Brasileiro e britânico desaparecidos na Amazônia podem estar mortos

Região cercada por reservas indígenas, perto da fronteira com o Perú e Colômbia, é considerada de alto risco
Jornalista Dom Phillips, à direita, viajando com o guia, o indigenista Bruno Araújo Pereira, à esquerda. Fotografia: Gary Calton/The Observer

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Brasília – Há quatro dias desaparecidos, desde domingo (5), na região do Vale do Javari, no estado do Amazonas — numa gigantesca área quase tão vasta quanto a Irlanda e o País de Gales juntos e que abriga uma das maiores concentrações de tribos isoladas do mundo, o Exército do Brasil e a Polícia Federal (PF) ainda não tem pistas do paradeiro de Bruno Pereira, ex-servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do jornalista britânico Dom Phillips, correspondente freelancer de veículos de mídia estrangeira e radicado no Brasil. Segundo fontes da PF envolvidas nas buscas, os dois homens podem ter sido assassinados por grupos de criminosos que atuam na área.

As autoridades que investigam o desaparecimento ainda não encontraram nenhuma evidência de crime depois que os dois homens desapareceram em um canto remoto da maior floresta tropical do mundo, sem aeroporto por perto.

A dupla desembarcou em Tabatinga e foi para o Posto de Apoio em Atalaia do Norte, no Oeste do Amazonas

A cidade mais próxima de Atalaia do Norte — ponto de partida da dupla — é Tabatinga, as duas são distantes 31,9 quilômetros. Mas, eles se embrenharam na floresta em localidades, cujo trajeto, é de mais de duas horas se for feito de voadeira. Eles estavam numa voadeira com casco de alumínio, com motor de 40 HP, 70 litros de gasolina e sete tambores de 20 litros vazios, disseram testemunhas ouvidas por equipes de agentes federais.

Prisões
Na quarta-feira (8), a Polícia Militar do Amazonas prendeu um homem suspeito de ter envolvimento com o desaparecimento de Pereira e Phillips.

O suspeito foi pego em posse de drogas, uma espingarda e munições restritas para uso militar, mas não foi identificado.

No início do dia, fontes policiais disseram ter detido um homem chamado Amarildo da Costa de Oliveira por acusações semelhantes.

No entanto, o chefe da polícia do estado do Amazonas disse a repórteres que era muito cedo para vincular qualquer suspeito diretamente ao desaparecimento da dupla.

A PF não descarta, porém, a possibilidade do indigenista e do jornalista terem sido assassinados.

Eduardo Alexandre Fontes, superintendente da PF no Amazonas, afirmou que a possibilidade de que os dois tenham sido assassinados é apurada, assim como outras linhas de investigação.

A região é usada para atividades criminosas, como o narcotráfico, já que está na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, além de mineração, caça e pesca ilegais

Fontes destacou que a região é usada para atividades criminosas, como o narcotráfico, já que está na fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia, além de mineração, caça e pesca ilegais.

Foto divulgada pelo Comando Militar da Amazônia mostra buscas pelo indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips

Em entrevista coletiva do comitê de crise criado para a situação, foram divulgadas imagens das buscas, que estão sendo feitas por via aérea e pelos rios da área. No total, 250 homens estão envolvidos na procura, além de duas aeronaves, três drones, 16 barcos e 20 viaturas.

Segundo a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Pereira e Phillips teriam visitado uma base da Funai em Lago do Jaburu, onde o jornalista fez algumas entrevistas com alguns indígenas no sábado (4) para um livro que estava escrevendo sobre a Amazônia.

Na manhã de domingo, os dois iniciaram o retorno para a cidade de Atalaia do Norte; eles teriam combinado uma visita prévia à comunidade São Rafael, onde Pereira se reuniria com um pescador apelidado de ‘Churrasco’, para consolidar trabalho conjunto entre indigenistas e a comunidade.

Uma das equipes de buscas, militares do Exército estão utilizando voadeiras do destacamento da região 

Eles chegaram no local por volta das 6h da manhã, onde falaram com a esposa de ‘Churrasco’, já que o mesmo não estava lá, e, logo em seguida, continuaram o caminho rumo a Atalaia do Norte, onde deveriam ter chegado por volta das oito ou nove horas. Não houve mais contato com o brasileiro e o britânico desde então.

Pereira, que é membro da Unijava, havia recebido ameaças de morte por seu trabalho em defesa dos indígenas e contra as atividades ilegais na área.

Alto risco
O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier, disse na noite de quarta, que Bruno Pereira e Dom Phillips erraram ao não comunicar os órgãos de segurança sobre a viagem ao Vale do Javari e não pedir autorização à Funai para acessar o local. As declarações foram dadas ao programa jornalístico oficial Voz do Brasil, transmitido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Bruno Pereira estaria licenciado ou de férias, o que não pode ser confirmado pelo Blog do Zé Dudu de forma independente. Entretanto, o servidor da Funai era experiente, sabia dos riscos de não comunicar sua chefia sobre a incursão na área, descumpriu rígidos protocolos do órgão e expos um estrangeiro ao mesmo risco, uma vez que estava sofrendo ameaças de morte de grupos de pescadores ilegais que atuam na área.

“Esta não foi uma missão comunicada à Funai. A Funai não emitiu nenhuma permissão para ingresso. É importante que as pessoas entendam que quando se vai entrar numa área dessas, existe todo um procedimento”, disse Xavier, que é delegado da Polícia Federal. Segundo ele, é “muito complicado quando duas pessoas apenas decidem entrar na terra indígena sem nenhuma comunicação aos órgãos de segurança e à Funai”.

O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips estão desaparecidos desde domingo, 5. Foto: Daniel Marenco/O Globo e Dom Phillips/Reprodução/Twitter

Xavier disse ainda que a Funai está participando das buscas na região — há cerca de 15 servidores do órgão envolvidos nas buscas, segundo ele. Bruno Pereira é servidor da Funai, mas estava licenciado do órgão desde janeiro de 2020, quando passou a trabalhar para uma entidade fundada pelos indígenas do Vale do Javari, a Univaja. Ele deixou a Funai por avaliar que não teria mais condições de trabalhar no órgão após ser exonerado do posto de coordenador de Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), segundo ex-colegas.

Mais cedo, Xavier já havia criticado Pereira e Phillips em uma outra entrevista, à rádio Jovem Pan. “O problema é que, infelizmente, as pessoas sabem do risco e insistem em ir lá sabendo desses riscos. À Funai, agora, o que cabe fazer é atuar efetivamente para tentar localizar essas pessoas e colocar bem claro às pessoas que pretendem ir nas áreas de indígenas isolados, que façam o procedimento correto que é pedir a autorização para a Funai e não se coloquem em risco”, disse ele.

Segundo a entidade Indigenistas Associados (INA), que reúne servidores da Funai, as declarações de Marcelo Xavier são “equivocadas”, uma vez que a dupla não chegou a entrar na área do Vale do Javari demarcado como terra indígena, portanto, não seria necessário pedir autorização alguma. “Não é verdade que Bruno e Dom tenham sido descuidados com solicitação de autorização de ingresso em terra indígena. Simplesmente, porque não ingressaram em terra indígena. A expedição realizada transcorreu nas imediações, mas não no interior da Terra Indígena Vale do Javari”, disse a entidade, em nota.

As buscas prosseguem nesta quinta-feira (9) em busca de pistas sobre o paradeiro da dupla.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.