Juiz de Marabá adia para novembro prazo para despejo em Eldorado

Decisão levou em consideração laudo do CPC Renato Chaves e falta de plano de realojamento das 212 famílias. Comissão tentará derrubar reintegração de posse.

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O juiz Amarildo José Mazutti, titular da 3ª Região Agrária de Marabá, adiou para 5 de novembro o prazo para a remoção pacífica das 212 famílias do Acampamento Dalcídio Jurandir, no município de Eldorado do Carajás, ocupado há 11 anos pelo Movimento dos Sem Terra (MST) em fazenda que seria de propriedade da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, do Grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas.

O despejo estava marcado para hoje (17), e o clima que já era de tensão desde junho deste ano, quando a data foi marcada pela Vara Agrária de Marabá, só aumentou depois que o MST ameaçou publicamente, na semana passada, resistir à retirada das famílias, tendo ganhado apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Nesta segunda-feira (16), o juiz Amarildo Mazutti despachou a decisão de adiar a reintegração de posse diante do laudo do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, que identificou que o acampamento não está dentro da Fazenda Maria Bonita, mas na Fazenda Caroço do Olho.

O magistrado também levou em consideração, para transferir a data, a falta de um plano de realojamento das famílias, que somam uma população de quase duas mil pessoas. O plano é previsto pela Resolução nº 10/18 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos. “Como se trata de ocupação existente há mais de 11 anos, é, pois, necessário saber, de antemão, para onde irão tais famílias e nisso o município tem responsabilidade social”, diz o despacho de Amarildo Mazutti.

A decisão do juiz foi comemorada pelo deputado Carlos Bordalo, líder do PT na Assembleia Legislativa, na sessão plenária de hoje (17). Da tribuna, ele contou que havia acabado de receber a informação. “Hoje, exatamente hoje, expirava o prazo dado pelo Judiciário para a desocupação pacífica da Fazenda Maria Bonita. E ontem, a partir de fatos novos que levantamos na semana passada, o juiz achou por bem suspender esse prazo, transferindo para 5 de novembro esse prazo de desocupação e encarregando a Prefeitura de Eldorado de ficar responsável por toda logística social decorrente da remoção humana que poderá vir a ser”, anunciou o parlamentar.

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa, Bordalo conta com uma equipe de assessores acompanhando in loco o caso em Eldorado. Ao parabenizar o juiz pela decisão, o deputado avaliou que foi uma “posição de serenidade”, por ser “preciso realmente avaliar os novos fatos” e que fazem parte do relatório elaborado pela Comissão de Direitos Humanos, que afirma ter havido fraude no processo da concessão da terra para a Agropecuária Santa Bárbara.

Vício na origem

Trata-se de um processo antigo, com origem em 1957, quando a área recebia o nome de Castanhal Caroço do Olho, sendo mais tarde denominada de Castanhal e Fazenda Maria Bonita, cujo título de aforamento aparece em nome de Leonel de Mendonça Vergolino.

Os direitos do imóvel foram sendo transferidos até chegar a Benedito Mutran Filho e, posteriormente, a Daniel Dantas. Nos processos do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), mostra o relatório, consta que o Governo do Estado resgatou pelo menos 35 mil hectares de terra da chamada região dos castanhais e que pertenceria a Benedito Mutran.

No relatório da Comissão de Direitos Humanos, estão todos os processos que dispõem sobre o imóvel e que comprovariam que, por se tratarem de terras públicas, não poderia ter o domínio transferido a terceiros “sem o consentimento do legitimo proprietário da terra, o Estado do Pará”.

“Nesse imbróglio, acontece que apareceu um título de propriedade que não existia”, afirmou Carlos Bordalo, da tribuna, que apelou a todos os deputados para unir forças para que a área seja definitivamente entregue às famílias do Acampamento Dalcídio Jurandir. “Apelo que envidemos todos os esforços para derrubar essa liminar. Essa liminar é de 2008. É liminar de uma juíza substituta. Onze anos uma liminar. Que negócio é esse?”, questionou o líder petista.

Até 5 de novembro, a Comissão de Direitos Humanos irá trabalhar para derrubar, de vez, a reintegração de posse. “Espero que em 30 dias nosso Instituto de Terras se pronuncie para que possamos não só adiar uma remoção traumática, mas para definitivamente estabelecer uma situação de tranquilidade às famílias”, disse Carlos Bordalo. “Precisamos não premiar um banqueiro, inclusive condenado, mas premiar famílias”.

Líder do MST afirma que o diálogo não foi suspenso

Ouvida pelo Blog, Ayala Ferreira, uma das líderes nacionais do MST, que se encontra em Eldorado, disse que dois fatos se destacam na decisão do juiz. Um é o resultado na análise do CPC “Renato Chaves”, cujo juiz menciona que a delimitação citada no laudo dificultou a definição sobre de que área realmente vai despejar as famílias, sem correr o grande risco de não causar tantos transtornos, “como se o próprio ato do despejo não fosse”, um transtorno.

O outro, “que é uma leitura mais política”, tem relação com todo o processo de mobilização do movimento das famílias e do apoio e solidariedade das mais diversas pessoas e instituições que, “num gesto muito nobre, se solidarizaram com as famílias reiterando pedidos, seja para o sistema de Justiça, seja para o próprio Governo do Estado, para que sejam levados em consideração elementos que já estao instituídos”, como a garantia dos direitos fundamentais que são recomendações dos Conselho Nacional dos Direitos Humanos.

Ayala disse que o processo de diálogo não foi suspenso com o Estado e anunciou que no próximo dia 23 acontece uma audiência no Incra, em Marabá, “mesmo sabendo das inúmeras dificuldades que estão postas no cenário da reforma agrária no contexto atual”.

“É tarefa do estado brasileiro, a não ser que se reformule por completo a legislação brasileira e a Constituição, que garante e que coloca como de interesse social a reforma agrária, e nós vamos insistir no diálogo e nas pressões necessárias para retomar o processo de reforma agrária na região e no País”, afirma Ayala.

Ela conta que, nesses 11 anos de ocupação, desde o primeiro momento havia um processo aberto, construído em todas as audiências, de negociação com o Grupo Santa Bárbara, que “aproveitou o contexto atual, suspendeu o processo e disse que não queriam mais negociar”.

“Então, tudo aqui, que aquelas famílias realizaram naquela comunidade, foi resultado desse processo. Se havia uma negociação as famílias foram produzindo e contribuindo, inclusive com o município de Eldorado, cujo prefeito e a Câmara Municipal, na audiência de junho, falaram da importância da comunidade para a economia local”, destaca a líder do MST.

Também ouvido – pelo celular – o prefeito de Eldorado, Célio Rodrigues Silva (MDB) – Célio Boiadeiro –  que estava se deslocando de Belém para seu município, falou rapidamente com o Blog. Ele reafirmou as declarações de Ayala em relação à economia municipal, disse que o Acampamento “Dalcídio Jurandir” é uma das colônias que mais produzem no município e afirmou: “Eles contribuem demais com Eldorado”.

Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém

(Colaborou Eleuterio Gomes, de Marabá)