Plástico está presente na dieta humana até na cerveja

Micropartículas de plástico é uma praga que está em todos os lugares
Partículas de microplástico estão presentes no ar, no açúcar, no sal, na água de torneira, na cerveja gelada. É onipresente

Continua depois da publicidade

Brasília – Os efeitos perversos do novo coronavírus pegou o Mundo desprevenido, mas há outa praga que não há como escapar. Está no ar, no açúcar, no sal, na água de torneira, na cerveja gelada. A presença de micropartículas de plásticos já faz parte do cotidiano de qualquer cidadão do mundo. Estima-se que, ao longo de um ano, cada pessoa tenha ingerido algo entre 74 e 121 mil partículas desse material.

Em agosto do ano passado, a Organização Mundial da Saúde divulgou o relatório Microplastics in drinking-water (Microplásticos na água potável), no qual analisa mais de 50 estudos sobre a presença de partículas e fibras plásticas em águas naturais, potáveis e de esgoto. O objetivo do relatório era avaliar os riscos à saúde.

Por enquanto, não há consenso sobre como esse material tem afetado a vida humana. Partículas acima de 150 micrômetros são facilmente excretadas pelo organismo e, assim, não representariam grande risco à saúde. O que se sabe é que temos ingerido essas micropartículas por meio de ingestão e inalação. E comer plástico não parece a melhor das ideias.

Entre os dados consolidados pela organização Oceana estão resultados de uma pesquisa feita no ano passado por cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, que analisou as quantidades dessas partículas e diversos produtos e substâncias. A água engarrafada aparece no topo da lista daqueles que apresentaram maior presença de microplástico, seguida por cerveja, ar, água de torneira, frutos do mar, açúcar e sal.

Um estudo da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria, encontrou partículas de microplásticos em fezes humanas em indivíduos em oito países diferentes: Finlândia, Itália, Japão, Holanda, Polônia, Rússia, Reino Unido e Áustria.

“Todos eles tinham tido contato com comida embalada por plástico e seis haviam comido peixes e frutos do mar durante o período de observação do experimento. Cerca de 95% das fezes continham 20 partículas de microplástico a cada 10 gramas”, afirma o relatório.

Vida marinha

Segundo o relatório que compila os dados, os prejuízos à vida marinha são bem mais visíveis. Entre 2015 e 2019, foram feitas 29.010 necropsias de aves, répteis e mamíferos marinhos encontrados nas praias das regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Desse total, 3.725 animais, entre golfinhos, baleias, aves e répteis, tinham ingerido detritos plásticos. Treze por cento deles tiveram a morte diretamente associada ao consumo desses materiais.

A projeção é de que existam, pelo menos, 5 trilhões de pedaços de plásticos nos mares. A maior parte desse material está dispersa e é formada por pedaços pequenos demais (até um milímetro) para serem coletados por limpezas de praia ou em alto-mar. O material leva centenas de anos para se decompor. Essa é uma ameaça de longo prazo e que precisa da máxima atenção das autoridades de Saúde em todos os países, alerta o estudo.

Outros riscos

O crescimento da reutilização potável como uma estratégia planejada de abastecimento de água levou a um maior foco na presença e importância de contaminantes químicos residuais. Com o uso de águas residuais recuperadas como fonte, os projetos de reutilização potável exigem que se considere seriamente a variedade e a natureza dos produtos químicos que podem estar presentes e podem representar riscos inaceitáveis para a saúde pública se não forem gerenciados adequadamente, alerta o estudo.

A primeira etapa, necessária para avaliar e gerenciar os riscos, é considerar a variedade de contaminantes químicos que podem estar presentes. Embora seja impossível derivar uma lista exaustiva, é útil considerar categorias amplas e os tipos específicos de desafios que podem ser colocados pelos produtos químicos dentro dessas categorias. Essa ampla categorização de contaminantes químicos é apresentada nesta revisão (do estudo) e fornece a base para consideração inicial por aqueles encarregados de avaliar a qualidade da água e os requisitos de tratamento de um projeto de reutilização potável.

Os produtos químicos, que podem ser potencialmente uma preocupação em projetos de reutilização potável, são diversos em termos de sua origem (antropogênica ou natural), características químicas e sua provável toxicidade humana. As avaliações de risco para a saúde pública são ainda mais complicadas pela presença inevitável de produtos químicos não identificados e os impactos potenciais dos “efeitos da mistura” sobre a toxicidade geral de misturas químicas complexas de baixa concentração.

Resistência antimicrobiana

Outra preocupação dos pesquisadores aborda a resistência antimicrobiana — uma ameaça global à saúde pública. Pesquisas recentes mostraram que desinfetantes residuais e subprodutos de desinfecção (DBPs) podem desempenhar um papel importante na promoção de bactérias resistentes a antimicrobianos e seus determinantes genéticos, genes de resistência antimicrobiana (ARGs). Esta revisão (do estudo) resume a compreensão mais recente da ocorrência e dos mecanismos envolvidos na resistência antimicrobiana induzida por DBPs e suas implicações na difusão dos fenômenos de resistência antimicrobiana e na saúde humana no reino da água potável.

Desinfetantes e DBPs, em ambas as concentrações inibitórias (MICs) e sub-MICs acima do mínimo, podem induzir resistência antimicrobiana por meio de mutações genéticas e/ou transferência horizontal de ARGs. Mutações específicas de DBP foram identificadas em novos genes, bem como em ARGs previamente reconhecidos, e todas estavam relacionadas a mecanismos moleculares de resistência antibacteriana. Estudos individuais ou mistos de diversas classes de desinfetantes e DBPs em concentrações ambientais (geralmente em níveis sub-MIC) precisam ser realizados para confirmar os resultados relatados.

Presença de drogas de abuso na água potável

Outra revelação bombástica do estudo, aponta a presença de drogas de abuso na água potável, como cocaína e anfetaminas utilizadas por viciados e expelidas nos esgotos. O problema foi descrito pela primeira vez há cerca de 12 anos, em 2008. Os dados hoje relatam a presença delas em várias cidades da Europa, América e Ásia, mostrando que o problema é global.

Essas substâncias entram no ciclo da água por meio dos sistemas de esgoto, e as cidades onde os sistemas de tratamento de águas residuais são insuficientes podem ter níveis mais elevados de drogas ilícitas na água da torneira. As drogas ilícitas também são poluentes onipresentes nos aquíferos e representam um risco potencial para a saúde quando as pessoas bebem água contaminada durante toda a vida.

Estudos têm sido realizados para avaliar seus efeitos potenciais sobre o meio ambiente e também sobre a população, mas as informações limitadas sobre os efeitos potenciais em níveis de traços não devem ser negligenciadas. Todos os dias, novas substâncias ilícitas, algumas mesmo ativas em baixas concentrações, como os fentanilos, são sintetizadas e colocadas no mercado sem qualquer informação toxicológica, sendo agora detetáveis na água potável. Esta breve revisão apresenta a ocorrência e o risco à saúde de drogas ilícitas na água potável. Em nossa era de megacidades, os planejadores urbanos devem considerar esses aspectos no planejamento territorial.

Subprodutos da desinfecção da água potável

No estudo, acredita-se que os subprodutos da desinfecção da água potável (DBPs) tenham potenciais efeitos adversos à saúde, incluindo aumento do risco de certos tipos de câncer. A análise dessa associação é desafiadora porque os DBPs são numerosos em baixa concentração na água e a exposição varia. Os biomarcadores oferecem uma solução promissora para os problemas encontrados na avaliação das exposições e efeitos do DBP, especialmente em estudos epidemiológicos de populações humanas

Biomarcadores de exposição, efeito e suscetibilidade, conforme aplicados em estudos epidemiológicos, são analisados nesta breve revisão (do estudo).

Biomarcadores clássicos e emergentes são discutidos, o último incluindo indicadores epigenéticos, como metilação do DNA e microRNA que podem ser capazes de analisar eventos biológicos que seguem a exposição e precedem os efeitos à saúde. A revisão do estudo também oferece uma perspectiva de pesquisas futuras sobre biomarcadores, cujo principal objetivo é uma medida integrada confiável e precisa das exposições ao DBP ao longo da vida que podem ser usadas confidencialmente para prever com precisão os riscos futuros à saúde.

Provável carcinógeno humano na rede de esgotos, nos rios, lagos e mares

O provável carcinógeno humano 1,4-dioxano foi detectado pela primeira vez na água potável há mais de 40 anos, e uma análise recente sugere que quase 30 milhões de pessoas nos Estados Unidos recebem água potável com níveis de 1,4-dioxano acima do nível de saúde concentração de referência de 0,35 μg/L. A ocorrência generalizada de 1,4-dioxano expôs a necessidade de desenvolver e implementar abordagens de gestão e tratamento que protejam as fontes de água potável e evitem a exposição humana ao 1,4-dioxano através da água potável. Na revisão do estudo, os cientistas destacam os avanços recentes em métodos analíticos, compreensão da ocorrência e processos de tratamento. Os resultados são discutidos no contexto da gestão de 1,4-dioxano como um contaminante da água potável, e são feitas recomendações para abordar lacunas de conhecimento importantes.

O perigo do arsênico

O arsênico afeta centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, com a maioria das populações afetadas por arsênio vivendo no sudeste da Ásia. Relatórios recentes estimam que a população exposta ao arsênio na água em concentrações superiores ao nível de diretriz da Organização Mundial da Saúde de 10 μg/L ou superior a 50 μg/L incluiu 70-80 milhões de pessoas que vivem na Índia, 28-60 milhões em Bangladesh, 47- 60 milhões no Paquistão, cerca de 10 milhões no Vietnã, 2–5 milhões na China, mais de 3 milhões no Nepal, cerca de 3,4 milhões em Mianmar e 0,32–2,4 milhões no Camboja. A soma das populações afetadas por arsênio nessas áreas variou de 150 milhões a 240 milhões. A exposição crônica a altas concentrações de arsênico da água potável está associada ao aumento do risco de vários efeitos adversos à saúde, como câncer, doenças cardiovasculares, diabetes e efeitos neurológicos. Pesquisa contínua e ações de mitigação são necessárias para proteger a saúde pública de doenças induzidas por arsênico.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília