Impacto da dívida das dez maiores recuperações judiciais do agro acende sinal amarelo no setor

Governo vai anunciar novas linhas de crédito do BNDES neste mês, para socorrer os produtores e empresas
2024 será um ano de turbulências para o agronegócio brasileiro

Continua depois da publicidade

Setor mais dinâmico e lucrativo da economia nacional, o agronegócio acendeu o sinal amarelo. Depois de anos de bonança ininterrupta, a crise chegou ao setor. Segundo especialistas, o número de pedidos de Recuperação Judicial (RJ) deve subir nos próximos meses. Os efeitos causados pelo El Niño, combinados com inflação dos insumos, queda dos preços de commodities e juros elevados persistentes, criaram um cenário adverso para as empresas, mesmo as mais capitalizadas.

As dez maiores dívidas de empresas do setor que já estão em recuperação judicial (RJ) atualmente no país somam cerca de R$ 5 bilhões, de acordo com levantamento do Diamantino Advogados Associados, especializado em direito agrário e do agronegócio, feito a pedido de um site de negócios.

Os dados foram compilados a partir de informações processuais públicas nos tribunais em que correm as ações e consideram apenas recuperações judiciais já autorizadas pela Justiça ou planos aprovados pelos credores que já estejam em andamento.

“O número de pedidos de recuperação judicial no setor deve crescer neste ano. Há uma perda de valor no mercado de commodities e, além disso, o agronegócio é cíclico e estamos em um ciclo de baixa”, afirmou o sócio do Diamantino Advogados Associados, Eduardo Diamantino.

Entre as justificativas das empresas para os pedidos de recuperação judicial estão os efeitos da pandemia, da guerra na Ucrânia e as condições climáticas, segundo a análise dos processos.

As duas maiores recuperações judiciais do agronegócio atualmente superam um passivo individual de R$ 1 bilhão cada uma, segundo o levantamento. A Sperafico Agroindustrial, do Paraná, tem uma dívida de R$ 1,07 bilhão. Já a Usina Maringá, que integra um grupo de empresas com atuação no Estado de São Paulo, acumula dívida de R$ 1,02 bilhão (confira o ranking abaixo).

Fonte: Diamantino Advogados Associados

A terceira maior dívida nesse ranking, de R$ 664,8 milhões, pertence à Elisa Agro. A empresa alegou em petição inicial que uma conjunção de fatores levou ao pedido de RJ: os impactos da covid-19, a guerra na Ucrânia que afetou o fornecimento global de insumos, a queda dos preços de commodities agrícolas e a estiagem em setembro de 2020 contribuíram para o quadro de dificuldades.

A quarta maior dívida do levantamento, da Usina Açucareira Ester, de R$ 651,7 milhões, também tem como pano de fundo os efeitos da pandemia e a guerra na Ucrânia, além de dificuldades relacionadas ao clima. O grupo secular, foi fundado em 1898, e tem a produção de açúcar e etanol como principal operação.

Na avaliação do sócio da consultoria Virtus BR Partners, Douglas Bassi, o cenário para o agronegócio estava positivo há cerca de dois anos, em razão dos altos preços de commodities como soja, milho e algodão. De lá para cá, as cotações estão mais baixas e houve restabelecimento dos níveis de estoques, ao mesmo tempo em que os custos subiram de forma significativa.

“Há dois ou três anos, muitas empresas tomaram dinheiro emprestado com juros nominais baixos, aproveitando para fazer investimentos. Em 2023, os preços das commodities caíram e os custos não recuaram na mesma proporção”, disse Bassi.

“Neste ano, o cenário está adverso e vemos os bancos mais seletivos em termos de concessão de crédito”, acrescentou o especialista em reestruturação de dívida.

Bassi ressaltou que, no geral, muitas empresas do agronegócio têm enfrentado dificuldades de capital de giro, principalmente quando há mudança abrupta de preços e consequente pressão de margens.

“Temos um cenário de estresse de estrutura de capital. Banco do governo ou agências de desenvolvimento não vão conceder empréstimos para empresas com esse tipo de problema.”

O aumento da taxa Selic implica restrição do acesso ao dinheiro seja por linhas de crédito, seja por empréstimos ou financiamentos. Dados do Banco Central apontam que entre agosto de 2020 e março de 2021, o valor da taxa ficou fixado em 2% ao ano. Desde agosto de 2022, a taxa alcançou 13,75% ao ano, e está hoje em 10,50% ao ano.

Para companhias listadas na bolsa brasileira (B3), como SLC Agrícola (SLCE3), BrasilAgro (AGRO3) e 3tentos (TTEN3), a situação está mais estável, disse Bassi. “Essas empresas podem acessar o mercado de ações ou emitir debêntures, os recursos estão mais disponíveis. Já aquelas que faturam até R$ 100 milhões, que são as mais representativas no Brasil, não têm o mesmo acesso a crédito.”

Para um dos sócios do Leite, Tosto e Barros Advogados, Rodrigo Quadrante, as recuperações judiciais no campo estão começando a aumentar. “Certamente esse movimento deve se intensificar no segundo semestre, em meio à queda da produtividade por causa do El Niño e a inflação dos insumos”, avaliou. Ele acrescentou que, no agro menos profissionalizado, a tendência deve ser ainda mais acelerada.

Em sua visão, os negócios que envolvem produtos com menor valor agregado, como grãos, devem sofrer mais. “O aumento do preço dos insumos, o El Niño e a quebra da safra vão machucar o setor.”

Crise espraiada

De usinas de etanol a diversas culturas de alimentos, o setor tem registrado avanço de recuperações judiciais. Segundo levantamento divulgado nesta semana pela Serasa Experian, a demanda por recuperação judicial de empresas de produtos e serviços que se relacionam diretamente com o agronegócio (exceto produtores rurais que atuam com perfis jurídicos) cresceu de forma significativa em 2023.

No total, foram 321 pedidos no ano passado, ante 176 requisições em 2022, um aumento de 82%. As empresas estão inseridas em segmentos como produção e revenda de insumos, agroindústrias, comércios atacadistas, serviços de apoio à agropecuária, fábricas e revendas de máquinas agrícolas, entre outros.

Ainda segundo a Serasa Experian, também houve aumento dos pedidos de RJ por parte dos produtores rurais que atuam com perfis jurídicos (PJ), de 90 (em 2022) para 116 ao longo de 2023.

Quadrante, do Leite, Tosto e Barros, explicou que, em muitos casos, a pessoa física se mistura com o empresário do agronegócio. “Nesse tipo de situação, não estamos falando de uma empresa, mas, sim, de uma pessoa física como produtor. Existem RJs de produtores rurais com dívidas extremamente elevadas.”

Bassi, da Virtus, apontou que a China está crescendo menos em um cenário global de consumo mais restrito. “Uma série de empresas do agronegócio vai continuar com dificuldades, algumas vão poder renegociar com bancos de maior porte, mas essas instituições não são soberanas em todos os casos.”

Ele disse acreditar que, em discussões com bancos menores, o desgaste será ainda maior. “É inevitável: o setor vai continuar com um número crescente de empresas que vão aderir a renegociações de dívida, seja do ponto de vista judicial ou não, pelos próximos seis meses.”

Diamantino disse que, muitas vezes, a recuperação judicial é uma medida necessária para a sobrevivência da empresa. “O cenário mostra que nem mesmo um setor forte e sólido como o agronegócio está imune a dificuldades. A recuperação judicial é um mal necessário, ninguém deseja estar nesse processo, mas muitas vezes é o único caminho possível para devedores e credores”, afirmou.

Governo prepara plano de resgate após onda de falências no agronegócio, diz Carlos Favaro, ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil

Governo prepara socorro

O governo brasileiro está preparando um pacote de resgate para agricultores inadimplentes e empresas agrícolas que enfrentam dificuldades devido à queda dos preços do milho e da soja.

O governo está trabalhando com o banco estatal Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar linhas de crédito adicionais para ajudar a refinanciar as dívidas de produtores, distribuidores de insumos agrícolas e revendedores de máquinas e combustíveis, disse Carlos Favaro, ministro da Agricultura e Pecuária do Brasil.

O plano inclui empréstimos em dólares ou em reais com um período de carência de dois anos e cinco anos para pagamento, afirmou o ministro.

“O Brasil está vivenciando um bom momento no mercado mundial”, disse Favaro. “O BNDES tem uma taxa de inadimplência muito próxima de zero, a mais baixa entre os bancos de investimento.”

Quanto ao tamanho do programa, ele disse que incluirá “tanto quanto for necessário”. Os detalhes serão anunciados neste mês, acrescentou.

O financiamento forneceria um alívio muito necessário para uma indústria que é o principal motor de crescimento econômico do Brasil.

Os agricultores do país estão entrando com pedido de recuperação judicial em uma taxa alarmante, afetando as vendas de produtos, incluindo fertilizantes e tratores, e prejudicando os investidores em fundos focados em agronegócio conhecidos como Fiagros que já somam R$ 34 bilhões.

Os preços das safras têm declinado desde meados de 2022, à medida que o excedente global de suprimentos compensa as perturbações comerciais causadas pela invasão da Ucrânia pela Rússia.

Um índice publicado pelo site Bloomberg que acompanha as principais commodities agrícolas despencou quase 16% no ano passado, a maior queda em uma década.

No Brasil, os preços caíram ainda mais, com milho e soja sendo negociados com grandes descontos em relação aos futuros em Chicago.

Favaro disse que o BNDES ainda precisa aprovar as linhas de crédito e determinar as condições para a concessão do dinheiro por meio dos bancos comerciais.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.