Pará é vítima de “ciclo da injustiça tarifária”, diz em audiência, diretor da Aneel

A agência reguladora do setor elétrico autorizou aumento da tarifa da conta de luz no Pará, a tornando a mais cara do Brasil
Conta de luz no Pará só cai se congressistas mudarem regras do cálculo vigente de reajuste de tarifas

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Num posicionamento dúbio, conhecido em política como “morde e assopra”, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, defendeu em audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, na quinta-feira (24), o apoio do Congresso Nacional para a redução da tarifa de energia elétrica no Estado do Pará,  hoje a mais cara do País. Num discurso confuso e, no mínimo, contraditório, o diretor destacou a necessidade de se interromper o que chamou de “ciclo da injustiça tarifária”.

Feitosa foi convidado ao colegiado para comentar sobre o recente reajuste tarifário da Equatorial Pará, que atende a 2,9 milhões de unidades consumidoras no Estado, e tentou explicar aos deputados federais, o que é “ciclo da injustiça tarifária”.

O aumento, aprovado neste mês de agosto pela Aneel, após longa discussão, teve como efeito médio para todos os consumidores paraense um aumento de 11,07%, sendo de 9,61% para os consumidores residenciais. Os percentuais foram estabelecidos no processo de revisão tarifária realizado a cada cinco anos. e contempla também outros aspectos da concessionária.

“Há necessidade de medidas estruturais. Nós precisamos do apoio do Congresso. Não conseguiremos reduzir a tarifa no Estado do Pará, não conseguiremos fazer um equilíbrio que sinalize desenvolvimento econômico, bem-estar da população e ao mesmo tempo remuneração eficiente para operadores, sem apoio”, disse o diretor da Aneel.

Durante sua apresentação, Sandoval Feitosa afirmou que os Estados do Norte e Nordeste, com menor índice de desenvolvimento humano, têm as maiores tarifas de energia. “Há um ciclo de empobrecimento tarifário que se encontra em curso. Aí se coloca mais uma vez o papel do Congresso, para que interrompamos esse ciclo, precisamos fazer isso, porque a tarifa continuará mais cara por todas as análises e isso agrava qualidade de vida e afetará o desenvolvimento econômico”, declarou.

Audiência pública na Comissão de Minas e Energia da Câmara, discutiu recente aumento abusivo da tarifa de energia elétrica do Pará. Diretor Geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, Sandoval Feitosa tal aos membros do colegiado

Subsídios

Feitosa também comentou sobre o impacto de subsídios embutidos na conta de luz. Após participação na audiência, ele defendeu que é necessário verificar que a distribuição dos custos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) seja mais justa.

A conta, composta principalmente por recursos cobrados dos consumidores, é usada para bancar subsídios para diferentes segmentos que são, em muitos casos, criados por meio de propostas legislativas. “Tem de trabalhar nela sobre a perspectiva de como melhor redistribuir o custo, mas também evitar que os custos cresçam. E também discutir receitas para a CDE”, disse, sugerindo que algumas rubricas sejam, por exemplo, transferidas para o Orçamento Geral da União.

Sinal locacional

O diretor-geral também mencionou a discussão em torno do chamado sinal locacional no Congresso. Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) aprovado na Câmara prevê suspender regras da Aneel que tratam da metodologia de cálculo das tarifas de transmissão. A alteração feita nas regras, segundo a agência reguladora, alivia a conta dos consumidores do Norte e Nordeste.

Sandoval Feitosa se referiu ao Projeto de Decreto Legislativo (PDL nº 365/2022) que susta duas resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), editadas em junho e setembro deste 2022, que tratam da definição da metodologia de cálculo das Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (Tust). O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e recebeu, no Senado, apoio do relator, senador Otto Alencar (PSD-BA).

Segundo o autor da proposta, deputado Danilo Forte (União-CE), essas medidas da Aneel resultaram na desestabilização das tarifas de uso de transmissão, com aplicação imediata e sem prazo de transição para os geradores de energia.

“Ademais, alteraram a sistemática de cálculo dessas tarifas, tornando mais cara a implantação de projetos nas regiões Norte e Nordeste e em parte do Centro-Oeste e mais barata nas regiões Sul e Sudeste, alterando a lógica de expansão da geração de energia no País”, afirmou o deputado autor do PDL, Danilo Forte.

“Na prática, essas resoluções da Aneel levarão a uma transferência de renda de geradores das regiões Norte e Nordeste para as regiões Sul e Sudeste, bem como alterarão a lógica de expansão do setor elétrico e aumentarão as tarifas de energia elétrica dos consumidores”, continuou o congressista.

Mas, por outro lado, as geradoras que ficam nessas regiões, e usam mais a rede de transmissão por estarem distantes dos grandes centros de consumo, passam a pagar mais. Esse é justamente o ponto questionado pelo deputado Danilo Forte (União-CE).

Parecer favorável em comissão do Senado

Agora, a discussão está no Senado. Em julho, o relator do PDL na Comissão de Infraestrutura (CI), senador Otto Alencar (PSD-BA), apresentou parecer favorável ao texto.

A reportagem do blog do Zé Dudu levantou que o PDL nº 365/2022, de autoria do deputado federal Danilo Forte (União-CE), que susta resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que alterou a metodologia de cálculo das tarifas de transmissão — o chamado sinal locacional — ganhou força no Senado Federal. O senador Otto Alencar (PSD-BA) publicou relatório que aponta abusos praticados pela Aneel.

O senador baiano detalhou no relatório:

• O PDL foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 09 de novembro de 2022 e remetido para apreciação do Senado Federal;

• No plenário da Comissão de Infraestrutura do Senado, foram apresentados os requerimentos de nº 743 e 744, de autoria do Senador Luiz Carlos Heinze (MDB-RS), solicitando oitiva da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e da Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI), respectivamente e

• Em 16 de março da presente sessão legislativa, a matéria foi remetida para essa comissão, e para Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), cabendo à última decisão terminativa. Não foram apresentadas emendas.

Análise

O senador, ao analisar com sua assessoria técnica a matéria, sustentou no relatório aprovado que:

Em consonância com o art. 97 e com o art. 104, inciso II, ambos do Regimento Interno do Senado Federal (RISF), compete a esta Comissão de Serviços de Infraestrutura a análise e emissão de parecer sobre as matérias que lhe forem distribuídas, como é o caso do PDL nº 365, de 2022.

A proposição foi aprovada, na forma, dentro das competências exclusivas do Congresso Nacional prevista no inciso V do art. 49 da Constituição Federal, que nos incumbe de sustar atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar.

Não se trata do mérito das normas a serem sustadas. O que a proposição pretende é se debruçar na inconstitucionalidade formal, por exorbitância do poder regulamentar. Por isso, entendemos que as resoluções normativas em epígrafe vão além do poder regulamentar delegado para as agências reguladoras.

Deputado Danilo Forte, autor do PDL nº 365/2022

De acordo com nota divulgada pelo autor do projeto, o documento do senador traz a confirmação de que “a Aneel usurpou as competências do Legislativo ao elaborar uma política pública”. Danilo Forte aponta que o intuito do PDL é evitar o aumento das desigualdades das regiões do Brasil.

A decisão de Otto Alencar foi celebrada pelo cearense. “Comemoro a grande contribuição do Senado neste debate. Reforço que continuaremos firmes no sentido de reverter uma decisão que colocaria a energia limpa, solar e eólica em risco em todo país, sobretudo no Nordeste”, disse. No âmbito das resoluções da Aneel, sobrou para os consumidores do Pará, segundo maior gerador de energia limpa para o Brasil, penalizado pela Aneel com exorbitante aumento pedido e acatado pela concessionária Equatorial Pará.

Elevação

No último dia 4 de agosto, a Aneel aprovou uma alta de 13% nas tarifas de transmissão ao consumidor, já para as empresas de geração, o aumento será de apenas 4,4%. O deputado afirma que os reajustes aplicados pela agência têm superado o índice de inflação, ainda que o país tenha iniciado uma queda na alta dos preços.

Durante a audiência pública, Sandoval Feitosa afirmou aos parlamentares que é necessário acompanhar a situação e ver, em números, que a medida é favorável para os consumidores do Norte e Nordeste. Ele ressaltou, contudo, que a agência reguladora irá se adaptar ao que for decidido pelo Poder Legislativo, uma vez que cabe à Aneel cumprir o que for definido no Congresso. “A posição da Aneel é explicar o que for demandado e acatar o que for decidido”, disse.

Audiência pública atendeu requerimento do deputado federal Júnior Ferrari (PSD-PA).

NOTA EQUATORIAL

A Equatorial Pará destaca que as revisões tarifárias são conduzidas e definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para todas as distribuidoras do setor elétrico em períodos de 4 ou 5 anos, conforme legislação vigente para o setor e os Contratos de Concessão.

Nesse sentido, a Revisão Tarifária tem por objetivo reconhecer na tarifa os investimentos feitos pela concessionária no período, assegurando a receita necessária para que o serviço seja prestado satisfazendo as condições de continuidade, eficiência e segurança da operação. Os itens relativos a distribuição respondem a cerca de 31% de uma fatura média e na revisão tarifária 2023 proporcionaram uma redução de 4,45% no efeito médio dos consumidores.

Adicionalmente, por volta de 35% de uma fatura média se destinam ao repasse de impostos e encargos setoriais aos agentes governamentais, enquanto os restantes 34% são repassados para geração de energia e transmissão.

É importante frisar que alguns fatores impactam neste cálculo e na tarifa de energia praticada em cada estado, dos quais destacamos o tamanho, a densidade demográfica, características dos consumidores e a complexidade do Pará. Por ser um estado continental, a logística e os custos para operação, manutenção e expansão da rede elétrica são muito mais altos e desafiadores que nos outros estados. Além disso, com uma densidade demográfica muito abaixo da média nacional e com cargas predominantemente residenciais, a divisão dos custos resulta em uma parcela maior para cada consumidor, quando se compara a concessões com cargas maiores e mais concentradas.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.