DISCURSO DE BEL MESQUITA

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Discurso pronunciado pela
Deputada BEL MESQUITA (PMDB/PA),
na Sessão de 22 de outubro de 2008.

Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,

Subo hoje a esta tribuna para falar de um tema da maior importância para todos nós, brasileiros e democratas: a necessidade de uma ampla reforma política. Gostaria de realizar um breve balanço das últimas eleições municipais, de forma que possamos refletir, de um modo mais minucioso do que tem sido realizado pela imprensa, a respeito do funcionamento de nossa democracia representativa e da necessidade de retomarmos o debate sobre da Reforma Política.

Nas últimas eleições municipais, concorri, pelo meu partido, o PMDB, à Prefeitura do Município de Parauapebas, cargo que tive a honra de exercer por dois mandatos, obtendo, neste pleito 27.247 votos, ou 40,12% dos votos válidos, mas não logrando obter a eleição, que ficou com o atual prefeito do município.

Localizado na região sudeste do Estado do Pará, esse município é hoje um dos mais importantes da região amazônica, contando com cerca de 150 mil habitantes e exibindo notável desenvolvimento econômico e social, pois sua população cresceu mais de dez vezes entre 1981 e 2004.

Tal crescimento exuberante pode ser explicado pelo fato de que sua economia em muito se beneficiou da implantação do projeto de exploração de minérios de ferro, ouro, manganês e com a construção da Estrada de Ferro Carajás, configurando-se numa região de atração de migrantes que impactou no aumento populacional, provocados pelos programas de reforma agrária e colonização, ambos implementados pelo governo federal no curso das últimas décadas.

Como muitos outros municípios médios do país, que contam com mais de 100 mil habitantes e que exibiram, nos últimos anos, notável crescimento populacional e econômico, Parauapebas possui problemas decorrentes dessas transformações sociais aceleradas, o que exige, dos administradores públicos, acurada atenção para o equacionamento de suas questões específicas, seja por meio da busca dos recursos necessários à promoção de seu desenvolvimento econômico e social ou pelo cuidado na alocação dos recursos recebidos de outras esferas, como a União e os Estados, por intermédio de inúmeros programas públicos de abrangência nacional.

Acredito, Sr. Presidente, ancorada em minha experiência pessoal na vida política do país, seja como Prefeita de Parauapebas ou Deputada Federal, que a visibilidade pessoal dos candidatos perante a opinião pública é, no contexto do financiamento privado das campanhas eleitorais vigente no país, muito mais importante do que os méritos administrativos e políticos construídos no transcurso dos mandatos eletivos.

Nesse sentido, o acesso aos recursos privados e o apoio significativo angariado entre os tradicionais financiadores das campanhas eleitorais contribui, decisivamente, para a construção de uma “imagem pública” dos candidatos, imagem essa que, muitas vezes, não corresponde à verdade dos fatos, mas que é aceita pelo eleitorado em função da avassaladora presença das técnicas de marketing utilizadas nas modernas campanhas eleitorais.

Sabemos que essas disparidades de acesso aos recursos econômicos não afetam apenas as eleições municipais, mas são intensificadas nas campanhas nacionais para Presidente da República e nas disputas para Governador, Senador e Deputado Federal, que se realizam em dimensões muito maiores do que as de um município e que, por isso, envolvem gastos com a produção da propaganda partidária na TV, viagens, elaboração de material de campanha, comícios, entre outros gastos.

A cada dois anos, com a repetição sistemática das disparidades de poder entre os candidatos, fica evidente que o financiamento privado das campanhas eleitorais deturpa, profundamente, o sentido da representação política no Brasil e o funcionamento de nossa democracia, pois os detentores de mandato eletivo que são capazes de angariar vultosas quantias oriundas do financiamento privado estarão muito mais comprometidos, no momento de sua atuação, com aqueles que custearam seus gastos do que com o cidadão que depositou nele seu voto de confiança.

Como é do conhecimento de todos, em especial, dos meus colegas parlamentares que enfrentam o problema com os gastos excessivos de suas campanhas eleitorais, a questão do financiamento público é fundamental para que possamos aperfeiçoar os procedimentos envolvidos no processo eletivo.

Para enfrentarmos esse problema estrutural de nosso sistema político, essa Casa já conta com significativa experiência, estudos e discussão acumulada a respeito do financiamento público das campanhas eleitorais.

Sei dos esforços dos meus colegas do PMDB, deputados Ibsen Pinheiro (RS) e Francisco Rossi (SP), designados pelo nosso partido para aprofundar estudos sobre a reforma e buscar o consenso junto às bancadas de outras legendas, mas é preciso acelerar esse processo.

Desde 2003, quando foi criada uma Comissão Especial para debater a questão da Reforma Política no país, inúmeros Projetos foram elaborados e debatidos na Câmara dos Deputados, sendo o PL 2.679, de 2003, a origem de várias propostas que se concentraram no financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais.

O referido Projeto, que institui o financiamento público exclusivo das campanhas, estabelece que, nos anos eleitorais, a lei orçamentária anual e seus respectivos créditos adicionais destinarão ao financiamento das campanhas eleitorais dotação de valor equivalente ao número de eleitores do país, multiplicado por R$ 7,00.

Nas eleições de 2008, segundo dados do TSE, 130 milhões de eleitores estavam aptos a votar, o que significa dizer que o financiamento público destinará, aos partidos políticos envolvidos nas campanhas eleitorais, cerca de R$ 910 milhões, a serem distribuídos de acordo com os critérios estabelecidos na própria lei eleitoral.

Segundo os critérios previstos no Projeto 2.679/03, 1% dos recursos, ou seja, R$ 9,1 milhões, seriam distribuídos de forma igualitária entre as 29 agremiações registradas no Tribunal Superior Eleitoral; 14% do total, ou R$ 127,4 milhões, seriam distribuídos entre todos os partidos com, pelo menos, um representante na Câmara dos Deputados; finalmente, 85% dos recursos, ou R$ 773,5 milhões, seriam distribuídos de forma diretamente proporcional ao número de Deputados eleitos pelos partidos nas últimas eleições para a Câmara Federal.

Dessa maneira estaríamos contemplando, de forma justa e democrática, a força relativa dos partidos políticos existentes no país, distribuindo os recursos de forma altamente vinculada ao número de seus representantes na Câmara dos Deputados, sem que deixemos de destinar, por outro lado, recursos que possibilitem às pequenas agremiações aumentarem o seu espaço de representação, de forma a conquistar maior fatia dos recursos orçamentários destinados às campanhas eleitorais.

Portanto, Sr. Presidente, acredito que, ao fazermos um balanço crítico dos resultados das últimas eleições municipais, não podemos deixar de debater o tema da Reforma Política, seja em suas dimensões vinculadas com a questão do financiamento das campanhas eleitorais como também a respeito do tema da reeleição, introduzido por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional aprovada, por conta das pressões pela continuidade da administração do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Como a possibilidade da reeleição do Presidente da República, dos Governadores de Estado e dos Prefeitos já estava prevista nas eleições de 1998, já contamos com dez anos de experiência que nos possibilitam realizar uma avaliação mais cuidadosa dos impactos desse instituto em nosso sistema político.

Parece
-nos, Sr. Presidente, que os resultados das eleições apontam para uma evidente vantagem para os detentores de mandato eletivo que disputam a reeleição. Segundo dados coletados pela Confederação Nacional dos Municípios, dos 3.357 Prefeitos que se candidataram a um novo mandato, 2.245 permanecerão no cargo, considerando-se apenas os resultados do primeiro turno, o que significa dizer que 67% dos Prefeitos que buscaram a reeleição lograram êxito em sua iniciativa.

A possibilidade da reeleição deturpa, profundamente, o princípio da igualdade entre os candidatos, norma fundamental que assegura a todos os postulantes a um cargo eletivo a manifestação pública de suas idéias e propostas para os problemas da circunscrição eleitoral – o município, o estado ou o país – onde disputa a preferência do eleitor. Em nosso entendimento, o instituto da reeleição reforça e reproduz dois traços negativos bastante significativos de nosso sistema eleitoral, a personalização das disputas políticas e a precária renovação das lideranças partidárias.

Parece-nos evidente que a prática da democracia representativa está concentrada em programas e projetos coletivos levados adiante por intermédio das agremiações partidárias, isto é, a representação política não se concentra na pessoa dos candidatos, em seus atributos pessoais, mas em um conjunto articulado de propostas que expressam as diferentes correntes ideológicas existentes na sociedade e as diversas concepções a respeito do papel do Estado na sociedade contemporânea.

Por isso, não faz sentido o argumento dos defensores da reeleição. Pois, do conceito da representação política não se segue que o mesmo candidato deva representar o partido na disputa eleitoral. Ao contrário, o fim do instituto da reeleição permitiria que novas lideranças emergissem na cena pública, ao mesmo tempo em que fortaleceria as propostas programáticas e ideológicas dos partidos e reduziria a ênfase, já consagrada em nossas campanhas eleitorais, a respeito dos atributos pessoais dos candidatos: competência, honestidade, preocupação social, entre outros.

Nesse sentido, a prática da reeleição não contribui para a educação democrática do eleitor brasileiro. Devemos centrar as campanhas eleitorais na discussão dos temas programáticos dos partidos políticos, nas diversas visões e concepções sobre nossos problemas sociais e econômicos e sobre o papel do Estado na sua solução.

Ademais, a renovação das lideranças e o fortalecimento ideológico e programático dos partidos é, também, fator de fortalecimento de nossa jovem democracia representativa, cujas vicissitudes ao longo do século passado, alternando períodos democráticos e autoritários e concentrando-se, sobremaneira, na expressão personalista de lideranças carismáticas, ilustra bem os problemas decorrentes de uma prática representativa excessivamente concentrada em pessoas, e não em propostas e programas partidários.

Sabemos também que os inúmeros abusos de poder decorrentes da utilização da máquina pública, pelos candidatos à reeleição nas campanhas eleitorais, não são fiscalizados adequadamente, tanto em função das dimensões continentais do país e da dispersão de seus 5.562 municípios, como também pelas dificuldades materiais e administrativas da Justiça Eleitoral para se fazer presente, de forma célere, no acompanhamento das disputas eleitorais em nosso país.

Com a vivência de quem está na vida pública há mais de duas décadas – e comecei a vida política bem cedo – venho a esta tribuna reafirmar a necessidade de se mudar imediatamente pelo menos quatro pontos fundamentais da legislação eleitoral brasileira:

1. O fim da reeleição para os ocupantes do Poder Executivo;

2. O estabelecimento de mandato de cinco anos para todos os cargos eletivos, ou seja, os cargos executivos ou legislativos;

3. A coincidência das eleições federais, estaduais e municipais;

4. A instituição do financiamento público de campanha.

Em síntese, Sr. Presidente, essa Casa não pode se furtar ao debate, urgente e necessário, a respeito da Reforma Política de nossos sistemas eleitoral e partidário. Já temos uma longa discussão acumulada ao longo das duas últimas legislaturas. Precisamos retomá-la, de tal modo que possamos encontrar, em comum acordo com as lideranças das diversas correntes de opinião presentes nessa Casa, o desenho institucional capaz de produzir um processo eleitoral mais justo e democrático.

Agradeço a oportunidade e solicito a divulgação nos órgãos de comunicação da Casa e na Voz do Brasil.

Muito obrigada.