Engana-se quem pensa que, passado o plebiscito que enterrou a proposta de divisão do Pará em três Estados, a sociedade brasileira passará um bom tempo antes de voltar a discutir novas transformações no território nacional.
É certo que o resultado da consulta popular realizada aos paraenses em dezembro fará com que os entusiastas da criação de novas unidades federativas redefinam suas estratégias, até porque tramitam ainda no Parlamento projetos de divisão do Mato Grosso (criação dos Estados do Araguaia e Mato Grosso do Norte), Bahia (Estado do Rio São Francisco), Amapá (Oiapoque), Piauí (Gurguéia) e Amazonas (Rio Negro, Juruá e Solimões). Não bastasse, a administração Dilma Rousseff, parlamentares e representantes das prefeituras e dos governos estaduais já deram início às conversas sobre a definição de critérios para a criação de novos municípios.
Pelo menos por enquanto, ainda não há perspectivas para a conclusão das discussões. Mesmo assim, o Palácio do Planalto já avalia a possibilidade de enviar um projeto de lei complementar ao Congresso sobre o assunto, uma forma de tentar manter a pauta sob controle.
Auxiliares da presidente Dilma sabem que, depois de o governo Luiz Inácio Lula da Silva ter conseguido suspender esse debate entre 2003 e 2010, a pressão política para a regulamentação da chamada emenda constitucional 15/96 pode se tornar insuportável. Tal dispositivo legal passou para os Estados a tarefa de legislar sobre a criação, incorporação, fusão e desmembramento de distritos, decisões que, segundo a Constituição, só podem sair do papel mediante plebiscito nos municípios envolvidos e a divulgação de estudos de viabilidade municipal. Esse trecho da Constituição é justamente o alvo da frente parlamentar pela criação de novos municípios, que movimenta-se nos bastidores a fim de arregimentar os apoios necessários para acelerar a definição do marco regulatório.
Aos olhos dos habitantes de grandes centros urbanos, pode parecer estranho o apelo que a ideia de se criar novos Estados e municípios tem junto às populações das localidades mais remotas do país. Mas é natural que os moradores dessas regiões considerem inviável ter que resolver pendências em prefeituras às vezes situadas a centenas de quilômetros de suas casas. Isso sem falar do sentimento de abandono por não receberem a mesma atenção e serviços básicos que os seus conterrâneos instalados em áreas mais próximas aos centros administrativos.
Como demonstraram Hervé Théry e Neli Aparecida de Mello no “Atlas do Brasil – Disparidades e Dinâmicas do Território”, novos municípios têm sido criados ao longo de toda a história do país. As primeiras emancipações ocorreram no período colonial, quando a Coroa não concedia com facilidade os títulos de vila e cidade por temer perder o poder para as elites locais.
Os ciclos políticos seguintes também influenciaram o ritmo de criação de municípios. Cada período forte da vida política brasileira corresponde a uma leva de novas unidades, apontaram os especialistas. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos períodos da proclamação da Independência, da República e no restabelecimento da democracia após o Estado Novo e depois do regime militar.
Até 1945, emancipações foram verificadas em todo o território nacional. Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, um dos pilares do coronelismo era justamente o domínio sobre os municípios. Durante a ditadura militar, poucos municípios foram criados. Mas o retorno dos civis ao poder e a descentralização promovida pela Constituição de 1988 provocou uma nova onda.
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais e São Paulo têm 27% dos 5.565 municípios do Brasil. Mas, desde a promulgação da Constituição de 1988, foi o Rio Grande do Sul o Estado que registrou o maior número de emancipações.
Do ponto de vista dos políticos, a ânsia pela criação de novos municípios chega a ser compreensível: novas estruturas de poder seriam instituídas, mais aliados teriam abrigo em cargos públicos e um número maior de cabos eleitorais estariam disponíveis durante as campanhas. Por outro lado, diferentemente do que ocorre quando um novo Estado é constituído, felizmente a criação de municípios não tem um impacto direto no atual equilíbrio de forças no Congresso Nacional. Cada vez que é criado um Estado nas regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, os parlamentares – sobretudo senadores – do Sul e Sudeste perdem margem de negociação e poder de voto no Parlamento.
Independentemente das consequências políticas, a possibilidade de surgir a médio prazo uma nova onda de criação de municípios faz com que uma reflexão sobre a sustentabilidade econômica dessas novas unidades seja imprescindível. Autoridades do governo federal dizem ter plena consciência de que a regulamentação da emenda constitucional 15/96 pode provocar um aumento dos gastos com o custeio da máquina pública, sem necessariamente assegurar melhorias nas ofertas de serviços básicos à população. Melhor assim, pois é preciso o máximo de responsabilidade no enfrentamento da questão num cenário em que sobram incertezas em relação aos efeitos da crise financeira global e seus impactos sobre as contas do setor público brasileiro.
Fernando Exman para o Valor Econômico