Corte Internacional de Direitos Humanos condena Brasil no caso da Fazenda Brasil Verde

Por meio do julgamento do caso Fazenda Brasil Verde, o Tribunal expôs o conceito novo de trabalho escravo. A novidade desse julgado foi o reconhecimento da pobreza como fator de proteção especial

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Brasília – Num dos casos mais emblemáticos sobre legislação internacional das relações de trabalho, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Internacional de Direitos Humanos, uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), julgou e condenou o Estado brasileiro no caso conhecido como “Fazenda Brasil Verde”, no qual trabalhadores daquela fazenda figuraram como autores, representados pela Procuradoria do TRabalho contra a República Federativa do Brasil. O caso se referiu à suposta prática, posteriormente comprovada, de trabalho forçado e servidão por dívidas na aludida propriedade, localizada em Sapucaia, no Sul do Pará.

Em 4 de março de 2015 saiu a sentença da Corte que expôs o conceito novo de trabalho escravo, por meio do julgamento do caso. Na propriedade Fazenda Brasil Verde, localizada no estado do Pará (BR-155, entre os municípios de Marabá e Redenção), se constatou, a partir de 1988, uma série de denúncias perante a Polícia Federal e o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH – agora transformado, a partir da Lei nº 12.986/2014, em Conselho Nacional dos Direitos Humanos) de prática de trabalho em condições análogas às de escravo na fazenda.

A Comissão Interamericana solicitou ao Tribunal que declarasse a responsabilidade internacional do Brasil pelas violações incluídas no Relatório de Admissibilidade e Mérito e que ordenasse ao Estado, como medidas de reparação, as recomendações incluídas no Relatório que apresentou.

Durante a década de 90, a propriedade pecuária Fazenda Brasil Verde recebeu 128 trabalhadores rurais para a execução de diversos trabalhos em Sapucaia, no sul do estado do Pará. Os homens, com idade de 15 a 40 anos, foram atraídos por “gatos”, agenciadores ilegais de mão-de-obra, em diversas cidades do norte e nordeste do país pela promessa de trabalho. No entanto, acabaram sendo submetidos a condições degradantes de trabalho, com jornadas exaustivas, e eram impedidos de deixar a fazenda em razão de dívidas contraídas.

Prática antiga

A prática era comum na fazenda há mais de uma década, conforme ficou posteriormente demonstrado. No entanto, apenas em 2000, quando dois trabalhadores conseguiram fugir da propriedade, as irregularidades foram registradas pelas autoridades brasileiras. Na ocasião foi aberto processo penal referente às violações, mas que acabou sendo extraviado. Como resultado, nenhum responsável foi punido e nenhuma das 128 vítimas resgatadas foram indenizadas pelas condições degradantes.

O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violação dos direitos dos indivíduos de não serem submetidos a qualquer forma de escravidão ou servidão, bem como de não serem submetidos ao tráfico de pessoas (art. 6.1). Consignou a Corte ainda a condição de discriminação estrutural histórica em razão da condição econômica.

A Corte julgou o Brasil ainda incurso na violação do direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art. 3); do direito à integridade pessoal (art. 5); do direito à liberdade pessoal (art. 7); do direito à proteção da criança (art. 19), do direito à honra e à dignidade (art. 11); do direito de circulação e residência (art. 22).

Em razão da letargia na apuração dos fatos praticados e da reiteração da conduta por parte dos acusados, o Brasil foi condenado por violar o direito à razoável duração do processo (art. 81.) e a garantia de proteção judicial prevista no art. 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH).

Como mandamentos da sentença, a Corte estipulou que o governo brasileiro deveria: a) publicar a sentença condenatória; b) reiniciar, com a devida diligência, as investigações e os processos penais sobre os fatos ocorridos em março de 2000, identificando, processando e responsabilizando os autores; c) adotar medidas para que a prescrição não seja aplicada ao crime de submissão à escravidão e fatos análogos; d) ressarcir às vítimas os danos morais sofridos, por meio de verbas indenizatórias, e arcar com as custas e gastos do processo.

Definição do conceito novo de trabalho escravo

Por meio do julgamento do caso Fazenda Brasil Verde, a Corte Internacional de Direitos Humanos expôs o conceito novo de trabalho escravo, não se limitando à definição que indica a propriedade sobre a pessoa (coisificação), entendendo que trabalho escravo é o estado ou a condição de um indivíduo e o exercício de algum dos atributos do direito de propriedade, podendo ser representado pelos seguintes elementos: restrição ou controle da autonomia individual; perda ou restrição da liberdade de movimento de uma pessoa; obtenção de um proveito por parte do perpetrador; ausência de consentimento ou livre arbítrio da vítima ou sua impossibilidade ou irrelevância devido à ameaça do uso de violência ou outras formas de coerção, ao medo do uso da violência, ao ardil ou às falsas promessas; uso da violência física ou psicológica; posição de vulnerabilidade da vítima; detenção ou cativeiro; e exploração.

A novidade desse julgado foi o reconhecimento da pobreza como fator de proteção especial, em decorrência da vulnerabilidade econômica dela advinda, que gera as inúmeras situações de exploração da mão-de-obra.

Segundo Carolina Hirata, Procuradora do Trabalho em Brasília, “a decisão deve ser amplamente divulgada nos meios de comunicação para que proprietários rurais tomem conhecimento da gravidade dessa prática.”

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.