Governo sofre derrota em série em sessão conjunta do Congresso

Com menos de 150 votos, vetos presidenciais foram derrubados
Em média, o governo conta com apenas 150 votos de sua base de apoio em temas da pauta de costumes

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A sessão conjunta do Congresso Nacional, que aconteceu nesta terça-feira (28), renovou uma certeza: o governo não pode contar com os votos de partidos da centro-direita quando a pauta focar em temas ideológicos. Ou seja, projetos que apresentem temas da pauta de costumes. Apenas 150 congressistas, em média, acompanham a orientação do governo. Foi assim ao longo da terça: foram derrubados vários vetos presidenciais, entretanto, houve um alívio para o governo quando o tema envolveu verbas, orçamento, gastos e novos impostos.

A sessão teve início às 13h15 e estavam em pauta matérias não deliberadas na primeira convocação de deputados e senadores, no dia 9 de maio, após três adiamentos. A sessão foi suspensa às 20h10, após a polêmica inclusão do Projeto de Lei do Congresso Nacional n° 13/2024, que não havia passado pela Comissão Mista do Orçamento (CMO), e cria um crédito suplementar de R$ 2,854 bilhões, quase sua totalidade para a saúde.

Houve protestos de partidos da oposição, mas foi costurado um acordo de Plenário para que o projeto passe pela CMO na manhã desta quarta (29) e volte para a análise e votação em nova sessão conjunta.

Derrubada de vetos

Algumas derrotas foram caras ao governo, como a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de impedir restrições à saída temporária de presos no regime semiaberto (“saidinhas” dos presídios) e a manutenção do veto que dificulta a punição para a disseminação de fake news de caráter eleitoral, medida tomada ainda pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Líder do governo no Senado Federal, Randolfe Rodrigues (sem-partido-AP), jurou que vai recorrer ao STF após avalanche de derrotas no Congresso

Com o revés, o líder do governo no Senado Federal, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), garantiu que o governo não apelará para o Supremo Tribunal Federal (STF), judicializando a decisão ao contar com a colaboração de ministros do STF para mudar a vontade do Congresso, como tem ocorrido em outras derrotas, o que tem gerado uma crise permanente entre os Poderes.

O placar da derrubada dos vetos expôs, mais uma vez, a fragilidade da base de apoio do governo. A exemplo do que já ocorreu em outras votações de interesse do Palácio do Planalto, a vontade de Lula foi contrariada por congressistas cujos partidos têm assento na Esplanada dos Ministérios. No caso das “saidinhas”, 314 deputados votaram para anular o veto e 126 para mantê-lo. Do total pela derrubada, metade veio de partidos da aliança petista. Entre os senadores, o placar foi de 52 a 11 contra o veto.

Em relação às notícias falsas, o retrato foi parecido: dos 317 votos a favor da manutenção do veto que travou a criação do crime de “comunicação enganosa em massa” no contexto eleitoral, 193 (61%) vieram de partidos com ministros. No União Brasil, por exemplo, que indicou três auxiliares diretos de Lula, houve 51 votos contra o governo e apenas um alinhado.

Temas como aborto, invasão de propriedades, direito ao porte de armas e até fake news (notícias falsas), são temas indicativos de derrota ao posicionamento do governo

Vetos à pauta identitária

O Congresso derrubou também o veto do presidente Lula a um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 que proibia o uso de recursos públicos para ações que estimulem “aborto, transição de gênero, ocupações de terras” ou que atentem contra a “família tradicional brasileira”.

A derrubada foi articulada pela oposição e representa uma derrota ao governo. A emenda “em prol da família tradicional” foi incluída pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), enquanto a LDO estava em análise pelo Congresso, em 2023. À época, o trecho foi mal-recebido pelo relator, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE). Segundo ele, o texto tem conteúdo “muito mais comportamental” do que orçamentário.

Os governistas interpretam a emenda da oposição como “inútil”. Isso porque a lei já proíbe que o Orçamento federal seja usado para atos ilícitos. Fica a cargo do Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalizá-lo. Foram 309 votos contra o veto e 107 a favor na Câmara, e 47 contra e 23 a favor no Senado.

Para rejeitar um veto, é necessário o voto “não” de 257 deputados e 41 senadores. No Congresso, o veto recebeu: 309 votos contra e 107 a favor na Câmara; e 47 contra e 23 a favor no Senado.

Leia o que a emenda retomada determina:

“É vedado à União realizar despesas que, direta ou indiretamente, promovam, incentivem ou financiem:

“I – invasão ou ocupação de propriedades rurais privadas;

“II – ações tendentes a influenciar crianças e adolescentes, da creche ao ensino médio, a terem opções sexuais diferentes do sexo biológico

“III – ações tendentes a desconstruir, diminuir ou extinguir o conceito de família tradicional, formado por pai, mãe e filhos; e

“IV – cirurgias em crianças e adolescentes para mudança de sexo;

“V – realização de abortos, exceto nos casos autorizados em lei”.

Os evangélicos capitanearam os votos que faltavam e derrotaram a pauta do governo.

Presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), à direita na foto, teve trabalho durante sessão realizada no plenário da Câmara na tarde desta terça-feira (28) para votar vetos presidenciais

“Até tú, Brutus?”

A articulação do Planalto para tentar preservar as “saidinhas” incluiu a atuação de ministros, conversas com a bancada evangélica e uma tentativa de acordo com a oposição – a ofensiva, no entanto, naufragou. Em plenário, até mesmo parlamentares do PT – casos da deputada Maria do Rosário (RS), petista juramentada; e do senador Fabiano Contarato (ES), um neo petista orgulhoso de sua independência de opiniões – se opuseram à orientação governista. Ela é pré-candidata à prefeitura de Porto Alegre, enquanto o colega foi delegado da Polícia Civil no Espírito Santo.

Enquanto o Congresso sacramentava a decisão, horas antes, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, dizia a interlocutores que via “vitória moral” do governo na discussão, que acabou não se concretizando. Para ele, trata-se de uma questão humanitária e, propor o fim desse direito dos presos fere não só a Constituição, mas convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Além disso, o time de Lewandowski vê a limitação à “saidinha” como um fator de desestabilização do sistema prisional. A avaliação da equipe do Ministério da Justiça é de que, sem a saída temporária, rebeliões devem aumentar nos presídios.

OAB

A OAB Nacional se posicionou contra a restrição da saída temporária e, em nota técnica, expôs apoio aos vetos de Lula. Segundo a entidade, o ato do presidente era necessário para “impedir a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, o descumprimento do dever constitucional de proteção à família, bem como para impedir o retrocesso social em matéria de direitos fundamentais”. Interlocutores ligados à cúpula da OAB confirmaram que a instituição analisará a hipótese de judicialização.

DPU

A Defensoria Pública da União (DPU) também divulgou nota técnica defendendo a manutenção do veto e alertando para a insegurança jurídica que o fim da saída temporária trará. A Defensoria já havia declarado que a “saidinha” é essencial para a manutenção do sistema progressivo de execução de pena no país.

Fake news eleitorais

A maioria dos congressistas manteve vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro a trechos da norma que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional (LSN) — o Planalto, neste caso, era a favor da derrubada. Um dos itens previa reclusão de um a cinco anos para o crime de “comunicação enganosa em massa”, definido pela promoção ou financiamento da disseminação por aplicativos de mensagens de mentiras capazes de comprometer a lisura das eleições. Há ainda, no entanto, mecanismos em vigor capazes de mitigar a disseminação de notícias falsas nas eleições, como resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e as próprias regras das plataformas.

O governo tentou até o último momento manter o trecho da lei, mas a articulação foi em vão e representou uma vitória de Bolsonaro, que se envolveu na defesa do próprio veto e conversou com parlamentares.

O Executivo teve um fôlego ao conseguir manter o veto ao calendário de repasse de emendas parlamentares. O dispositivo definia que o governo teria que obedecer um cronograma até o dia 30 de junho. A previsibilidade era considerada essencial para deputados e senadores para garantir o montante a tempo das eleições municipais.

Líderes do Congresso aceitaram manter o veto de Lula após o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, se comprometer com um cronograma de liberação das verbas, mesmo que isso não esteja previsto em lei.

Armas de fogo

Também na terça-feira (28), um projeto de decreto legislativo foi aprovado para derrubar parte do decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que restringe o acesso a armas de fogo no País. A urgência para a tramitação da proposta – que permitiu a votação no plenário sem que o texto tivesse passado antes por comissões, foi aprovado na mesma sessão.

A votação relâmpago do texto, que vai agora para o Senado, ocorre um mês após o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, ter afirmado que concordava com algumas mudanças no decreto de Lula. Com a sinalização do governo, a versão aprovada do projeto foi mais branda do que a protocolada inicialmente na Câmara.

A aprovação nesta terça-feira ocorreu sem protesto da liderança do governo que até orientou a bancada a apoiar a proposta. O único partido que se opôs foi o PSOL. Por conta do acordo, a votação foi simbólica, sem necessidade de cada deputado registrar seu voto no sistema eletrônico.

O projeto derrubou trechos do decreto de Lula que tratam de restrições a armas de colecionadores, armas de pressão por gás, renovação do certificado de registro de armas, critérios para aquisição desses itens, tiro desportivo e localização de clubes de tiro.

“Não é permitido, que, no uso do poder regulamentar, o chefe do Executivo ultrapasse os limites da legalidade que cabe a todos respeitar e que é cláusula pétrea de nossa Constituição, que em síntese determina que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer nada, senão em virtude de lei”, diz a justificativa do projeto, de autoria do deputado Ismael Alexandrino (PSD-GO).

O decreto de Lula estabelece, por exemplo, que as armas de fogo de coleção só podem ser aquelas declaradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e fabricadas há 40 anos ou mais. Pelo projeto aprovado na Câmara, relatado pela deputada Laura Carneiro (PSD-RJ), a competência para definir e classificar armas de coleção fica com o Comando do Exército.

“A restrição imposta pelo decreto desconsidera a realidade prática e técnica das armas de fogo, prejudicando cidadãos que optam por colecionar de forma responsável e legal. Portanto, sustar esse dispositivo é necessário para evitar restrições desproporcionais e infundadas que comprometem direitos legítimos, sem benefícios claros para a segurança pública, ao contrário, atentam contra a segurança pública”, disse a relatora.

O projeto também rejeita exigências para a obtenção do Certificado de Registro de Atirador Desportivo para a prática do tiro desportivo com armas de pressão. O decreto de Lula prevê a comprovação de treinamentos ou competições por calibre registrado a cada doze meses. “Tal exigência é humana e socialmente inviável, especialmente para atiradores amadores que possuem outras ocupações”, afirmou Laura Carneiro.

O texto ainda derruba restrições à localização das entidades de tiro desportivo. “As medidas impostas pelo Decreto invadem a competência municipal e prejudicam a segurança jurídica das entidades já estabelecidas, inviabilizando a continuidade de suas atividades, além de não ter qualquer justificativa técnica de aumento da segurança pública”, diz o relatório.

Durante participação em audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara em 16 de abril, Lewandowski sinalizou que a pasta poderia rever as regras editadas pelo governo que restringiram a atuação de Caçadores, Atiradores e Colecionadores de armas, os chamados CACs.

Lewandowski disse ainda não ser contra debater uma mudança do entendimento sobre armas de calibre 9 mm. No governo Lula, elas voltaram a ser de uso restrito apenas para forças policiais e militares. “É uma questão técnica que, ao meu ver, pode ser discutida, rediscutida. E vamos discutir”, disse o ministro.

Vetos à LDO

O deputado Danilo Forte (União-CE), relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que orienta a elaboração da Lei Orçamentária Anual, elencou vetos que ainda preocupam um número considerável de congressistas. “Temos algumas motivações que precisam ser entendidas pelo conjunto do Plenário. É natural que o ótimo é inimigo do bom. Diante desta evidência, algumas coisas ainda ficaram de fora, dentro deste contexto, para atender, de fato, à essencialidade do que foi votado na LDO”, destacou.

“Temos a questão do seguro agrícola, que é fundamental para os produtores rurais e que está ainda na manutenção do veto, e é necessária esta preocupação no Veto 54 da LDO, porque ali também está se impedindo e mantendo o contingenciamento dos recursos do seguro, o que impede a ampliação para a produção e para o investimento do setor que hoje sustenta a economia nacional, o setor do agro”, salientou.

“Também temos uma grande reivindicação municipalista, que foi a de abrir o Minha Casa Minha Vida para os Municípios abaixo de 50 mil habitantes, na medida em que apenas os grandes Municípios estão atendidos no programa da Minha Casa Minha Vida, que é exatamente o Veto 46 e o Veto 47, que também precisam da observância das Sras. e Srs. deputados na votação com relação a estes vetos”, alertou.

“Há outra grande questão, sensível principalmente à população mais carente, que vem no abrigo das instituições filantrópicas, principalmente as Santas Casas. É o Veto 27, em que garantíamos recursos das emendas parlamentares para estas instituições filantrópicas, as Santas Casas, sem precisar exatamente da chantagem, muitas vezes, do gestor municipal ou do gestor estadual, que ficava com o dinheiro das emendas e não o repassava, para atender a esta demanda da saúde pública por meio das instituições filantrópicas”, ressaltou o relator.

“Diante disso, acho que mais uma vez a democracia vence, acho que mais uma vez o Congresso se reafirma, o Poder Legislativo está garantindo o seu papel constitucional da confecção e da elaboração da lei mais importante do País, que é a lei orçamentária. E agora cabe a nós também a busca da eficiência dessa execução orçamentária”, declarou.

Por Val-André Mutran – de Brasília

2 comentários em “Governo sofre derrota em série em sessão conjunta do Congresso

  1. João Batista Responder

    O congresso pelo menos deu uma dentro, já tem muito bandido solto e o comunista ainda quer soltar os que estão preso.

  2. Humberto Souto Responder

    Se no fosse no Governo passado a manchete seria: “Bolsonaro tem a TERCEIRA DERROTA NO CONGRESSO “. Triste.

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