No terceiro dia de governo, Lula convoca reunião, desautoriza ministro; mercado segue nervoso

Declarações do ministro da Previdência derrubam Bolsa e governo perde mais de R$ 20 bilhões
É evidente, explícito no semblante de preocupação do presidente Lula, com a falta de cuidado de alguns ministros que estão aloprando em declarações estabanadas

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Brasília – Seria exagero afirmar que Carlos Lupi, herdeiro juramentado do espólio do PDT de Leonel Brizola, seja um “aloprado do PT”, mas o presidente da legenda, agora entronizado ministro da Previdência Social, falou demais, foi desautorizado publicamente pelo chefe, que em apenas três dias de governo viu acender a luz amarela, o que o obrigou a convocar, às pressas, a primeira reunião ministerial para ajustar o enredo do governo, ainda bebê de colo.

Enquanto Lupi falava pelos cotovelos, a Bolsa de Valores entendeu que o ministro mandava um recado sobre discussão interna do governo que teria a pretensão de revisar regras da Reforma da Previdência, aprovada através de uma emenda constitucional amplamente discutida na Câmara dos Deputados e no Senado Federal no primeiro ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

O tiro foi certeiro. A Bolsa despencou mais 2%, juntando a outros 3% do dia anterior, e o próprio governo, viu escorrer pelo ralo mais de R$ 20 bilhões em recursos com a queda das ações de suas principais controladas estatais.

Por lei, as empresas listadas na bolsa de valores, públicas ou privadas, são obrigadas a pagar (distribuir) dividendos e juros sobre capital de até 25% dos lucros dos balanços após os descontos legais. Como o governo é acionista majoritário em colossos como a Petrobras, Banco do Brasil, Eletrobras, Caixa Seguridade e BB Seguridade, o governo falar mal dessas empresas é o mesmo que apontar uma arma e disparar no próprio pé.

Rapidamente os bombeiros políticos foram acionados e convocados jornalistas do consórcio para amenizar o estrago bilionário que já havia sido feito para desmentir ou o que é pior, tentar explicar o que foi dito com a clareza das águas como as dos igarapés que abundam na Amazônia.

Uma jornalista da área econômica, simpática aos governos autoproclamados progressistas, escreveu nesta quarta-feira (4) em sua coluna diária que: “Se for desfazer a reforma da previdência, aumenta-se o gasto e haverá menos dinheiro para os projetos que o governo Lula tem. É impressionante como alguém que assume o cargo de ministro comete um erro básico desses, se referindo as declarações do manda-chuva do PDT e também ministro.

Em outro trecho, o artigo reproduz e interpreta a sequência de desastradas falas do ministro da Previdência Social: “Lupi também disse que é preciso reduzir a idade da aposentadoria para mulher do Nordeste porque ela vive menos. Quem vive menos? A mulher pobre do Nordeste, mas não a rica. Qualquer medida em que a questão de renda não for considerada, aumentará a desigualdade.”

Segundo a análise da colunista, “o ministro da Previdência Carlos Lupi fez uma defesa de uma tese obsoleta, equivocada e perigosa ao dizer em sua posse que a previdência não é deficitária. Isso já foi muito discutido no passado, já se provou que estava errado e é péssimo que seja ressuscitada neste momento porque causa problemas para o governo que mal começou.”

Fontes próximas aos cardeais do PT, se limitaram a dizer à reportagem do Blog que: “Você já sabe como é, ninguém terá autorização para vazar o que será discutido e quem não obedecer será identificado e (palavrão) punido”.

Reunião ministerial de emergência

Com três dias de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará um freio de arrumação em seus ministros na próxima sexta-feira (6). Após ruídos na comunicação de seus subordinados, que têm dado declarações públicas sobre iniciativas que não foram definidas pelo presidente, Lula pretende utilizar a reunião ministerial para orientar o primeiro escalão para que não dê declarações em nome do governo sem que elas sejam legitimadas pelo presidente.

Carlos Lupi não estará sozinho na reprimenda encomendada com dia e hora marcada. O ruído mais recente ocorreu ontem quando o ministro da Casa Civil, Rui Costa, desautorizou o ministro da Previdência, Carlos Lupi, ao afirmar que o governo não estuda nenhuma proposta para rever a Reforma feita na área. Lupi defendeu em sua posse uma revisão nas regras da Reforma da Previdência.

Costa garante que na sexta-feira Lula dará orientações sobre os ruídos entre os integrantes do governo.

“Não tem nenhuma reforma da previdência sendo desenhada. O presidente vai fazer uma reunião ministerial na sexta e vai ressaltar essas questões. Os ministros podem, evidente, ter opiniões pessoais, individuais, podem refletir sobre vários temas. Mas uma opinião, um projeto, uma medida só passa a ser do governo quando legitimada pelo presidente da República. Antes disso, se trata de uma opinião, uma ideia, um projeto do ministério ou do ministro”, afirmou.

Ao se dirigir a ala dos aloprados ou quase isso, o ministro da Casa Civil minimizou o episódio que, segundo ele, não tem potencial para gerar nenhuma crise. Segundo Costa, é natural que no início do governo haja esse tipo de desencontro. Ocorre que como nesses casos, Rui Costa não combinou com os russos, nesse caso, o mercado financeiro, que está precificando, dias após dias, o que se prenuncia, um desastre nos fundamentos fiscais da economia.

Costa ressaltou: “Só passa a ser uma opinião do governo na medida em que o presidente aprove. Ele vai reiterar que todos podem e devem ter opiniões pessoais, mas no momento de emitir suas opiniões deixe claro qual a opinião do governo e qual a opinião do presidente”.

E tentou minimizar os efeitos das declarações com efeito explosivo de pelo menos três ministros nos últimos dias. “(Não há) crise nenhuma. É um momento normal. Ministros tomando posse, todo mundo cheio de energia, cheio de amor para dar, o entusiasmo toma conta.”

Episódios de descompasso entre os membros do governo têm ocorrido com frequência. Antes da posse, os ministros da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, e da Defesa, José Múcio também tiveram divergência sobre como agir em relação a manifestantes que a imprensa do consórcio taxou de antidemocráticos, que acampavam diante do QG do Exército em Brasília.

Enquanto Dino defendia uma resposta mais dura, Múcio defendeu uma estratégia mais branda para evitar novos desgastes.

Outro ruído ocorreu entre o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), e o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O senador disse que o União Brasil deveria entregar ao menos 60% dos votos de seus parlamentares nas duas casas para pagar a fatura por ter obtido três ministérios. Pouco depois, o deputado José Guimarães rebateu o colega e afirmou que é preciso ter humildade e “articular muito e falar menos”.

Por excesso de empolgação ou algo ainda desconhecido, o próprio presidente Lula e o escolhido para a função de czar da economia, o ministro Fernando Haddad (Fazenda), se encarregaram, eles próprios de assombrar o mercado com declarações sinalizando que o novo governo ainda não afinou o diapasão entre responsabilidade fiscal e os gastos pretendidos com promessas de palanque. Afinal, o dinheiro não dá em nenhuma árvore. Nem nas da Amazônia.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.