Energia limpa: Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, aposta no biogás

O engenheiro e administrador é sócio da eB Capital, que quer aproveitar os resíduos do agro para gerar e distribuir energia limpa
Primeira de seis plantas industriais começou a ser construída em agosto, que dará vida à Bioo, com recursos da eB Capital e sua sócia a Sebigas Cótica

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Com R$ 5 bilhões em ativos sob gestão, a eB Capital — uma gestora de ativos alternativos recém-criada —, por nomes como o engenheiro eletrônico e administrador de empresas Pedro Parente (ex-Petrobras, Serpro, BRF Foods, Grupo RBS e Bunge Brasil e cargos no 1° escalão de vários governos), Eduardo Sirotsky Melzer, Luciana Antonini Ribeiro e Marcelo Claure, apostam no aproveitamento dos resíduos do agro para gerar e distribuir energia limpa.

Em associação com a Sebigas Cótica, empresa especializada no desenvolvimento de negócios ambientais de tratamento de resíduos e geração de biogás, iniciaram a construção da primeira de três plantas industriais inciciais de um plano de seis unidades.

As obras da primeira unidade, tiveram início em 31 de agosto, no município de Triunfo, no Rio Grande do Sul, marcando o início da construção da Bioo, primeira usina de biometano, gás carbônico e fertilizantes idealizada por meio da sociedade entre as duas empresas. O evento ocorreu ao lado do Polo Petroquímico do Sul, a cerca de 30 km de Porto Alegre (RS).

O ex-ministro e considerado um dos mais competentes executivos do mundo, Pedro Parente e os sócios descreve o novo negócio: ‘’Com foco na gestão de empresas da economia real que trazem soluções para lacunas estruturais brasileiras”.

Experiência na gestão de crises e visão de longo prazo Pedro Parente tem de sobra. Depois de já ter presidido a Petrobras, ter atuado como ministro na época do famoso “apagão” e, mais recentemente, ter liderado gigantes do agronegócio como Bunge e BRF, o executivo vem atualmente se dedicando (e muito) à bioenergia, mais especificamente, ao mercado de biogás.

O agronegócio está neste leque. Além das seis fábricas planejadas para a Bioo — startup de biosoluções —, há o aporte de capital em outras 10 empresas.

Em seu escritório na Faria Lima, em São Paulo, Pedro Parente, em entrevista para um site especializado em startups, se mostrou animado com o andamento do projeto que está tirando do papel a Bioo, que prevê investimentos de R$ 600 milhões em três plantas, até o final de 2025, em sua primeira fase.

“Nossa primeira planta já está em plena construção em Triunfo, no Rio Grande do Sul, e o contrato com o BNDES, um dos financiadores, já foi assinado”, afirma o executivo.

Pedro Parente explica que no mínimo R$ 300 milhões serão obtidos via alavancagem (operação de empréstimo que gera dívida) “porque são operações de elevado interesse público, que se enquadram bem nos programas do governo”.

Prospecção do negócio e estratégia

A tese da eB Capital é baseada na oportunidade de conectar produtores de resíduos com quem precisa do biogás. Ao desenhar três mapas do Brasil, Parente mostra que os gasodutos, atualmente, estão nas áreas costeiras. Já os consumidores de GLP estão do lado oposto e espalhados pelo País.

Enquanto isso, as empresas produtoras de resíduos agroindustriais estão bastante concentradas na região Sul, Centro-Sul, chegando até Goiás e Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso. Ficaram de fora dessa prospeção inicial as colossais plantas das mineradores no Norte do país, que agora mesmo, estão investindo em plantas termoelétrica, projetos considerados superados tecnologicamente.

Pedro Parente não citou, mas já está em testes a Usina Termoelétrica Novo Tempo, em Barcarena, no Pará, cujo projeto se enquadra num modelo poluente e emissor de gases de efeito estufa.

Usina termoelétrica Novo Tempo, localizada no Pará, no baixo Tocantins, em Barcarena

“O que nós estamos desenvolvendo é uma inteligência para linkar estes pontos. Com isso, vamos disponibilizar uma energia limpa, regular, porque o resíduo industrial é regular, não é sazonal como o biogás de cana-de-açúcar, que é só durante a safra”, comparou.

O sócio da eB Capital explica que a ideia é incentivar redes de distribuição de gás para chegar até as residências, assim como ocorre em São Paulo.

“É inacreditável o potencial disso, estamos falando de três plantas agora, depois vamos lançar uma segunda etapa com mais três plantas, no mínimo”, revela Pedro Parente.

A expectativa é de que a experiência da primeira planta já crie condições para um projeto descrito por ele como “uma rede de distribuição, tendo como âncora uma grande empresa que tenha expressão nacional e que produza resíduos industriais”.

Para Pedro Parente, “o mercado de biogás já começa com o tamanho do gás GLP”, em função das questões logísticas atuais. Porém, tende a atender também as empresas que hoje usam outros combustíveis como carvão e diesel.

Um levantamento da Abiogás — Associação Brasileira do Biogás, revelou que se o potencial do agronegócio de gerar biometano for bem aproveitado, poderia substituir 40,8 bilhões de litros de diesel.

A vantagem dos resíduos

Na opinião de Pedro Parente, o biogás de resíduos industriais tem mais chance de se consolidar como fonte relevante do que o biogás de aterros e composteiras — hoje ainda a principal fonte no País.

“O problema dos aterros, assim como hidroelétricas, solar e eólica, é a necessidade de uma predeterminação de seu local. O custo de tirar e levar para outro lugar é caríssimo. Isso significa que você não pode colocar essas usinas próximas da demanda”, explica.

Por isso, ele ressalta que o projeto da eB Capital “tem uma vantagem incomparável”, já que quem vai consumir o biogás está a menos de 20km da planta de Triunfo (RS).

“A regra básica aqui é instalar essa planta num raio máximo de 150 km de onde estão os produtores do resíduo. É o custo da logística, que não é nosso, é de quem produz o resíduo.”

Com produção constante, o ano todo, outra vantagem, segundo ele, é que o preço é fixado num valor inicial e corrigido pelo IPCA, “portanto se desconecta da volatilidade de preços do petróleo”.

Nos projetos de biogás de resíduos de cana-de-açúcar, por exemplo, normalmente quem consome é a própria usina. Já no modelo da eB Capital o biogás é destinado à venda para terceiros.

A receita não vem apenas da venda do biogás. Parente diz que cerca de 50% estão relacionados ao biometano, 30% ao comércio de gás carbônico, entre 10 e 15% vem do fertilizante obtido no processo e o restante é chamado “gate fee” — algo como uma taxa, na tradução do inglês.

“Hoje esses produtores de resíduos industriais têm de pagar para um aterro ou composteira ficar com os resíduos. Dependendo do espaço de aceitação, podem estar pagando de R$ 90 a R$ 220 por tonelada. No nosso, eles nos pagam menos R$ 65 em troca de um contrato de longo prazo. Não é que a gente compre, eles nos pagam para aceitar o resíduo deles, mas a gente cobra um valor menor”, diz.

Além destas principais fontes de receita, no futuro, a eB Capital também pretende ter acesso ao mercado de carbono. “Estamos aguardando as coisas ficarem mais claras, com a regulamentação do governo. É uma receita que existe, mas que ainda não estamos considerando no nosso modelo de negócio”.

Empresas do agro

Pedro Parente disse que, no primeiro semestre de 2024, a eB Capital vai lançar um novo fundo de clima. “O nosso fundo Clima 1 encerrou com cerca de US$ 180 milhões, ou R$ 900 milhões”, disse ele. “Agora queremos lançar um fundo de clima num valor bastante superior”.

Para o novo fundo, a expectativa é captar no mínimo US$ 400 milhões (o equivalente a R$ 2 bilhões) e ter entre as investidas uma empresa do agro.

O executivo explica que o fundo Clima traz uma intersecção importante com o agro, à medida que os sócios da eB Capital acreditam que o Brasil é parte da solução para “os quatro grandes problemas do mundo hoje”.

“Quando falamos de food security (segurança alimentar) e água, isso inequivocamente atrai o agro, queremos trabalhar nisso”.

Na lista, estão segurança alimentar, crise de energia, mudanças climáticas e água, segundo ele.

Ele esclarece que “não é nosso perfil, nem o tamanho do nosso cheque buscar empresas tradicionais do agronegócio, como uma BRF ou Bunge, isso não”.

No escopo dos investimentos deste novo fundo estaria uma empresa do agro “que tenha alguma ligação forte com tecnologia, por exemplo, biotecnologia, mas não apenas isso”.

As reuniões em busca destas oportunidades já estão acontecendo de forma preliminar. Parente diz que na própria COP 28 —28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), que está prevista para acontecer no final deste ano, a partir de 30 de novembro. O evento segue até o dia 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e a expectativa, de acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas é de que mais ações concretas ocorram, em comparação com a COP 27, quando muitas negociações ficaram ainda no papel.

O plano da eB Capital pode ser mencionado, mas o fundo vai estar plenamente operacional no primeiro semestre de 2024, explicou.

Pedro Parente também adiantou o interesse da eB Capital em ter neste fundo algo relacionado ao SAF, sigla em inglês para o Combustível Sustentável de Aviação, uma das grandes promessas globais para reduzir emissões e para aquecer o mercado de biocombustíveis.

O engenheiro eletrônico e administrador de empresas Pedro Parente. Foto: Greg Beadle/ World Economic Forum

Confira outros trechos da entrevista com Pedro Parente à Agência Feed:

Hidrogênio verde:

Podemos pensar no hidrogênio verde. Usar o biogás para produzir eletricidade, para fazer eletrólise ou hidrólise para produzir hidrogênio verde. Mas esse tema ainda tem muitos desafios sob o ponto de vista de qual é o modelo de negócio, como fazer rede de distribuição disso, mas é um combustível que vai acontecer, só não sei em que prazo.”

Há certas estatísticas que dizem que hoje tem uma barreira econômica. Para produzir hidrogênio verde que seja equivalente a um barril de petróleo, teria que gastar de U$ 200 a U$ 400, o que, nessa circunstância, não tem viabilidade econômica. Mas tem muita coisa pela frente.”

O Brasil e os biocombustíveis

O etanol está aí e é cada vez mais falado. Eu tenho um carro 100% elétrico, mas acho que a solução para o Brasil ainda é o flex, sendo um País de dimensões continentais. Com o elétrico, posso andar no máximo 150km. O biodiesel e os combustíveis a partir do milho também devem avançar muito”“Realisticamente, o Brasil está avançando neste tema dos biocombustíveis. O curioso é que estamos numa combinação interessante: está avançando nos renováveis para consumo no País e esta avançando na produção de petróleo para exportação.

O Brasil se coloca numa posição extraordinária, porque a gente tem insolação em abundância, ventos em diversos locais, com intensidade apropriada e constância apropriada, exceto alguns acidentes recentes, temos água em abundância.”“O etanol está aí e é cada vez mais falado. Eu tenho um carro 100% elétrico, mas acho que a solução para o Brasil ainda é o flex.”“Tenho 70 anos de idade e as pessoas me perguntam muito sobre o Brasil. Trabalho desde os 18 de carteira assinada, trabalhava antes na empresa da família. Sempre fui interessado nos assuntos nacionais. Quando olho pra trás eu vejo que a gente sempre reclamou do País.

Ele tem os seus problemas, mas é organizado, é um País que, da sua maneira própria, não a mais eficiente, vem lidando com seus problemas, fez reforma previdência e está agora aprovando a tributária.”Parente acredita que o Brasil teve uma mudança importante no poder, que saiu do executivo para o legislativo.“Você vê o Centrão estabelecido como uma força preponderante. Se de um lado ele impede a melhor alocação de recursos, porque são alocados para interesses paroquiais, por outro lado ele não quer um pais esculhambado, se não também não consegue…

O Brasil vai ser isso. Podia ser melhor? Podia. Podia ser muito pior? Podia”.

Futuro do agro x pressões internacionais

“Em primeiro lugar, existe um fator inafastável, que é a fome. As restrições denominadas ambientais, que podem ser ambientais ou protecionistas, não terão o poder de matar a fome de ninguém. O que mata a fome é alimento, é proteína.”“Uma outra perspectiva relevante é que o agro brasileiro, seja na agricultura ou pecuária, tem que trabalhar de maneira mais inteligente. Ele tem que criar os mecanismos críveis, que sejam verificáveis por terceiras partes independentes, que demonstrem, quando é o caso – e na grande maioria é o caso –que a nossa produção é feita em áreas que não têm desmatamento”.

“O Brasil levou 500 anos para produzir 100 milhões de toneladas de grãos. Para chegar a 200 milhões foram apenas 15 anos. E para chegar nos 300 milhões, foram 8 anos. Tudo isso é resultado de aplicação de tecnologia, com tratamentos e melhorias de sementes, por exemplo, que também são coisas combatidas equivocadamente, ideologicamente.

As restrições denominadas ambientais, que podem ser ambientais ou protecionistas, não terão o poder de matar a fome de ninguém. O que mata a fome é alimento, é proteína.”“Sou conselheiro da Syngenta e estou lá porque acredito, não acredito porque estou lá. Tenho visto ciência séria e responsável em diferentes empresas.

Está no alcance do agro brasileiro criar sistemas de autoverificação, autorregulação, sistemas que permitam rastreabilidade, que sejam confiáveis, que passem no teste de uma verificação de terceiras partes com confiança internacional. Quando acontecer alguma coisa você mostra isso aos europeus. Mostra que esse trigo, esse milho, essa soja, foram produzidos a léguas de distância da Amazônia e que não houve desmatamento.

Na pecuária é o mesmo, já existem sistemas de rastreabilidade, que estão prontos. O produtor brasileiro tem que ser inteligente, assim como o governo também tem que ser. O governo tem que fazer a regulação, mas deixando espaço para a autorregulação, e o produtor tem que ir a frente disso, não tem que ir a reboque.”

Petrobras

A Petrobras tem que procurar qual modelo de negócios vai lhe permitir (no futuro) um volume de receitas, que é gigantesco, compatível com o que ela tem hoje. Para isso, ela tem que começar a trabalhar muito mais.

O problema da Petrobras são as mudanças de gestão. O plano que nós deixamos (quando presidente da empresa, entre 2016 e 2018) foi parcialmente mudado pelo presidente que sucedeu o Ivan (Monteiro), que me sucedeu, e depois foi completamente abandonado. Agora o novo presidente fala em desenvolver estas coisas. Então, o problema principal é que funciona que nem uma biruta de vento. Mudou a gestão, mudou o vento, muda tudo.

O tema da sustentabilidade, dos combustíveis renováveis, é algo que todo mundo tem que prestar atenção. Porém, no caso da Petrobras, se adiciona o fato de que ela não tem hoje nenhum negócio que possa reproduzir o volume de receita que a exploração de combustível fóssil permite. Essa tem que ser uma preocupação dos administradores da Petrobras. Se isso só vai acontecer daqui a 15, 20 anos, tem que pensar já, porque demora.”

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.