Ministro desperdiça oportunidade de esclarecer, finalmente, as dúvidas que pairam sobre seu súbito enriquecimento

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O título de uma comédia de Shakespeare, “Muito barulho por nada”, passou a ter uso universal. Seria o caso de modificar a frase, a propósito das últimas declarações do ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci. No episódio, seria mais apropriado dizer que se fez muito silêncio por nada.

Convocado pela presidente Dilma Rousseff para vir a público e enfim desfazer suspeitas de enriquecimento indevido (se não ilícito), Palocci decepcionou a todos, seja na entrevista que deu por escrito na Folha, seja no que disse ao “Jornal Nacional”.

O ministro, como revelou a Folha, teve seu patrimônio multiplicado por pelo menos 20 quando era deputado federal, entre 2007 e 2010. A proeza foi realizada por meio de negócios de sua empresa de consultoria Projeto. O grosso do faturamento ocorreu em 2010, quando coordenava a campanha de Dilma, com R$ 10 milhões recebidos nos dois meses entre a eleição e a posse.

Só essas circunstâncias já constituem fortes indícios de tráfico de influência. Para afastá-los, Palocci teria de mostrar a relação de clientes, serviços e valores faturados. Novamente, não o fez.

Sobre o faturamento de R$ 20 milhões em 2010, repetiu-se e desconversou. Limitou-se a afirmar que os pagamentos recebidos foram informados aos órgãos fiscais competentes, em todos os detalhes, mês a mês. O esclarecimento devido -há semanas- deveria contemplar justificativas plausíveis e eticamente defensáveis para os elevados valores; cumprir formalidades não é virtude.

O máximo de informação concreta que Palocci ofereceu foi que a empresa nunca atuou junto a órgãos públicos e fundos de pensão – o que não é esclarecedor. Tal resposta não exclui que tenha fornecido a clientes informações privilegiadas sobre o governo, seus planos ou os dos fundos e de empresas estatais, como Petrobras.

Nada esclareceu, tampouco, sobre a possibilidade óbvia de que tais negócios tenham pontos de contato com o fluxo de doações para a campanha eleitoral.

De pouco adianta o ministro-chefe da Casa Civil dizer que informou à presidente a existência da consultoria, ainda que sem especificar os serviços prestados. Mesmo que a intenção tenha sido a de isentar a presidente de responsabilização, parece ocioso: Dilma Rousseff permanecerá com a responsabilidade política por sua escolha.

Com seu pronunciamento, Palocci não produz nenhum esclarecimento, só um máximo de estupor. Pode até ser que não tenha cometido ilegalidades ou desvios éticos, do que afirmou ter convicção, mas não consegue traduzi-la em argumentos e informações capazes de convencer o público da lisura de seus negócios.

A situação de Palocci complicou-se de maneira aguda, para tornar-se quase insustentável. Suas meias-palavras, daqui em diante, implicam como que um desafio às palavras da presidente Dilma na sua posse: “Afirmo com clareza que valorizarei a transparência na administração pública. Não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito”. (FSP)

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