Lula evita falar dos ataques aos Três Poderes em encontro com comandantes militares

Após críticas e acusações sem provas, o presidente tenta aproximação com os militares no Planalto
O encontro entre o presidente Lula (PT) com o ministro da Defesa e os comandantes militares busca recuperar normalidade das relações institucionais após ataques aos Três Poderes

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Brasília – Na manhã desta sexta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou da primeira reunião com seus ministros militares. Na ocasião, não falou diretamente sobre os ataques aos Três Poderes em 8 de janeiro. O tema predominante foi a intenção do governo em realizar investimentos para a modernização das Forças Armadas e também solucionar as desconfianças do atual governo de que não seja um avião o que paira no ar de Brasília. A reunião foi organizada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, expondo o completo desprestígio do ministro da Defesa, José Múcio, a quem cabe a ponte entre o governo e as Forças Armadas.

Há duas semanas, Lula tem feito declarações endereçadas às Forças Armadas. As críticas não foram bem recebidas na caserna, especialmente nos quartéis, e o Alto Comando preferiu o silêncio. Nesse clima de desconfiança mútua, o início da reunião foi marcado pela temperatura polar.

Rui Costa quebrou o gelo informando aos ministros militares que o governo pretende ampliar investimentos nas Forças Armadas, possivelmente por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs).

“Outras nações do mundo, por exemplo, nações grandes e desenvolvidas, fazem projeto de PPP para equipar suas Forças Armadas. Com isso, elas conseguem antecipar investimentos que se fossem depender apenas de recurso orçamentário anual não seriam possíveis,” afirmou o titular do gabinete da Casa Civil.

Após o encontro, Costa fez questão de negar que o anúncio de investimentos seja “um afago aos militares” ou no português mais claro, “um cala boca” para evitar uma crise maior.

Na reunião, o governo ouviu as demandas estruturais das Forças Armadas. Os militares apresentaram os levantamentos solicitados por Lula ainda em dezembro, antes da posse, quando o então presidente eleito se reuniu pela primeira vez com os representantes.

A avaliação de integrantes do governo é de que o movimento de Lula é uma forma de mostrar diálogo e fortalecimento das instituições de defesa. Para os interlocutores do Planalto, um afastamento do governo dos integrantes das Forças Armadas poderia favorecer o crescimento de um movimento “golpista” por parte dos militares que fazem oposição ao petista neste momento. Esse clima é real nas esferas mais baixas do oficialato.

Não custa lembrar a história. General não dá golpe, quem inflama e coloca pra quebrar são tenentes, capitães e majores e até coronéis, vide a vizinha Venezuela ou mesmo ao longo da história do próprio Brasil.

Ao antecipar a pauta da reunião na quarta-feira (18), Lula deu pistas de como seria a conversa. “Eu estou chamando os comandantes para conversar porque a primeira vez que conversei com eles eu disse que gostaria de discutir o fortalecimento da indústria de Defesa nesse país. Eu pedi que cada Força me apresentasse as dificuldades estruturais, para que a gente possa ter um processo de reconstrução da capacidade produtiva da Defesa deste país,” disse.

Nos cálculos dos governistas, o aceno de Lula tem como objetivo mostrar que o petista não pretende manter revanchismo com os militares. Para se contrapor às eventuais resistências, o governo pretende trabalhar para reforçar as Forças Armadas como uma instituição de Estado, importante, e que tem um papel institucional.

Morde e assopra

No estilo morde e assopra, mesmo com a estratégia de fortalecer as Forças Armadas nas questões estruturais, Lula reforçou aos comandantes durante a reunião nesta sexta, que aqueles que compactuaram com os atos de vandalismo em Brasília serão punidos. O presidente sinalizou que a intenção do governo é desvincular a instituição militar do “movimento golpista”, segundo a sua visão, e mostrar que eventuais colaboradores dos atos não representam todos os militares.

“Não importa a patente, não importa a força que ele participe. Todos que a gente descobrir que participaram dos atos serão punidos. Terão que ser afastados das suas funções e vão responder perante a lei,” exigiu o comandante em chefe das Forças Armadas, o próprio Lula.

Lula diz que Múcio fica

O óleo do tacho esquentou para o lado do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro; integrantes do núcleo duro do PT querem a sua demissão. Criticado por alas do governo depois dos episódios de vandalismo, o ministro da Defesa tem defendido que as Forças Armadas querem virar a página dos atos, apesar de, no cenário jurídico-militar, ainda haver muito caminho pela frente para punir os supostos “colaboradores”. Lula descartou a demissão de Múcio e defendeu que o seu trabalho será determinante para distensionar a relação com os militares.

“O José Múcio fui eu quem trouxe para cá e ele vai continuar sendo meu ministro porque eu confio nele. É um companheiro da minha relação histórica, tenho o mais profundo respeito por ele,” disse Lula depois dos atos de vandalismo em Brasília.

O ministro garantiu que as Forças Armadas não têm qualquer envolvimento com as manifestações e os atos de vandalismo praticados no dia 8 de janeiro em Brasília. Ele falou com a imprensa logo após a reunião com o presidente Lula e os comandantes do Exército, Aeronáutica e Marinha.

De acordo com Múcio, se ficar comprovada a participação de algum militar nos atos praticados nas sedes dos Três Poderes, a pessoa deverá responder individualmente como cidadão. O discurso vai no sentido oposto ao do presidente Lula, que afirmou em outras ocasiões que via o envolvimento direto de militares nas manifestações. A reunião teve também a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin e do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes.

Segundo o ministro, os militares estão de acordo em punir integrantes que tenham participado das depredações em Brasília.

“Os militares estão cientes e concordam que nós vamos tomar essas providências. Evidentemente que no calor da emoção a gente precisa ter cuidado para que esse julgamento, essas acusações sejam justas para que as penas sejam justas. Mas tudo será providenciado em seu tempo,” afirmou. “Está com a Justiça. Estamos atrás, ou aguardando as comprovações, para que as providências sejam, se serão, tomadas”.

Ainda de acordo com Múcio, esse assunto não foi tratado no encontro de hoje com o presidente Lula e a reunião serviu para “virar a página” e criar um ambiente de distensão entre o governo e as Forças Armadas.

“Foi por isso que nós procuramos antecipar essa reunião. [Lula] foi o presidente da República que, talvez, mais investiu nas Forças Armadas. Ele tem consciência e as Forças Armadas também, da atenção que ele deu [para a Defesa]. Ele quis renovar essa confiança. Temos que pensar para frente. A gente tem que pacificar esse país. Temos que governar”, declarou o ministro.

Desconfiança de Lula amplia lista de exonerações

Apesar do aceno aos militares com tambores e sinais de fumaça branca, Lula pretende manter o movimento de exonerar militares que ocupam cargos no governo federal. Até quinta-feira (19), a Casa Civil já havia publicado a exoneração de ao menos 140 militares que ocupavam cargos em setores como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o Gabinete Pessoal da Presidência da República e a Secretaria Especial de Administração da Presidência.

As dispensas ocorrem após Lula manifestar publicamente desconfiança em relação aos militares. Ele disse que suspeita de que houve conivência de “gente das Forças Armadas” nos ataques às sedes dos Poderes sem apresentar qualquer prova disso.

“Eu estou esperando a poeira baixar. Quero ver todas as fitas gravadas dentro da Suprema Corte, dentro do palácio. Teve muita gente conivente. Teve muita gente da PM conivente. Muita gente das Forças Armadas aqui dentro foi conivente. Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não tem porta quebrada. Ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui,” disse Lula na semana passada, durante café com jornalistas no Planalto.

Os militares que foram exonerados continuam nas Forças Armadas, mas serão realocados em outros postos. No GSI, responsável pela segurança do Planalto, a expectativa é de que civis sejam indicados para atuação no gabinete.

“Alguém achava que íamos manter os assessores do governo anterior? Não é razoável que fosse assim. O regime de governo mudou. Se mudou a filosofia, mudou o conteúdo, então tem que mudar quem está implementando isso,” justificou o ministro Rui Costa, um dos maiores desafetos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quando era governador da Bahia.

Por Val-André Mutran – de Brasília