Ministro Alexandre Silveira liga para acionistas da Vale pressionando para eleição de Mantega à presidência da mineradora

Reunião do Conselho de Administração, na próxima terça-feira (30), vai deliberar sobre a sucessão na mineradora
Desde o primeiro dia no governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer interferir em empresas que foram privatizadas e cujo controle acionário o governo não mais possui. Na foto, sede da Vale no Rio de Janeiro (acima), abaixo, Palácio do Planalto e ao fundo o Palácio do Congresso Nacional

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A maior produtora mundial de minério de ferro de alto teor do mundo, a mineradora Vale S/A, termina a semana com dois problemas: um de curto prazo, relacionado ao processo de sucessão no seu comando; o outro, de longo prazo, ligado à incerteza da economia chinesa, responsável por 47 % das exportações da companhia. E agora, um terceiro e crucial dilema: a interferência explícita do governo em impor o novo CEO, a ponto do ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, passar a quarta-feira (24), ligando para os membros do conselho para que votem no ex-ministro da Fazenda, Guido Matega, no lugar do atual chairman Eduardo Bartolomeo, favorito à recondução a mais um mandato no comando da empresa.

Antes de tudo, a pressão do governo não é ilegal, porém, não é recomendável, uma vez que o governo sabe que a Vale hoje tem um formato societário de uma corporation. Ou seja, tem suas ações diluídas no mercado, na qual o governo ainda é o maior acionista minoritário, mas não tem mais o poder de “dar as cartas” nos destinos da empresa, que adotou os mais rigorosos controles de gestão administrativa, com cláusula de não intromissão política nas suas decisões.

Mesmo com essas ressalvas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se conforma e quer que Guido Mantega seja eleito o novo comandante da multinacional brasileira.

Ao que sabe até agora, as conversas entre emissário de Lula e sócios privados elaboraram um arranjo no qual o economista ocuparia um assento no conselho de administração da Vale, mantendo no cargo por um período mais curto (um ano) o atual presidente Eduardo Bartolomeo. O nome da Cosan — recentemente alçada no conselho após uma aquisição bilionária de blocos de ações da Vale —, Luis Henrique Guimarães, seria alçado ao comitê executivo.

Na quarta-feira (24), o ministro Silveira estava ligando para conselheiros da Vale para dizer que Lula quer o ex-ministro no comando da empresa, o que afetou os preços das ações da mineradora e contribuiu também para derrubar os papéis da Petrobras na Bolsa de Valores (B3). Após acumularem alta de 1,77% no dia, as ações da Vale reduziram o ritmo no fim do pregão e fecharam com alta de 1,01%. A desaceleração coincidiu com a notícia das investidas do ministro de Minas e Energia, segundo analistas. Já os papéis da Petrobras caíram 0,93% (ação ordinária) e 0,76% (ação preferencial).

A operação conduzida pelo governo para tentar emplacar Mantega na presidência da companhia é considerada de alto risco no conselho de acionistas, porque a chance de o ministro ser eleito pela maioria é tratada como improvável. Isso porque o governo já não tem a influência que um dia já teve na mineradora.

Privatizada em 1997, a Vale hoje funciona como uma “corporation”, em que nenhum acionista tem mais de 10% da empresa. Os maiores são a Previ, por meio da qual o governo exerce sua influência, seguida por BlackRock —financeira norte-americana considerada a maior do mundo com gestão de ativos de US$ 8,7 trilhões em investimentos —, a japonesa Mitsui e as brasileiras Cosan e Bradespar, esta última — braço de investimentos do Banco Bradesco e a cadeira dos acionistas minoritários pulverizados. Dos 13 conselheiros, oito são independentes.

Não há dúvida, porém, tanto entre auxiliares do presidente quanto no comitê de acionistas, que o governo aumentou a pressão sobre a empresa e seus acionistas e que tem à disposição instrumentos para “apertar a Vale”, caso considere ser necessário. Citam, por exemplo, direitos minerais e de concessão de ferrovias.

Alexandre Silveira, no entanto, tem sido pressionado pelo outro lado. Deputados que militam na área de mineração já avisaram ao ministro que, caso se concretize a ação do governo na Vale, vão propor a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para expor “a interferência indevida” numa empresa privada, cujas sanções estão previstas na Lei das Estatais que Lula fez de um tudo para modificar em 2023.

A temperatura no processo de sucessão da Vale vem subindo nessa reta final. Nos corredores das torres na Faria Lima — centro financeiro do país em São Paulo — parte dos acionistas está desconfortável com a pressão cada vez mais forte que o governo tem feito na última semana. Já no imponente prédio sede da Vale, no Rio de Janeiro, a ordem é “boca fechada”, e ninguém na empresa tem autorização para comentar o assunto sucessão.

O modo petista de pressionar

Além de pressionar diretamente, o governo pode dificultar as obtenções de licenças e concessões, movimentos que interferem na vida da companhia e de seus acionistas. A preocupação desses acionistas é que a política ultrapasse os portões e entre na companhia, como já aconteceu no passado, “daí a ameaça de um bloco considerável de congressistas em ‘obstruir’ as pretensões do governo”, disse um deputado ouvido pelo Blog do Zé Dudu, especializado no tema mineração.

Por isso, a insistência de Lula por Mantega acende um sinal de alerta em uma parte do conselho de administração. Os recados que chegaram aos conselheiros é que o presidente não abre mão de ter Mantega com poder para interferir nas decisões da Vale.

De acordo com interlocutores, o presidente Lula não engoliu a demora de Eduardo Bartolomeo, presidente da Vale, para buscar uma aproximação com o atual governo. Nos últimos meses, o executivo aumentou seu trânsito nas esferas políticas, participando de reuniões com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa.

Por Val-André Mutran –de Brasília