Estados Unidos “inova” e executa condenado por hipóxia nitrogenada

O nitrogênio foi liberado em uma máscara colocada no rosto do homem; ele, então, 'tremeu e se contorceu', antes de respirar pesadamente por minutos, até a respiração parar
Kenneth Eugene Smith foi condenado à morte pelo assassinato encomendado de Elizabeth Sennett em 1988

Continua depois da publicidade

Sob protestos de organizações de direitos humanos, contrastando pelo sentimento de “justiça feita”, exposto pelos dois filhos de Elizabeth Dorlene Sennett, um dos três condenados pelo assassinato da vítima, a facadas, em março de 1988 — há 35 anos —, Kenneth Eugene Smith, 58 anos, foi executado por hipóxia nitrogenada no estado do Alabama, Estados Unidos, nesta quinta-feira (25). O método foi criticado por não ter sido testado, e objeto de intensos debates antes de ser utilizado.

Kenneth Smith foi declarado morto às 20h25 (17h25, em Brasília), no Centro Correcional William C. Holman, em Atmore, Alabama, depois que a Suprema Corte dos EUA negou um recurso para suspender a execução.

Como é a execução por nitrogênio

Kenneth Smith foi sentenciado à Pena Capital, sendo um dos três homens condenados pelo assassinato a facadas de Elizabeth Dorlene Sennett, de 45 anos, cujo marido, um pastor evangélico, os contratou para matá-la em março de 1988, no condado de Colbert, Alabama.

De acordo com documentos judiciais, Sennett, mãe de dois filhos, foi esfaqueada 10 vezes no ataque feito por Smith e um outro homem. Charles Sennett, marido de Elizabeth, recrutou um homem para cuidar de seu assassinato, que por sua vez recrutou Smith e outro homem para executar o crime.

Sennett planejou o assassinato em parte para cobrar uma apólice de seguro que havia feito para sua esposa, de acordo com os autos do tribunal. Ele havia prometido aos homens US$ 1.000 (R$ 4.920) para cada um pelo assassinato.

Smith foi condenado em 1996. Em sua sentença, 11 dos 12 jurados votaram para poupar sua vida e sentenciá-lo à prisão perpétua, mas o juiz do caso, N. Pride Tompkins, decidiu anular a decisão e condenou ele à pena capital — até a morte. Em 2017, o Alabama parou de permitir que os juízes anulassem os júris da pena de morte dessa forma, e tais decisões não são mais permitidas em nenhum lugar dos Estados Unidos.

Smith, que tinha 22 anos na época do crime, disse que não acreditava que fosse justo o juiz anular a sentença do júri em seu caso. Em um comunicado, o governador Kay Ivey, do Alabama, disse anteriormente que, embora o estado tenha feito uma mudança “necessária” para proibir os juízes de anular as decisões dos jurados, os legisladores optaram por não tornar a lei retroativa, a fim de honrar sentenças que já haviam sido proferidas e os familiares das vítimas que contavam com eles para obter justiça.

O viúvo de Sennett suicidou-se pouco depois do assassinato da sua esposa ao ser descoberto como mandante do crime. Um dos outros homens envolvidos no assassinato, John Forrest Parker, foi executado por injeção letal em 2010, e outro, Billy Gray Williams, o intermediário que contratou os dois executores foi condenado à prisão perpétua e morreu atrás das grades em 2020.

Primeira tentativa

Em novembro de 2022, o estado do Alabama tentou executar Smith usando injeção letal. Mas, naquela noite, uma equipe de funcionários do estabelecimento correcional tentou, sem sucesso, inserir um cateter intravenoso nos braços e nas mãos de Smith e, por fim, em uma veia perto de seu coração. Finalmente, após múltiplas tentativas, os funcionários penitenciários decidiram que não tinham tempo para levar a cabo a execução antes de a sentença de morte expirar, à meia-noite.

Desta vez, as autoridades resolveram mudar de método, conhecido como hipóxia por nitrogênio, que tem sido usado em suicídios assistidos na Europa. Smith recebeu uma máscara e recebeu um fluxo de gás nitrogênio, privando-o efetivamente de oxigênio até morrer.

Os advogados do estado argumentaram que a morte por hipóxia com nitrogênio é indolor, com a inconsciência ocorrendo em questão de segundos, seguida de parada cardíaca. Eles também observaram que o próprio Smith e seus advogados identificaram o método como preferível à prática conturbada de injeção letal no estado. Mas antes da execução, os advogados de Smith argumentaram que o Alabama não estava adequadamente preparado para levar a cabo a execução e que uma máscara — em vez de um saco ou outro invólucro — poderia permitir a entrada de oxigênio suficiente para prolongar o processo e causar sofrimento.

Segundo uma ONG norte-americana, o procedimento é autorizado como método de execução em sete estados, incluindo Alabama, Mississippi e Oklahoma. Apesar disso, apenas esses três especificaram o uso de nitrogênio para execução, e apenas o Alabama publicou um documento formal com o protocolo de execução para hipóxia de nitrogênio.

Como foi a execução

Smith foi amarrado a uma maca dentro de uma sala lacrada. Os agentes prisionais treinados para a execução colocaram uma máscara no rosto do condenado, de modelo semelhante às usadas em indústrias e ambientes pressurizados. Ao vestir a máscara, deitado na maca, ele respirou o gás até que seu corpo ficou totalmente sem oxigênio.

Embora nunca tenha sido usado antes com esse propósito, o gás é rotineiramente usado em indústrias e há registros sobre os efeitos provocados no corpo humano com acidentes envolvendo inalação excessiva de nitrogênio.

O gás nitrogênio também é usado na Europa em países que autorizam o suicídio assistido, mas a grande diferença é que por lá todo o ambiente em que a pessoa está confinada recebe o gás. Já no caso dos EUA, especialistas levantaram a hipótese de a máscara aumentar a chance de vazamento, permitindo a entrada de oxigênio e, consequentemente, prolongar o processo, o que acabou não ocorrendo.

Na veterinária, diversos profissionais se recusaram a usar a asfixia com nitrogênio para sacrificar animais por causa de seus efeitos “angustiantes” e riscos potenciais para as pessoas ao redor. Comercial e industrialmente, o nitrogênio puro é usado em produtos como fertilizantes, náilon, explosivos e corantes.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse, na última terça-feira, estar “alarmado” pela iminente execução de Smith com um método que “pode constituir tortura”.

“Estamos alarmados com iminente execução nos Estados Unidos de Kenneth Eugene Smith, com um método novo e não testado, a hipóxia nitrogenada”, disse Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado, em uma coletiva de imprensa em Genebra.

A execução “poderia constituir tortura ou outros tratamentos cruéis e degradantes, segundo o direito internacional”, afirmou. Segundo a porta-voz, o protocolo de execução por hipóxia nitrogenada do Alabama não prevê a sedação, enquanto a Associação Veterinária dos Estados Unidos (AVMA, em sua sigla em inglês) recomenda administrar um sedativo aos animais, mesmo os grandes, quando são sacrificados com este método.

A ONU pediu às autoridades do estado do Alabama que suspendessem a execução de Smith, marcada para 25 de janeiro, e está preocupada porque Mississipi e Oklahoma também aprovaram este método de execução. Os apelos foram ignorados e a pena executada.

O Alabama autorizou a hipóxia por nitrogênio em 2018 durante uma escassez de medicamentos usados para aplicar injeções letais, mas o estado ainda não havia testado o método para executar uma sentença de morte.

Na quinta-feira, autoridades do Alabama disseram que o processo provou ser eficaz e humano. Smith pareceu consciente por vários minutos depois que o gás nitrogênio começou a entrar em sua máscara, de acordo com um relato de jornalistas do Alabama que testemunharam a execução. Ele então “tremeu e se contorceu” antes de respirar pesadamente por vários minutos. Eventualmente, sua respiração desacelerou e depois parou.

“Algumas dessas pessoas dizem: ‘Bem, ele não precisa sofrer assim’”, disse Charles Sennett Jr., um dos filhos de Sennett, à estação local WAAY31 este mês. “Bem, ele não perguntou à mamãe como sofrer. Eles simplesmente fizeram isso. Eles a esfaquearam várias vezes.”

Outro filho, Michael Sennett, disse à NBC News em dezembro que estava frustrado com o fato de o estado ter demorado tanto para realizar uma execução que o juiz ordenou décadas atrás.

* Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília