Força-tarefa investiga compras emergenciais em 14 Estados, no DF, e em centenas de prefeituras

Já houve prisões de quadrilha no Rio de Janeiro, no Pará, e em Rondonópolis. Desde fevereiro, a legislação brasileira permite que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia que estão sendo feitos sem a observância de alguns cuidados

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Brasília – Já está operando em todo o Brasil uma Força-Tarefa composta por Ministério Público Federal e Estaduais, Receita Estadual e Federal, Polícia Federal e Polícia Civil dos estados e Tribunal de Contas da União, que estão fazendo um pente-fino nas compras emergenciais sem licitação feitas por estados e municípios durante a pandemia causada pelo novo coronavírus.

A pandemia de covid-19 pressiona prefeitos e governadores a agir de forma rápida para assegurar a aquisição de insumos necessários ao enfrentamento da doença. Respiradores, máscaras e demais equipamentos de proteção individual entraram para a lista prioritária de compras realizadas sem licitação em função do novo coronavírus.

Desde fevereiro, a legislação brasileira permite que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia que estão sendo feitos sem a observância de alguns cuidados. Os contratos passam a ser investigados quando Ministério Público e polícia notam indícios de irregularidades, como preços muito acima da média praticados por fornecedores ou demora para entregar mercadorias. Segundo o Ministério Público Federal, que atua nas investigações quando há repasse da União, há mais de 500 procedimentos abertos de forma preliminar que podem originar processos criminais.

Em São Paulo, o Ministério Público Estadual instaurou um inquérito civil, desmembrado em cinco procedimentos, para apurar compras do governo João Doria (PSDB). A gestão fechou o maior contrato estadual até aqui: US$ 100 milhões (cerca de R$ 574 milhões) por 3 mil respiradores da China. Por enquanto, 150 unidades foram liberadas pelo governo chinês, que limita a entrega em lotes.

Em nota, o governo João Dória declarou que: “A aquisição cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública”. Na semana passada, Doria anunciou a criação de uma corregedoria para acompanhar compras relacionadas à covid-19.

No Paraná, foi criado pelo governo um comitê de crise criado para a pandemia que tem entre seus participantes o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, que instituiu um conselho de aquisições públicas em parceria com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado.

Em outros Estados, investigações apuram situações em que os produtos não foram entregues, mesmo após o pagamento integral. São os casos de Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) vai enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar se houve desvio de recursos na negociação dos respiradores. A força-tarefa cumpriu 35 mandatos de busca e apreensão em quatro Estados. A “Operação O2” (símbolo do oxigênio) investiga a compra de 200 aparelhos por R$ 33 milhões.

O governo catarinense afirma que apoia as investigações e busca reparação aos cofres públicos por meio judicial em processo conduzido pela Procuradoria-Geral do Estado. Em nota, disse ainda que instaurou sindicância interna para apurar possíveis irregularidades e afastou preventivamente servidores. O secretário de saúde, por exemplo, deixou o cargo.

No Rio, o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves e outros três suspeitos de obter vantagens em contratos emergenciais para a aquisição de respiradores foram presos na semana passada. O governo de Wilson Witzel (PSC) fechou contrato de R$ 9,9 milhões por 50 aparelhos. A investigação corre em sigilo. O governo informou que o subsecretário foi afastado e que os contratos são monitorados por auditoria permanente.

A origem do recurso empregado –– via governos federal, estaduais, municipais ou uma mescla de todos –– dificulta a fiscalização. Na Paraíba, a Operação Alquimia, da Polícia Federal, apura o desvio de verbas do Estado e da União em Aroeiras, na região de Campina Grande. A suspeita é que a prefeitura tenha usado parte dos repasses destinados à compra de insumos médicos para adquirir, por R$ 580 mil, cartilhas sobre o coronavírus oferecidas, de graça, no site do Ministério da Saúde. A prefeitura não foi localizada para comentar.

Prejuízos de Norte a Sul

A reportagem do Blog do Zé Dudu apurou que a Força-Tarefa está atuando, até agora, em 14 Estados, no Distrito Federal, e em centenas de Prefeituras. As investigações já detectaram fortes indícios da atuação de quadrilhas especializadas em fraudes de compras públicas, aproveitando-se do momento emergencial causado pela pandemia da Covid-19 e uma disputada guerra comercial de disputa por essas compras emergenciais públicas sem licitação.

Desde abril, as investigações avançam e já houve prisões de quadrilhas no Rio de Janeiro (PSC), Pará (MDB) e com fortes indícios de corrupção nos estados de: São Paulo (PSDB), Pernambuco (PSB), Ceará (PT), Maranhão (PC do B), Amapá (PDT), Roraima (PSL), Amazonas (PSC), Piauí (PT), Paraíba (PSB), Santa Catarina (PSL), Paraná (PSD), Bahia (PT) e no Distrito Federal (MDB).

Denúncias também renderam ações da PF no Amapá, onde a Operação “Virus Infectio” apontou variações de até 814% no preço de máscaras compradas pelo fundo estadual de saúde. Se a irregularidade se confirmar, o prejuízo seria de R$ 639 mil. O governo de Waldez Góes (PDT) diz que a compra ocorreu no início da pandemia, quando os preços estavam “majorados”. Após a ação da PF, Góes abriu uma conta específica dos gastos com a pandemia para facilitar a fiscalização.

Respiradores chegam quebrados e falsificados

Assim como o avanço de casos da doença, denúncias de negócios supostamente superfaturados se alastram pelo País. O nome de Prefeituras de algumas das maiores cidades do Brasil também são alvo de investigações da Força-Tarefa. Mas há situações em que a suspeita de irregularidades parte do próprio poder público. Na semana passada, a Prefeitura de Rondonópolis, terceira maior cidade de Mato Grosso, chamou a polícia após constatar que 22 respiradores comprados por R$ 4,1 milhões eram falsos.

O vendedor, que está preso, entregou monitores cardíacos em caixas “maquiadas” com adesivos e manuais dos produtos solicitados pela administração municipal.

No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) se disse surpreso ao constatar que os primeiros 152 aparelhos de um total de 400 importados da China, por R$ 50 milhões, chegaram sem condições de uso. O preço médio de uma modelo similar custa no mercado nacional e internacional em torno de R$ 20 mil, mas o preço da compra do governo do Pará foi fechado por R$ 126 mil cada unidade, ou 6.3 vezes a mais, o que acendeu o sinal vermelho das autoridades.

A PF abriu procedimento para investigar, e Barbalho conseguiu na Justiça o bloqueio dos bens da empresa contratada, além da retenção dos passaportes dos sócios até que se forneçam equipamentos em condições de funcionamento ou que se faça o ressarcimento do valor empenhado.

No fim da semana, depois que o Ministério Público fez uma visita aos hospitais, a Secretaria de Saúde admitiu as falhas. O governador do Pará disse que pediu ajuda à Embaixada da China no Brasil para resolver o problema dos respiradores.

O Pará entrou em lockdown na última sexta-feira (8), um dia depois do estado do Maranhão. Os Estados estão à beira do colapso de suas respectivas redes de Saúde: pública e privada.

Em Roraima, o secretário da Saúde foi exonerado depois de comprar e pagar, de forma antecipada, respiradores que não foram entregues. “No nosso caso, o secretário não seguiu os ritos internos. Não comunicou sobre a compra à controladoria nem a mim. Não se trata de má-fé, mas de falha administrativa”, afirmou o governador Antonio Denarium (PSL), que diz ter aberto sindicância interna para apurar o caso. As investigações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.