostrou-se exclusivamente reativa, sem qualquer planejamento. Além de fragilidades e omissões locais, que fogem à competência dessa CPI do Senado Federal, a crise de Manaus aponta para déficit de governança e de coordenação no governo federal para combater a pandemia”, afirma o documento.

Também há críticas sobre “a falta de planejamento” para a operação de transferência de pacientes amazonenses para outros estados e à orientação de uma comitiva federal para protocolo clínico com medicamentos para tratamento precoce nas unidades básicas de saúde de Manaus. “Com essa opção o Ministério da Saúde fez do estado do Amazonas um verdadeiro laboratório humano, colocando a saúde em segundo plano e atentando, assim, contra a vida e a integridade física dos amazonenses”.

O relatório também mencionou que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), foi denunciado por “diversas infrações penais” que teriam sido cometidas durante o enfrentamento da pandemia no estado, como dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato, liderança em organização criminosa e embaraço às investigações — acusações relacionadas à compra de 28 respiradores.

8. Caso Covaxin

Na análise do relator, o processo administrativo de aquisição da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, “apresenta vários vícios”, como “a ausência de estimativa de preços ou de justificativa para a sua dispensa”.

Também foi citado um depoimento do chefe da Coordenação-geral de Logística do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, ao Ministério Público Federal, no qual ele informou que sofreu “pressão atípica” em relação à importação da vacina indiana. A compra, que estava sendo intermediada pela Precisa Medicamentos, não foi concluída.

“São fortes os indícios de má-fé, considerando tratar-se de um contrato de R$ 1,6 bilhões [sic]. Some-se a isso a fraude em documentos juntados ao processo (conforme perícia da polícia do Senado Federal), o que reforça a suspeita de que a empresa Precisa tentou receber adiantado, sem garantias de entrega das vacinas”, afirma o documento, referindo-se uma nota emitida pelo Departamento de Logística do Ministério da Saúde em fevereiro, em favor da Precisa.

O comissionamento da Precisa Medicamentos seria de US$ 1,50 ou US$ 2,25 por dose caso o contrato se concretizasse, o que representaria algo em torno de R$ 240 milhões. “Um negócio multimilionário que explica todo o esforço delitivo dos representantes da empresa e seus agentes para vê-lo concluído”, diz o documento.

Outro fato que chamou a atenção do relator foi o “interesse do governo em adquirir mais 50 milhões de doses da Covaxin”, por meio de Ofício de 06/03/21. Mesmo após o pedido de certificação de boas práticas de fabricação ter sido indeferido pela Anvisa, o governo solicita a antecipação do máximo possível de doses ao Brasil”.

“Surpreende que esses fatos tenham passado despercebidos pelo Ministério da Saúde, que levou à frente uma contratação arriscada e eivada de irregularidades”. Em outro trecho, o documento questiona a eficácia da Covaxin e a capacidade de entrega da Bharat Biotech e conclui:

“A CPI nos livrou de um enorme prejuízo e de um vexame internacional, sobretudo pelo fato do chefe do Poder Executivo Federal, o Presidente Jair Bolsonaro, ter agilizado e defendido a aquisição da vacina Covaxin, além de ter se recusado e resistido à compra das demais vacinas, sobretudo dos imunizantes Pfizer e Coronavac”.

9. Hospitais federais no Rio de Janeiro

A partir do depoimento do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, a CPI da Covid passou a investigar a hipótese da existência de controle político da nomeação de dirigentes e de desvios de recursos em hospitais federais no Rio de Janeiro.

Documentos e informações disponibilizados à CPI permitiram “identificar indícios de irregularidades em contratações feitas pelo Hospital Federal de Bonsucesso, no Instituto de Traumatologia e Ortopedia (INTO) e na Superintendência do Ministério da Saúde no Estado do Rio de Janeiro”, mas os senadores não conseguiram concluir as investigações relativas às denúncias do ex-governador.

“As denúncias em torno desse assunto são gravíssimas. A CPI, porém, teve pouco tempo para analisá-las, até porque os fatos relativos aos Hospitais Federais do Rio de Janeiro surgiram no curso da investigação. Ainda que breve o período investigativo, diversos indícios de irregularidades foram constatados pela CPI”. Documentos obtidos pelos senadores serão compartilhados com o Ministério Público Federal “para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos eventuais infratores”.

10. Caso VCTLog

A CPI investigou também o contrato do Ministério da Saúde com a VCTLog, operadora logística de fármacos que tem prestado serviço relacionado ao transporte e armazenagem de milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 no Brasil.

De acordo com o relatório, a comissão “identificou a presença de uma série de indícios que demonstram a possível ocorrência do chamado ‘jogo de planilha’, artifício utilizado para possibilitar que um licitante vença o certame de maneira aparentemente legal e, posteriormente, ao longo da execução contratual, passe a manipular preços unitários com o intuito de aumentar demasiadamente o valor do contrato, mediante termos aditivos, em prejuízo ao erário”.

O segundo aditivo do contrato acabou sendo suspenso pelo TCU, até que o tribunal de contas analise o mérito da matéria, o que foi considerado pelo relator como “um efeito positivo da atuação desta Comissão Parlamentar de Inquérito, haja vista que a atuação do Tribunal sobre o caso foi provocada mediante representação formulada por dois membros da Comissão”.

Sobre a prática da empresa em movimentar seus recursos por meio de saques em espécie, o relatório afirma que “a movimentação expressiva de valores em espécie constitui conduta típica de quem pretende dificultar o rastreamento do dinheiro, com o intuito de dissimular atos ilícitos”.

11. Orçamento para a pandemia no Brasil

Em sua análise sobre o orçamento do governo federal para a pandemia, o relatório destaca que o “expressivo” montante destinado ao auxílio emergencial durante 2020 (R$ 759,7 bilhões) e 2021 (R$ 385 bilhões) foi “resultado de ação decisiva do Congresso Nacional sobre a urgência de se prover renda para aqueles que, devido ao isolamento social necessário para conter o avanço da pandemia, perderam a capacidade de gerar o seu próprio sustento, como revelado a seguir”. O documento salientou que a proposta inicial do executivo federal era pagar um auxílio de R$ 200 e que aumentou a R$ 600 durante deliberação no Congresso.

“Embora o Auxílio Emergencial tenha, assim, efeito relevante no aumento do déficit primário, representando um custo adicional de juros das operações de crédito utilizadas como sua fonte de financiamento, a sua concessão tem-se mostrado como instrumento essencial para a manutenção da renda daqueles que mais precisam”, afirma o relator, que também salientou a importância do trabalho do TCU ao acompanhar as ações do governo federal.

Nesse quesito, a CPI também questionou o uso de recursos públicos para compra de medicamentos do “kit Covid”, salientando que a maior parte dos recursos para este fim foram empenhados em dezembro, “quando a sua eficácia para o combate à covid19 já havia sido questionada”.

O relatório conclui que uma investigação mais detalhada será necessária para se identificar como foi a distribuição desses medicamentos e como eles foram ministrados aos doentes.

12. O impacto da pandemia sobre os povos indígenas

O relatório produzido pela CPI da Covid alega que “documentos e pareceres” aos quais a comissão teve acesso durante a pandemia “constituem indícios fortes de que crimes contra a humanidade estejam, de fato, em curso” e que “o impacto da Covid-19 sobre os povos originários foi grave e desproporcional”.

De acordo com o texto do relator, o vírus teria se apresentado como oportunidade para intensificar uma “ofensiva multifatorial” contra os indígenas, “que já estava em curso” e é “patrocinada pela atual gestão”.

“O estímulo à presença de intrusos nas terras indígenas e a negligência deliberada do governo federal em proteger e assistir os povos originários foram aliados do vírus, produzindo efeitos combinados”, diz o parecer, citando uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, de junho de 2020, que indicava que os indígenas chegavam a ter quatro vezes e meia mais chances de infecção do que brancos.

Para o relator, medidas mitigatórias foram deliberadamente recusadas ou negligenciadas, apesar de ter sido oferecida assistência sob a forma de serviços de saúde e alimentos, missões de assistência e barreiras sanitárias em alguns casos. Outra crítica é que o governo apenas priorizou a vacinação de povos indígenas quando foi pressionado pela sociedade e pelo Supremo Tribunal Federal.

“Numa administração onde, notoriamente, um manda e outros obedecem, fica nítido o nexo causal entre o anti-indigenismo do mandatário maior e os danos sofridos pelos povos originários, ainda que não tenha ele assassinado diretamente pessoa alguma. Deixando o vírus agir, propagando a segurança ilusória de um tratamento precoce, instigando invasores e recusando-se a proteger, produziu morte e sofrimento à distância. O acossamento constante e a negligência proposital, associados à pandemia, foram piores do que as armas”, diz um trecho do texto.

Com esse argumento, o relator afirma que há elementos que sustentam a plausibilidade da ocorrência de crimes contra a humanidade contra os povos indígenas, embora “a grande mortandade de brasileiros, de modo geral, não possa ser, tecnicamente, descrita como genocídio”.

“Não se trata, aqui, de descartar ou de acolher a acusação de antemão, mas de analisar a sua plausibilidade e os dados disponíveis até o momento, para então, se for o caso, encaminhar as conclusões da CPI às instâncias competentes”.

O relatório também afirma que o governo federal desprezou a adoção de políticas públicas compensatórias que poderiam diminuir as desigualdades acentuadas pela pandemia, as quais afetaram principalmente mulheres, negros e quiolombolas.

13. Desinformação na pandemia

O relatório afirma que a CPI identificou “uma verdadeira campanha de desinformação institucional”, que incluiu órgãos públicos como a Secom, o Ministério da Saúde, a TV Brasil e o próprio Palácio do Planalto. Foram citadas manipulação de estatística e falta de campanhas que promovessem uso de máscaras e outras medidas para evitar a propagação da doença.

O texto também cita campanhas nas redes sociais que foram “baseadas em conteúdos claramente contrários às evidências técnicas e científicas disponíveis até o momento, gerando enorme confusão na população, por meio de um processo que se convencionou denominar fake news”, o que teria agravado a pandemia no país.

O relator afirma também que a investigação da CPI comprovou o envolvimento da cúpula do governo em ações para fomentar a disseminação de fake news, inclusive do presidente, de seus filhos e do primeiro escalão do governo.

De acordo com o relatório há uma organização por trás da disseminação do que o relator considera ser fake news, a qual está dividida em núcleos: de comando, formulador — também chamado de gabinete do ódio —, político, de produção e disseminação e de financiamento. Entre os principais financiadores investigados pela comissão estão os empresários Otávio Fakhoury, que integra o Instituto Força Brasil, e o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan.

Entre as declarações consideradas fake news estão: as críticas ao isolamento social e ao uso de máscaras faciais, propaganda antivacina, a isenção de responsabilidade pelo fato de que o STF teria proibido o governo federal de atuar na pandemia, campanhas de incentivo ao tratamento precoce, e a desinformação sobre número de mortes (nesse caso, foi citado como exemplo a declaração do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, que afirmou em agosto do ano passado: “Dizer que o Brasil é um dos países com a pior situação na covid-19 com base em números absolutos é desonestidade e desprezo pela ciência e pela realidade”).

14. Caso da Prevent Senior

Um dos casos mais polêmicos tratados na CPI foi o da seguradora de saúde Prevent Senior. Segundo depoimentos ouvidos pelos senadores, a operadora estimulou que seus médicos receitassem medicamentos do tratamento precoce a seus pacientes com Covid-19. Também houve denúncias de que pacientes internados em hospitais da rede estariam sendo tratados com tais remédios e que isso faria parte de um “experimento com seres humanos feito sem autorização” dos próprios pacientes.

“A empresa utilizou o termo ‘cuidados paliativos’ de forma completamente divorciada dessa parte da ciência da saúde, violando seus princípios mais basilares e ainda usurpando sua denominação como um eufemismo para abandonar o paciente à própria sorte, para morrer sem cuidados”, diz o relatório. “Praticaram mistanásia, e não cuidados paliativos, e por isso devem ser investigados homicídios, consumados e tentados. A acusação é de uma gravidade inimaginável e merece, urgentemente, a abertura de inquérito pelas autoridades policiais do Estado de São Paulo”, concluiu o parecer, lembrando também que a Prevent Senior está sob investigação da Agência Nacional de Saúde.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.