Apagão tecnológico: pessoas e negócios cada vez mais dependentes das Redes Sociais

Adesão cada vez maior ao mundo digital amplia dependência poder das Big Techs
Em nota, o Facebook disse que o problema que ocorreu foi um erro de configuração interno em seus servidores

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Brasília – Após cinco horas de interrupção de seus serviços na segunda-feira (4), o Facebook e outros aplicativos sob seu guarda-chuva, Instagram e WhatsApp, Facebook Messenger e Oculus — a maior das redes sociais em operação “parou o mundo” gerando perplexidade, preocupação e a inevitável reflexão: qual o nível de dependência pessoas e negócios têm em suas relações com as Big Techs? Durante o “apagão”, o mundo experimentou o gostinho da vida sem o Facebook e seus aplicativos. As big techs são há muito mais do que ferramentas úteis para bate-papo e compartilhar a reunião do churrasco após o futebol entre amigos no final de semana.

A interrupção causou pânico na vida digital de proprietários de pequenas empresas, políticos, trabalhadores humanitários, afetou a cotação das ações negociadas em Bolsas de Valores dos cinco Continentes dentre outras consequências. Mas, para alguns, foi um alívio bem-vindo.

Uma mulher verificando sua conta no Instagram em Nova York na segunda-feira

Pessoas em muitos lugares descobriram que o Facebook e seus aplicativos abriram caminho em quase todas as facetas da existência e a interdependência tecnológica é ainda mais grave quando usuários vinculam os dados de seu login do Facebook para acessar outros serviços. Com o apagão de ontem, o que se viu foi um “efeito dominó” registrado pelo site downdetector.com que monitora o tráfego e a atividade dos maiores sites da Internet. Com a negativa de acesso em razão da indisponibilidade dos servidores do Facebook estarem “off-line”, outros aplicativos associados a ele também ficaram indisponíveis, e o leigo que não sabe das consequências dessa vinculação “cai na armadilha” tecnológica e fica sem acessar os outros aplicativos vinculados à conta do Facebook.

O que aconteceu?

Na noite da segunda-feira (4), o Facebook divulgou que o apagão global em suas redes, foi causado por um erro ocorrido durante uma mudança em suas configurações, confirmando que a falha foi consequência de um problema interno, não de um ataque hacker.

“Nossos serviços voltaram ao ar e estamos trabalhando para retomar as atividades regulares. Queremos esclarecer que, desta vez, acreditamos que a causa da queda foi uma mudança de configuração”, afirmou a empresa em nota.

De acordo com o Facebook, a falha ocorreu durante uma mudança numa estrutura que coordena o tráfego entre seus centros de dados, o que gerou um efeito cascata que interrompeu a comunicação e fez com que outros centros fossem afetados, causando o apagão.

Pandemônio em plena pandemia

No México, os políticos foram isolados de seus eleitores. No Brasil, as farmácias deixaram de receber receita médica. E na Colômbia, uma organização sem fins lucrativos que usa o WhatsApp para conectar vítimas de violência de gênero a serviços de salvamento encontrou seu trabalho prejudicado.

“Como temos uma equipe de campo, fomos capazes de mitigar alguns dos riscos mais sérios de interrupção apresentada hoje”, disse Alex Berryhill, diretor de operações digitais do grupo, Cosas de Mujeres. “Mas esse pode não ter sido o caso de centenas de outras linhas diretas em todo o mundo. Hoje foi um grande lembrete: as tecnologias são ferramentas, não soluções.”

A interrupção do Facebook na segunda-feira foi uma demonstração em escala planetária de como os serviços da empresa se tornaram essenciais para a vida diária. Há muito tempo que Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger são mais do que ferramentas úteis para bater papo e compartilhar fotos. São plataformas críticas para fazer negócios, providenciar cuidados médicos, dar aulas virtuais, realizar campanhas políticas, responder a emergências e muito, muito mais.

O desconforto em torno de uma única empresa mediando tantas atividades humanas motiva grande parte do escrutínio em torno do Facebook.

Frances Haugen, a denunciante do Facebook, revelou sua identidade no domingo e deu uma entrevista ao “60 Minutes”. Crédito: Robert Fortunato para CBS News/60MINUTES

Monopolista

Nos Estados Unidos, a Federal Trade Commission entrou com uma ação antitruste contra a empresa, acusando-a de ser um monopolista que adquiriu o Instagram e o WhatsApp para garantir seu domínio. O Facebook está sob ataque há semanas depois que uma denunciante, Frances Haugen, compartilhou documentos internos indicando, entre outras coisas, que a empresa sabia que o Instagram estava piorando os problemas de imagem corporal dos adolescentes e que tinha um sistema judiciário de dois níveis.

As revelações geraram críticas de reguladores e do público. Nesta terça-feira (5), o Congresso norte americano está programado para ouvir o depoimento da Sra. Haugen sobre o impacto do Facebook sobre os usuários jovens.

Muitas das críticas recentes ao Facebook têm se concentrado nas decisões que os líderes da empresa tomam — ou deixam de tomar — sobre governar, administrar e ganhar dinheiro com suas plataformas. Mas outra consequência do tamanho do Facebook é que muito mais pessoas são afetadas quando há lapsos técnicos como os que a empresa diz ter sido responsáveis ​​pela interrupção de segunda-feira.

Em Bruxelas, onde fica a União Europeia, onde muitos funcionários do governo usam o WhatsApp para se comunicar e compartilhar informações, a interrupção levou a uma nova rodada de pedidos por mais supervisão das maiores plataformas de tecnologia.

“No espaço digital global, todos podem experimentar um desligamento”, disse Thierry Breton, o comissário europeu que redigiu as novas regulamentações de tecnologia, no Twitter. “Os europeus merecem uma melhor resiliência digital por meio de regulamentação, concorrência leal, conectividade mais forte e segurança cibernética.”

Em todo o mundo, 2,76 bilhões de pessoas em média usaram pelo menos um produto do Facebook por dia em junho, de acordo com estatísticas da empresa. O WhatsApp, que o Facebook comprou em 2014, foi baixado quase seis bilhões de vezes desde o início daquele ano, de acordo com estimativas da empresa de dados Sensor Tower.

A Índia foi responsável por cerca de um quarto dessas instalações, enquanto outro quarto foi na América Latina, de acordo com a Sensor Tower. Apenas 4%, ou 238 milhões de downloads, foram nos Estados Unidos.

Na América Latina, os aplicativos do Facebook podem ser literalmente linhas de vida em lugares rurais onde o serviço de telefonia celular ainda não chegou, mas a internet está disponível, e em comunidades pobres onde as pessoas não podem pagar os dados móveis, mas podem encontrar uma conexão gratuita à internet.

Cosas de Mujeres, a organização sem fins lucrativos na Colômbia, tem centenas de interações todos os meses com mulheres colombianas e mulheres migrantes venezuelanas que enfrentam violência doméstica e emocional ou estão em risco de tráfico ou exploração sexual, disse Berryhill, diretora de operações digitais da organização.

“O WhatsApp é uma ferramenta muito importante para o nosso serviço”, disse ela. “Normalmente temos operadoras de telefonia recebendo mensagens de mulheres o dia todo via WhatsApp, mas isso não era possível e as mulheres não podiam entrar em contato conosco”.

María Elena Divas, uma migrante venezuelana de 51 anos em Bogotá, Colômbia, usa o WhatsApp para anotar pedidos de lanches como empanadas.

“Não vendi nada hoje”, disse Divas. “Foi um dia difícil para todos como eu.”

Em outro lugar, as pessoas disseram que o desaparecimento dos aplicativos do Facebook atrapalhou seu trabalho de algumas maneiras, mas também removeu uma fonte de distração e ruído, fazendo com que se sentissem melhor e mais produtivos.

James Chambers entrou em pânico no início por causa da Chez Angela, a padaria canadense que ele e sua esposa tinham em Brandon, Manitoba. Eles geralmente postam de quatro a cinco vezes por dia no Facebook e Instagram para atrair clientes para a loja. Em uma comunidade de 45.000 pessoas, a padaria possui cerca de 14.000 seguidores nas duas plataformas.

“O Facebook está fora do ar, mas nossos fornos estão quentes”, escreveram eles na conta do Twitter da padaria, com um vídeo de 12 segundos que mostrava doces dourados enquanto o hit de dança lenta de Foreigner “I Want to Know What Love Is” tocava no fundo.

Mas a segunda-feira sugeriu a Chambers que a promoção do Facebook pode não ser tão importante.

“Com o passar do dia, na verdade encontramos mais pessoas chegando e dizendo que era bom estar desconectado”, disse ele. “Foi o dia mais produtivo em muito tempo e fechamos o dia 30% acima de nossa venda normal de segunda-feira.”

A Drogasmil, uma rede de farmácias no Brasil, agora recebe muitos de seus pedidos de receita via WhatsApp, disse Rafael Silva, farmacêutico da Rede no Rio de Janeiro.

Na segunda-feira, não havia nenhum, disse Silva atrás do balcão naquela noite. Mas como ele e seus colegas também não conseguiram bater um papo no WhatsApp, o dia pareceu “mais sereno”, disse ele.

Por hábito, Lorran Barbosa, 25, caixa da farmácia, deu por si atualizando várias vezes o WhatsApp na segunda-feira. Mesmo assim, disse ele, ele também achou o dia mais pacífico e produtivo.

“Acho que mostra que podemos viver sem tecnologia”, disse ele. “Hoje, talvez nem tanto. Mas temos que lembrar que não se trata apenas de tecnologia.”

No Brasil, pesquisas mostram que o WhatsApp está instalado em quase todos os smartphones do país e que a maioria dos brasileiros com telefone verifica o aplicativo pelo menos uma vez por hora.

No “zap”, como é conhecido o WhatsApp no ​​Brasil, restaurantes atendem pedidos, supermercados coordenam entregas e médicos, cabeleireiros e faxineiras marcam consultas. Durante a pandemia, o aplicativo se tornou uma ferramenta crucial para professores orientarem alunos em áreas remotas do país. Também foi fundamental para a disseminação da desinformação.

Em toda a América Latina, fornecedores na vasta economia informal contam com as plataformas do Facebook para comercializar seus produtos. Suas contas pessoais no WhatsApp geralmente funcionam como linhas diretas para o cliente.

Elizabeth Mustillo, uma fabricante de bolos na Cidade do México, disse que a coisa mais estranha aconteceu na segunda-feira: seu telefone começou a tocar com pedidos. Ela foi forçada a falar, não enviar mensagens de texto, com seus clientes.

“É uma loucura”, disse a Sra. Mustillo. “Ninguém liga mais.”

Uma década atrás, os clientes vinham à loja da Sra. Mustillo com um desenho ou um recorte de uma revista com o design que desejavam para um bolo. Hoje, ela raramente encontra seus clientes. Eles enviam fotos de designs de bolos pelo WhatsApp. Eles transferem dinheiro por meio de um aplicativo bancário. E quando seu trabalho termina, ela pede um Uber para entregar o produto acabado.

“A maioria dos meus clientes nem tem mais uma conta de e-mail, a menos que estejam trabalhando em uma empresa”, disse a Sra. Mustillo. “Agora é tudo WhatsApp.”

No México, muitos jornais de cidades pequenas não podem pagar as edições impressas, então eles publicam no Facebook. Isso deixou os governos locais sem uma saída física para fazer anúncios importantes, então eles também aderiram ao Facebook, disse Adrían Pascoe, um consultor político.

Um município para o qual Pascoe está consultando não conseguiu lançar seus novos serviços na segunda-feira porque o site estava fora do ar. Em vez disso, o anúncio será feito na quarta-feira, disse ele, embora a segunda-feira seja ideal para o tráfego do Facebook.

“O Facebook se tornou a forma mais poderosa de comunicação”, disse Pascoe. “É para onde você vai quando quer as massas.”

As duas empresas de León David Pérez, incluindo a Polimatía, que oferece cursos de e-learning, contam com o Facebook e o Instagram para comercializar seus produtos aos clientes. O departamento de atendimento ao cliente é executado no WhatsApp.

“A forma como as empresas funcionam tem sido uma mudança louca nos últimos 20 anos”, disse David. “Na época, não tínhamos comunidade online. Agora estamos hiperconectados, mas contamos com algumas empresas de tecnologia para tudo. Quando o WhatsApp ou o Facebook estão fora do ar, todos nós caímos.”

Com informações do The New York Times, The Times, Downdetector e Sensor Tower.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.