“ A matriz da corrupção está na própria sociedade. Parte do próprio povo. “

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Texto originalmente publicado no site saoraimundo.com, da cidade de São Raimundo Nonato –PI, enviado pelo amigo Dr. Hipólito Reis, mostra a visão do filósofo e escritor piauiense Marcos Damasceno sobre a política nacional. Confira:
ReproduçãoAlém de escritor, Marcos Damasceno é filósofo. Possui doutorado em Filosofia Política, defendendo a tese “A participação política como uma missão nobre do cidadão”, onde teve orientação de FHC. Também já ocupou cargos políticos no âmbito municipal e estadual. Atualmente é presidente do PPS municipal de Dom Inocêncio-PI. Concorreu ao cargo de prefeito municipal em 2008 e a vereador em 2012. Membro colaborador de instituições político-partidárias estaduais e nacionais.

SAORAIMUNDO.COM: Qual a finalidade da política?

O termo “política” tem origem na Grécia Antiga, em que os gregos se organizavam em cidades-estado (chamadas de “polis”). É derivada – a expressão “polis”- das palavras gregas “politiké” (política em geral) e “politikós” (dos cidadãos), que se estenderam para a palavra em latim “politicus”, até a leitura europeia com o francês “politique” (ciência do governo dos Estados). Política é a atividade de exercer o poder público, de governar ou participar, ocupar-se dos assuntos públicos em geral.
Historicamente, em regra, a política foi vista como uma coisa ruim, pela opinião pública; como uma atividade nociva, corrupta e corruptora; como um ofício indigno para ser exercido por uma pessoa séria e responsável. Isso provocou um descrédito popular, uma imagem negativa da política. O fato, é que existe muita demagogia nisso tudo.

SR –  Como o senhor analisa a cultura política no Brasil?

Não quero aqui ser o dono da verdade. Quero externar a minha constatação e o meu ponto de vista. Serei bem lúcido. A matriz da corrupção está na própria sociedade. A corrupção parte do próprio povo. Não estou sendo radical, e sim verdadeiro. É conhecimento de causa. Muitos não irão concordar comigo. Daí começa a hipocrisia moral, a culpa é sempre dos outros. Mas é a definição realística da cultura política, a verdade nua e crua de quem vive a prática da política.
No Brasil a realidade é uma só. Existem pessoas decentes e honradas, que sabem votar consciente e com pensamento cívico e coletivo. Mas… A maioria é irresponsável e egoísta. Pensa somente em interesses particulares. Além de imediatista, pensa pequeno e em coisas imediatas. Notadamente, em favores e dinheiro. Veja o que disse Luís Fernando Veríssimo: “Brasil: esse estranho país de corruptos sem corruptores”. E Rui Barbosa: “No Brasil existem muitos eleitores corruptos exigindo políticos sérios e honestos”.

SR –  Qual a sua análise sobre o processo de escolha eleitoral?

Em regra, ocorre uma visão patrimonialista por parte do povo. E uma democracia monetária. No Brasil quando não é 8, é 80. Saímos de uma ditadura e fomos para um excesso de democracia. Temos, em regra, um sistema cultural moralmente falido. Basta uma análise do comportamento do povo. Muita gente se comporta de tal maneira; mas a culpa sempre é dos outros. De maneira, que os políticos ruins geralmente são os que ganham. Conheço um senhor (não vem ao caso o nome), ganhador de várias eleições, que foi questionado sobre a receita pra ganhar eleição. Ele disse, sem cerimônia: “Enquanto eu tiver dinheiro e existir gente sem vergonha, eu não perco uma eleição”.

Nas escolhas eleitorais ocorre muita inconsciência e inconsequência. E a minoria administra a maioria, pois a minoria sempre é mais organizada. Vejo isso tudo como uma consequência de uma causa central: a má educação cívica de boa parte da sociedade brasileira. A política representa as qualidades e os defeitos da sociedade. Tenho a convicção de que se existe um político que compra o mandato, é porque existe um eleitor disposto a vender o voto; se existe um corrupto é porque existe também um corruptor. A representação é o espelho dos representados. No julgamento de Jesus Cristo por Pilatos, o povo foi consultado: “Jesus ou Barrabás (o bandido)?” O povo escolheu Barrabás para ser absolvido e Jesus Cristo para ser condenado. É a escolha do povo.

SR – Como fica, então, a relação político e eleitor?

Aí chegamos num ponto crucial e acusador. O povo, na sua maioria, não tem autoridade moral para reclamar da situação; toda escolha parte dele. Surgem os criminosos da política: quem vende o voto não tem autoridade moral para reclamar depois, e quem compra o voto quer se livrar da responsabilidade de servir. Cria-se uma relação de falsidade e desrespeito. Falso moralismo não resolve. Temos de fazer mea culpa e rever os hábitos. Escolher bem é além de um direito, é um dever. Muita gente escolhe pelo bolso; não acredita em administração pública, mas somente no dinheiro. Com isso, deixa de ser gente para ser mercadoria. E os eleitores bons, bem-intencionados – que votaram dignamente – são os que sofrem e pagam caro, numa gestão pública ruim.

SR – Qual o partido político mais corrupto?

Não seria aqui irresponsável e injusto, muito menos ingênuo, de apontar o dedo para algum partido político. Em todos eles existem pessoas boas e ruins. E os partidos são constituídos por pessoas.

SR – Chegará um dia em que os cidadãos de bem não irão querer jamais representar o povo?

Talvez não segue a esse ponto. Muitos não saem por causa da vaidade ou por virar uma questão de honra. Mas é desestimulante. A vida de um político vira um livro aberto. E nessa abertura sua vida fica exposta a tudo. E isso é mais preocupante ainda, pois a falta de interesse do cidadão (de bem) pela política é que deixa o espaço vago para ser ocupado pelos mal-intencionados. E tal situação faz com que se acumulem sentimentos negativos a respeito da política – suas decisões e resultados. Petrônio Portela certa vez foi questionado por que um homem de bem entra para a política, e disse uma frase célebre: “Ninguém muda nada de fora”.

E faz ressurgirem as palavras de Martin Luther king:“O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”.Os bons têm que participar, se envolver, assumir responsabilidade e mudar o curso da história da política. Se assim não fizerem, estarão entregando as decisões políticas para os maus, os mal-intencionados. É preciso a participação dos bons, e que, cada vez mais seja ampliada essa participação. Vamos pensar na coletividade, pois é a melhor maneira de pensar em si. Precisa-se fazer política.

SR – O sistema político-eleitoral está expulsando os bons? É isso?

Exatamente. Jesualdo Cavalcanti certa vez disse-me: “A política geralmente praticada é, por vezes, demolidora de reputações. Pois tende a nivelar os políticos por baixo, isto é, colocar no mesmo nível os bons e os maus, para a satisfação dos portadores de baixos instintos”.

Ser candidato é um ato de cidadania. A política é uma missão nobre do cidadão. É a arte e a essência do bem comum, da coisa coletiva. Política é nosso dia a dia. Ressalto aqui as palavras do ex-presidente FHC, no seu livro ‘Cartas a um jovem político: para construir um país melhor’: “Política não é apenas ideal, é caminho para se aproximar do ideal. Por mais desmoralizada que seja atualmente a atividade política, alguém tem que se ocupar da tarefa de governar (…). E se os melhores não cuidarem disso, a atividade política fica nas mãos dos piores, ou dos medíocres… O que fazemos e deixamos de fazer na política faz toda a diferença. Isso vai afetar a sua vida, a vida da sua família, o seu futuro. Todo mundo precisa prestar muita atenção, porque vai sofrer os efeitos da política…”.

Como diz um radialista amigo meu: “Sendo um cidadão você não irá consertar o mundo. Mas terá um canalha a menos”. Cada vez mais reforça a nossa verdadeira função – informar e transformar. Esta visão ética sociopolítica não é utopia. Ela já existe por parte de muita gente. Precisa, no entanto, que seja propagada cada vez mais.

SR – Quais foram as ações de sucesso que ocorreram no processo eleitoral? E as que precisam ocorrer?

As que ocorreram:

I – A Revolução de 30, que derrubou a “Política do Café com Leite”. Meu bisavô João Damasceno participou dela, pois entendia ser necessária a integração político-administrativa nacional. Vivíamos excluídos do processo decisório nacional. Somente São Paulo e Minas Gerais escolhiam o presidente da República. E por aí vai…
II- O direito ao voto por parte de classes sociais. Devemos lembrar-nos deque as mulheres e classes desfavorecidas socialmente não votavam.
III- Depois foi a Constituição de 1988, com significativas reformas. Destaco a criação do Ministério Público e a expansão e o fortalecimento da mídia.
IV- E uma notável conquista eleitoral: a urna eletrônica. Melhorou no quesito segurança. Não corremos mais o risco de termos eleições fraudadas. Também a apuração é rápida.

As que precisam ocorrer.

I- Punição para o eleitor que vender o voto. Tem eleitor que só vota vendido. A Legislação Eleitoral prever punição, mas não temos conhecimento de casos dessa natureza. A punição só existe para o candidato.
II- Proibir as carreatas. Elas forçam a existência ao caixa dois, como influência do poder econômico. Não cumprem a Legislação Eleitoral (menores pilotam moto e dirigem carro, pessoas sem habilitação conduzem veículos e motos, algumas até bêbadas…). Causa transtorno à segurança pública, pois 4 policias (que é a realidade da maioria dos municípios piauienses) jamais irão controlar uma multidão agitada e violenta.
III- Carro de som. Perturba aos idosos, às crianças e à sociedade em geral. O barulho atrapalha o comércio nas cidades, notadamente nos dias de feira.
IV- Dentre outras.

SR – Como o senhor ver o papel da Justiça Eleitoral?

Zé Benedito, humorista piauiense e crítico literário, diz: “A Justiça é uma serpente. Mas só morde os descalços”. Existe um ditado popular que diz que ‘quem tem direito fala como rei’. Serei indiscreto aqui, mas externarei minha indignação como cidadão que sou. A justiça dos homens muitas vezes é cara, morosa, subjetiva (ficamos sem entender as regras), muitas vezes arrogante, pouco transparente e na maioria das vezes inoperante. Em regra, age bem e com força – mas pra cima dos fracos. Pouco se vê, na história do Brasil, os “tubarões” serem punidos; e quando a investida ocorre, entra uma articulação forte e fica só em lengalenga. O caso é esquecido com o tempo. E como a memória de muita gente é curta, os mesmos voltam com a cara lavada depois de uns tempos e chegam a ganhar novas eleições.

Alguns juízes fazem a coisa acontecer. Vemos muitos casos pelo Brasil. Trabalham muito e exercem o cargo com honradez e alento. E muitos quadros do Ministério Público. São personalidades republicanas.

SR – Uma mensagem otimista e de esperança.

Apesar de tudo, temos que reagir participando do processo, em nome de valores que dignifiquem o ser humano e aperfeiçoem a democracia.Ninguém derrota o bem, Deus sempre prepara a vitória do bem. Não precisamos correr demais, basta que não fiquemos parados.

Uma nova maneira de se olhar a política, e sua atuação, é a massificação da participação do cidadão – de forma ativa. Também é fundamental o seu papel mais efetivo na vigília do exercício da política. Uma dinâmica política mais participativa, aproximando cada vez mais a comunidade das decisões políticas. Além da democracia representativa, é preciso se praticar a democracia participativa, como instrumento de extrema relevância de definição de políticas, controle e gestão social dos recursos públicos.

Jamais aquela velha história: ‘vamos deixar as coisas rolarem aí, e vermos como vão ficar’. Tem que fazer acontecer. Quem tem compromisso de verdade não busca desculpas para justificar a falta de ação. E sim, busca cumprir suas obrigações e realizar suas ações. Custe o que custar. Qualquer pessoa, em sã consciência, é capaz de perceber se algo está bom ou ruim. A política é importante demais para a sociedade, para ser descuidada ou ignorada. Não milite através de falácias. Una pensamento e ação.

“Case palavras e atos. Dê ao discurso a força transformadora. Fale, enxergue, aja e realize.”

7 comentários em ““ A matriz da corrupção está na própria sociedade. Parte do próprio povo. “

  1. Zacarias Marques Responder

    É por e por outras que sempre falo a minha família e aos meus amigos, enquanto buscamos encontrar resposta em função dos resultados alcançados devemos arregaçar as mangas e continuarmos na busca de poder fazer por dentro. Parabéns Zé essa entrevista revigora a nossa vontade de continuar lutando por uma cidade cada vez melhor…

  2. hipolito reis Responder

    Esta entrevista é otima. Serve inclusive para lembrar que o atual governo, até dezembro, deve pagar suas obrigações. Que deve ser vigiado diuturnamente, pelo menos agora, para que não sobre somente o mal. Há um tempo atrás o secretário de saúde contratatou uma suposta organização sem fins lucrativos para gerenciar o atendimento no hospital municipal e na rede pública. Noticiam os colegas médicos que a secretaria de saúde não paga, que o dinheiro já foi repassado à tal organização sem fins lucrativos, e que é problema dessa organização. O fato é que alguém teve lucro, os médicos nao foram pagos, e essa gente continua por aí fazendo o que bem quer com o dinheiro público. O Ministério Público assiste, e a justiça tarda…e está falhando. Se a sociedade não tem ação, vamos aguardar a justiça divina. Que Deus nos ajude.

  3. Anônimo Responder

    Excelente a entrevista! É isso mesmo, não adianta reclamar dos políticos, se vc vende o seu voto. Ainda acredito que existem pessoas boas e que não devemos desistir! Gostei desse trecho:Jamais aquela velha história: ‘vamos deixar as coisas rolarem aí, e vermos como vão ficar’. Tem que fazer acontecer. Quem tem compromisso de verdade não busca desculpas para justificar a falta de ação. E sim, busca cumprir suas obrigações e realizar suas ações. Custe o que custar. Qualquer pessoa, em sã consciência, é capaz de perceber se algo está bom ou ruim. A política é importante demais para a sociedade, para ser descuidada ou ignorada. Não milite através de falácias. Una pensamento e ação.

  4. David Coimbra Responder

    Enquanto tivermos eleitores trocando o voto por um saco de cimento teremos políticos medíocres. Essa é a realidade pura e simples.

  5. João Carlos Responder

    Providenciais e corretas as palavras do piauiense. O corrupto é mesmo o eleitor que se vende e depois quer cobrar atitudes dos que o compraram. Parabéns ao blog por disponibilizar tão valioso material didático.

  6. Charles Responder

    Muito boa a entrevista, precisamos construir um país melhor e esse filósofo foi na ferida. Só com eleitores melhores teremos políticos melhores.

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