Pequenos agricultores produzem chocolate fino em Novo Repartimento (PA)

Fundação Solidaridad ensina as técnicas e acompanha o processo, apoiado pelo fundo JBS pela Amazônia
Os pequenos agricultores estão conduzindo todo o processo de produção, do plantio à industrialização e comercialização

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Brasília – Já está em franca produção no Assentamento Tuerê – o segundo maior da América Latina –, a produção de chocolates finos tree to bar – modelo em que os produtores são responsáveis por todas as etapas da produção da fruta. Em 2023, chegou a 1.500 famílias atendidas pela Fundação Solidaridad, com apoio do Fundo JBS pela Amazônia. Com auxílio e orientação recebidos dos profissionais, eles produzem cacau agroflorestal, também conhecido como cacau sombreado. Trata-se de um sistema que resgata a emissão de carbono – no qual a vegetação nativa, mais alta, produz sombra para o fruto, aumentando a produtividade a longo prazo.

“O governo deu essa terra para o meu pai em 1994 e foi quando decidimos plantar o cacau. Com o tempo descobrimos o sistema agroflorestal. Soubemos que ter outras plantas sombreando o cacau faz com que os insetos foquem nesses outros frutos e não danifiquem a lavoura,” declarou Francisco Cruz, 36, que cultiva e trata o cacau fino. Sua esposa, Jailiane da Silva, é a responsável pela produção e temperagem do chocolate.

Jailiane da Silva, é a responsável pela produção e temperagem do chocolate Tuerê, no Assentamento de mesmo nome em Novo Repartimento (PA)

Sua família mantém uma área de seis hectares que possibilita o plantio de 6 mil pés de cacau. Com a orientação da Fundação Solidaridad, o agricultor passou a separar a safra para a venda de cacau bulk – cacau básico – e de cacau fino.

Enquanto o cacau bulk precisa de quatro dias de fermentação antes da sua secagem, o cacau fino leva seis dias e meio para a fermentação e, então vai para a secagem – que leva, em média, sete dias. 

“Depois de produzido o cacau fino, eles vão para os chocolateiros. Mas, na verdade, nem com todo esse processo conseguimos um excelente cacau. O sonho de todo cacau é virar chocolate, mas nem sempre dá certo,” afirmou o agricultor.

Do fruto à criação da grife

Francisco Cruz vende as amêndoas de cacau fino sob encomenda. Mas grande parte do produto vai para as mãos da sua esposa, que improvisa seu ambiente de trabalho na cozinha da casa da família, dentro da fazenda de cacau.

“Eu via o Francisco vendendo as amêndoas e o pessoal ganhando prêmios pela qualidade delas mundo afora. Foi quando pensei: ‘Rapaz, isso não está certo’. A gente tem o trabalho pesado, todo o esforço e manda para fora?”, questionou.

Jailiane realizou um curso de chocomaker (fabricante de chocolate, em português) em 2022. No ano seguinte, foi a Belém para fazer uma especialização em bean to bar – voltado à produção de chocolates artesanais. Também neste ano foi quando a família teve condições de adquirir uma melanger – panela específica para fazer chocolate.

Ela iniciou a empreitada em agosto de 2023. A marca ganhou o nome de “Chocolates Tuerê” – uma referência ao local onde é produzido o chocolate tree to bar.

Numa área de seis hectares, num projeto de assentamento no qual não se sabia o que fazer em 1994, hoje produz cacau de grife no interior do Pará, a 560 km da capital do Pará, Belém. Francisco exibe o produto de seu trabalho

Já o plantio, inicialmente foi no quintal ao redor da casa do casal e foi se expandindo pelos seis hectares do lote recebido do governo.

“Para fazer chocolate, não é só você ter uma máquina. Precisa ter vontade e um local adequado. Por isso que, quando me perguntam, digo que meu chocolate pode melhorar, pois ainda não tenho esse local. Eu preciso de um espaço climatizado e com bancada,” declarou.

Outro componente – esse invisível, mas de alto valor – é o terroir que dá o sabor único das amêndoas plantadas na região. O terroir é que traz a ligação entre fatores como a terra e o espaço agronômico que engloba a produção do cacau e que no futuro é componente obrigatório para se iniciar o processo de produto por origem geográfica, como por exemplo, o selo dos produtos produzidos na Serra da Canastra, que não podem ser repetidos em outras regiões devido a limitação geográfica dessa produção. Ou o selo de origem do queijo de búfalo do Marajó.

A família tem planos de construir uma cozinha própria para as produções de chocolate fino, sobretudo quanto à temperagem – processo de aquecimento e resfriamento do chocolate, diretamente ligado à temperatura. Para isso, aguardam a liberação de um financiamento pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), oferecido pelo Banco da Amazônia.

“Quando estou produzindo chocolate, a máquina pode chegar de 60ºC a 70ºC. Quando é finalizado esse processo, chega a 40ºC. A minha pedra [de temperagem] precisa estar, no máximo, a 27ºC. Então, preciso dar o choque térmico no chocolate,” disse.

Para se produzir uma barra ao leite (50%), o choque térmico precisa deixar o chocolate na temperatura de 27ºC a 28ºC. Já um 70%, precisa estar de 29ºC a 30ºC.

Sem a estrutura adequada, a chocolateira precisa baixar a temperatura da pedra de temperagem na própria geladeira – e manter durante esse processo.

“E com um calorzão desses, como que faz? Precisa acordar cedo e dormir tarde. Assim, consigo aproveitar os horários com as temperaturas locais mais amenas,” declarou Jailane.

Apesar das dificuldades, o casal tem conseguido produzir os chocolates de cacau fino. Os produtos são vendidos, na maioria, pela própria região do Tuerê. Mas também já foram levados para Belém e Brasília.

Além das barras de chocolate, Jailane produz nibs de cacau, que são pequenos pedaços de grãos de cacau triturados. Francisco e Jailane produzem:

  • barra de 50g – R$ 10;
  • barra de 20g – R$ 5;
  • nibs de cacau – R$ 10.

“O pessoal daqui [do Tuerê] tem valorizado nosso trabalho. Porque, na verdade, a gente não vende chocolate. A gente tenta vender a nossa história. O que também ajuda é a questão de as pessoas terem uma maior conscientização do que está se consumindo,” afirmou.

Sistema agroflorestal de produção

Segundo Mariana Pereira, gerente do Programa Amazônia e de Qualidade da Fundação Solidaridad no Brasil, os sistemas agroflorestais trazem benefícios ao agricultor que podem ser percebidos “logo nos primeiros meses”.

“Esses produtores plantam culturas anuais, como milho, abóbora e feijão. Então, em poucos meses, começam a colher esses alimentos que contribuem para a segurança alimentar dessas famílias. Junto com os pés de cacau, há também as espécies nativas florestais, como cumaru, andiroba, taperebá e tatajuba,” declarou Mariana.

As plantas nativas são as responsáveis por promover o sombreamento do cacau, que auxilia em questões fitossanitárias. “O sombreamento promove uma umidade e uma temperatura mais interessante. Também evita, por exemplo, a propagação de pragas e doenças,” afirmou a especialista.

O site da fundação é informado: ‘’Implementamos processos de melhoria contínua em campo com o auxílio de ferramentas digitais e transferimos conhecimento e tecnologia ao corpo técnico de cooperativas e empresas de nossa rede para que atendam com mais eficiência seus produtores e produtoras.’’

De acordo com a Fundação Solidaridad, o Brasil, Equador e México são muito importantes para o mercado latino-americano de cacau: juntos, reúnem cerca de 321 mil produtores e produtoras e são responsáveis por 67% das amêndoas produzidas na região. Nesse contexto, a Solidaridad América Latina lança em parceria com a Nestlé estudo sobre a renda digna na cadeia produtiva dos três países. Os resultados apontam que 42% dos pequenos cacauicultores garantem rendimentos suficientes para viver dignamente. No entanto, identificou-se um grande potencial para que um número considerável deles consiga ser bem remunerado se os atores do setor promoverem um conjunto de ações.

Em números absolutos, os 42% dos pequenos produtores de cacau somam 137 mil. Em nível nacional, isso equivale a 53% do total de cacauicultores no Brasil, a 45% no Equador e a 1% no México. Vale ressaltar que os valores de referência para renda digna são frequentemente superiores aos salários mínimos nacionais. Portanto, ter 42% de agricultores chegando até ela pode ser considerado um resultado positivo.

Andrea Azevedo, diretora-executiva do Fundo pela Amazônia da JBS, afirmou que esse apoio ao pequeno produtor “impacta em diversos aspectos”. A ação integra o Programa RestaurAmazônia, que recebeu um novo aporte de R$ 25 milhões para apoiar projetos como da Fundação Solidaridad — a qual integra o programa.

“Na questão ambiental, reduz-se bastante a pressão pelo desmatamento, porque o produtor começa a produzir mais por hectare. Então ele não tem necessidade de entrar em novos espaços e a área dele volta a ser produtiva”, declarou.

A diretora também afirmou que “sob o ponto de vista socioeconômico, o produtor começa a ter uma renda melhor” ao ter acesso a novas tecnologias, além de mais “bem-estar, saúde e educação”.

“O aumento de renda desse projeto, por família, é de 30%. Então, conseguimos trabalhar em diversos aspectos, não só o econômico, mas o modelo de negócio e sua implementação é um componente que dá margem para obter outros benefícios”, disse Andrea Azevedo.

Apoio ao projeto

Os produtores atendidos pela parceria da Fundação Solidaridad e do Fundo pela Amazônia da JBS integram a indústria brasileira de cacau. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil foi reconhecido, pelo segundo ano consecutivo, como país exportador de cacau com 100% de qualidade.

A aprovação se deu por unanimidade durante painel realizado em Madagascar, na África Ocidental, em 13 e 14 de junho, pelo Conselho Internacional de Cacau.

O conselho avaliou especificidades do cacau de 29 países da América do Sul, América do Norte, África, Europa, Ásia e Oceania. De todas essas regiões, só 8 receberam a aprovação total. Para a deliberação foram considerados os seguintes critérios:

  • economia sustentável;
  • viabilidade econômica;
  • responsabilidade social em todas as fases da cadeia de produção.

Por Val-André Mutran – de Brasília