Projeto da FAO e Mapa pode beneficiar cultivo do cacau na Bahia

Maior produtor do país atualmente, Pará fica fora das ações previstas
Quase 100% da produção de cacau no Pará é feita pela agricultura familiar, enquanto Bahia e antigas oligarquias ligadas à política, monopolizam os plantios. Na foto, família cuida da colheita em pequeno sítio em Medicilândia (PA)

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Brasília – Será lançado, nesta segunda-feira (8), um projeto de fortalecimento do cultivo de cacau, fruto da parceria entre a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Maiores produtores do Brasil, os cacauicultores paraenses ficaram de fora das ações previstas pela iniciativa, que foca na conservação da Mata Atlântica.

A ação, que tem como objetivo fortalecer o cultivo de cacau, revitalizar lavouras e beneficiar cerca de 3 mil produtores rurais do sul da Bahia, foi batizada de “Conservação da Mata Atlântica por meio do manejo sustentável de paisagens agroflorestais com cacaueiras”.

“A FAO tem trabalhado ao longo de décadas para o desenvolvimento de paisagens produtivas,” disse o gerente de projetos da FAO, Tiago de Carvalho Rocha, em entrevista. Segundo ele, isso “associa a produção de cacau com a conservação de biodiversidade, com o reforço da cadeira produtiva do cacau cabruca”.

Foram quatro anos de implementação, e, nesta etapa, acontecerá a “construção participativa”, que trata de “diálogo com governo, universidades, atores locais e quem já desenvolve programas”. A partir de 2024, tem início a implementação das ações do campo, que vislumbram resultados consistentes em um horizonte de vinte anos.

Carvalho Rocha explicou que há questões na cadeia produtiva que geram limitações. “Vamos promover um sistema de capacitação muito forte, com valorização dos agricultores, para melhoria de renda e qualidade de vida, conservando ao mesmo tempo a Mata Atlântica,” disse.

A questão fundamental, de acordo com ele, é que o projeto não pretende implementar apenas práticas de conservação, mas também conseguir maior produtividade. “O mínimo de manejo pode triplicar a produção, por exemplo,” completou.

Cacau da Amazônia não será contemplado

Embora o Pará, onde o cultivo cresce mais rápido no país, registre o triplo da produtividade da Bahia, o estado está fora do escopo do projeto. Não houve explicações da razão de o projeto ficar restrito ao bioma da Mata Atlântica.

O Brasil, que nas últimas décadas viu a produção interna de cacau despencar – por conta principalmente da alta incidência do fungo que causa a vassoura-de-bruxa, praga que praticamente dizimou as plantações na Bahia –, ensaia um movimento de recuperação que já na safra atual pode somar 200 mil toneladas, uma alta de 17% em comparação ao período anterior.

Além da retomada da safra na Bahia, que perdeu o posto de maior produtor nacional, o Pará, que ocupou o pódio, tem grande potencial de expansão para a cultura. “É no Pará onde a produção mais cresce no Brasil,” avalia Thomas Hartmann, analista da TH Consultoria. Segundo ele, a Bahia tem grande importância histórica para o cacau, mas é no Pará que está o futuro da amêndoa. 

A importância da cultura é tão grande que o estado já tem sua própria “capital do cacau”: o município de Medicilândia, situado às margens da Rodovia Transamazônica, onde 70% da população, estimada em 27 mil habitantes, reside na área rural.

Medicilândia conta hoje com 27 milhões de pés de cacau, ou mil pés por habitante, e há mais de três décadas é o destino certo para quem quer se aventurar na produção da amêndoa. Com infraestrutura precária, economia em desenvolvimento e Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 4.300, o pequeno município, fundado em maio de 1989, parece ter as mesmas características da Ilhéus do início do século passado: terra boa e agricultores ávidos por riqueza. 

“Na década de 1970, desenvolvemos um programa para que o cacau retornasse à sua origem, que é a região amazônica, e foi elaborado um material híbrido altamente produtivo para ser cultivado no Pará,” explica Paulo Henrique Fernandes Santos, coordenador da área de pesquisa de cacau da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) de Altamira.

Assim como aconteceu na Bahia no final do século XIX, o governo brasileiro doava terras para quem quisesse plantar cacau no Pará. Em meados da década de 1970, quem ganhasse um lote de 100 hectares e o desmatasse em, no máximo, um ano recebia outro do mesmo tamanho. Foi dessa maneira que, aos poucos, a região antes ocupada por exemplares nativos foi cedendo espaço à cacauicultura. 

Hoje, na terra roxa do Pará, o cacau convive harmoniosamente com espécies nativas. A recomendação da Ceplac é que as lavouras sejam instaladas sob um sombreiro provisório – a banana, posteriormente retirada – e cultivadas junto com essências nativas, como mogno, ipê, cumaru, andiroba, jatobá, entre outras espécies da Amazônia, que serão usadas para o sombreamento permanente das lavouras.

Na região de Altamira, maior polo de produção do estado – que contempla os municípios de Altamira, Vitória do Xingu, Medicilândia e Brasil Novo –, existem cerca de 40 mil hectares cultivados com cacau, que devem render neste ano uma safra de 53 mil toneladas. No Pará, a área destinada ao cultivo cresce todo ano. “Temos nesta safra uma demanda de 20 milhões de sementes, mas nossa capacidade de produção é de apenas 14 milhões de unidades,” relata Santos. Segundo projeções da Ceplac, 16 mil novos hectares devem ser incorporados ao cultivo no Pará.

Resultado do esforço conjunto dos agricultores, que têm por hábito investir na expansão das lavouras quase todo o lucro que a cultura lhes proporciona. A produtora Gabriela Soares, hoje com 78 anos, chegou ao estado em 1980 e começou a plantar cacau dois anos depois. Atualmente, mantém a produção de 42 mil pés, e faz um trabalho com os técnicos da Ceplac para melhorar a qualidade e a produtividade, em torno de 1kg por hectare. Ela divide a colheita com os sete meeiros que trabalham em sua propriedade: “Acho justo eu ganhar e eles também”.

Cacau no Brasil

No Brasil, o cultivo de cacau foi iniciado em 1679 pelos colonizadores portugueses. Foi primeiramente introduzido no Pará, mas encontrou boas condições para o desenvolvimento no sul da Bahia. No entanto, ao final da década de 1980, a cultura quase foi dizimada por conta da praga vassoura-de-bruxa.

O retorno da produção nacional vem ocorrendo graças à seleção de variedades mais resistentes. Atualmente a lavoura ocupa uma área de 618,3 mil hectares no país, colhendo uma safra de 269,1 mil toneladas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apesar da maior área de plantio estar na Bahia – em 440 mil hectares, 71,2% da área de cacau brasileiro –, o Pará é o maior produtor, com 144,2 mil toneladas numa área de 149,7 mil hectares. A produção baiana, por sua vez, é de 106 mil toneladas. Juntos somam 93% da produção nacional.

Produção no mundo

A produção brasileira é a sétima maior no mundo. A Costa do Marfim é o grande líder mundial, segundo dados da FAO, produzindo 2,2 mil toneladas de amêndoas de cacau. É seguido por seu vizinho, Gana, com 811,7 mil toneladas; Indonésia, com 784 mil toneladas; Nigéria, com 350,1 mil toneladas; Equador, com 283,7 mil toneladas; e Camarões, com 280 mil toneladas.

Por Val-André Mutran – de Brasília