Comissão recebe denúncias de prática de tortura em presídios do Pará e Ceará

Além da tortura, foram identificadas outras situações degradantes, como ausência de material de higiene, alimentos estragados, falta de água, de vestimenta e de medicamentos

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Por Val-André Mutran – de Brasília

Parlamentares da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados ouviram, em audiência pública, denúncias contra graves violações de direitos humanos nos presídios femininos do Pará e do Ceará durante intervenção da força-tarefa federal penitenciária nos dois estados.

Representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Tarsila Flores relatou que, no primeiro dia da intervenção federal no presídio feminino do Pará, em julho, as mulheres foram obrigadas a sentar nuas de cócoras, no chão molhado ou sobre formigueiros – por até quatro horas.

Tarsila disse que inspeção feita no Centro de Reeducação Feminino, no Pará, em setembro, mostra ainda a suspensão de visitas de familiares e superlotação na unidade. “As celas eram para acolher quatro pessoas e havia lotação de 15 mulheres. Isso por si só já é uma violação gravíssima de direitos,” disse.

Segundo ela, foram identificadas outras situações degradantes, como ausência de material de higiene, alimentos estragados, falta de água, de vestimenta e de medicamentos. Havia, no presídio feminino do Pará, contingente maior de agentes homens do que de agentes mulheres – situação proibida e muito comum nas prisões femininas brasileiras. Além disso, cerca 45% das presas estavam em situação provisória, sem acesso à Justiça – algumas há mais de um ano.

Violações de direitos

Tarsila Flores disse que a situação se repetiu na inspeção feita no Instituto Prisional Feminino no Ceará, em março deste ano, revelando situação semelhante à do Pará – de superlotação, com castigos coletivos e situações de violência. Entre elas, spray de pimenta em áreas íntimas de mulheres como uma prática rotineira.

Além disso, a situação das celas seria alarmante: “Muitos buracos no chão, com animais peçonhentos no chão; relatos de cobra, escorpião, com ratos passando pela cela. Muitas mulheres mordidas de ratos, porque várias tinham que dormir no chão, devido à superlotação. E a situação de alagamento das celas em função da água de esgoto é a mais grave em meu entendimento, por ser constante na vivência dessas mulheres,” disse.

Situação anterior

O diretor do Sistema Penitenciário Federal, Marcelo Stona, responsável pela força tarefa, rejeitou a ligação das mazelas nos presídios com a chegada da intervenção federal. Segundo ele, as mazelas relatadas são anteriores à intervenção e a chegada da força tarefa significa a retomada do controle do Estado nos presídios do Pará, onde antes os órgãos estatais estavam ausentes.

Conforme o diretor, nos presídios do Pará, até mesmo a distribuição da comida e dos medicamentos estava sob controle dos presidiários e talvez por isso faltassem. “Os medicamentos prescritos eram entregues a alguns internos. Estes, de posse dos medicamentos, cobravam para que os outros internos tivessem acesso ao medicamento,” apontou.

Stona afirmou que a situação hoje já está diferente no Centro de Reeducação Feminino, no Pará. O espaço teria sido revitalizado, novos colchões distribuídos, assim como medicamentos e kits de higiene pessoal. Além disso, teriam sido ofertados atendimentos médico e jurídico. O diretor do Sistema Penitenciário Federal disse ainda que o uso de spray de pimenta pelos agentes penitenciários tem embasamento legal, por ser arma de menor potencial ofensivo.

Tortura continua

A coordenadora nacional do Movimento de Mulheres Juntas, Viviane Reis, afirmou que as denúncias de tortura continuam ocorrendo e alertou que em outubro deste ano a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi proibida de entrar nos presídios do Pará sob intervenção da força tarefa.

Uma das deputadas que pediu o debate, Sâmia Bonfim (PSOL-SP) disse que as denúncias seguem chegando também por parte dos familiares de presas do Ceará. O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, deputado Helder Salomão (PT-ES), explicou que a comissão promoveu diligência no Ceará para apurar as denúncias, constatando graves violações de direitos humanos, e também produzirá um relatório sobre o tema.

O procurador regional da República, Ubiratan Cazetta, acredita que é preciso estabelecer critérios mais objetivos e claros de identificação de tortura no Brasil, a partir de padrões internacionais. Outra solução, para ele, seria a colocação de câmeras nas roupas dos agentes públicos, para filmar seus atos.

A comissão vai produzir um relatório sobre a situação dos presídios femininos

A comissão discutiu relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão que integra o Ministério da Mulher, da Família e Direitos Humanos. O relatório aponta uma série de atos de tortura em presídios sob a responsabilidade da força-tarefa de intervenção penitenciária no Pará.

Nenhum dos 17 deputados federais do Pará participou da audiência pública.

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