Com queda de estoques de aço, China volta às compras e eleva preço de minério de ferro

A cotação da tonelada de minério de ferro encerrou as negociações em alta de 3,6%, a US$ 100,68, valorizando as ações da Vale na Bolsa de Valores
Ações da Vale se valorizam com alta do minério de ferro na China

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Brasília – O preço da tonelada de minério de ferro se recupera, com a queda dos estoques de aço da China. Os contratos futuros de minério de ferro subiram nesta sexta-feira (22), com a diminuição dos estoques, estimulando as esperanças de que a demanda seja impulsionada pela necessidade de reabastecimento. Os negócios na Dalian Commodity Exchange da China encerraram as negociações em alta de 3,6%, a 681 iuanes (US$ 100,68 = R$ 549,71) a tonelada.

O contrato de referência se recuperou de uma baixa de sete meses — o fechamento de quinta-feira, em 657,50 iuanes, foi o mais fraco desde 29 de dezembro. Diante disso, as ações da mineradora Vale (VALE3) reagiram ao baixo preço que puxou o pregão da B3 na quarta-feira (21), zerando os lucros do dia. Vale e Petrobras, sozinhas têm 21% no total do peso do índice da Ibovespa.

Em Cingapura, o ingrediente siderúrgico voltou a ultrapassar a marca de US$ 100 e estava a caminho de um ganho semanal, recebendo impulso adicional do corte das perspectivas de produção de minério pela mineradora brasileira Vale em 2022.

O contrato de minério de ferro para agosto na Bolsa de Cingapura subiu 3,5%, para US$ 101,35 a tonelada.

Os estoques de vergalhão, fio-máquina, bobinas laminadas a quente, bobinas laminadas a frio e chapas grossas médias detidos pelas 184 siderúrgicas chinesas regularmente pesquisadas pela consultoria Mysteel caíram 6,8% na semana, entre 14 e 20 de julho, para uma baixa de quase seis meses de 5,7 milhões de toneladas.

Os produtos siderúrgicos em posse de traders recuaram pela quinta semana consecutiva, a 21,7 milhões de toneladas em 21 de julho, uma queda de 818.600 toneladas ou 3,6% na semana, informou a Mysteel. O nível representa uma baixa de 5 meses e meio.

“A demanda por minério de ferro deve melhorar até certo ponto”, disseram analistas da Sinosteel Futures em nota, citando o relatório de estoque da Mysteel e as últimas previsões de produção da Vale.

Mas com as perspectivas gerais de demanda de aço na China ainda obscurecida pelos lockdowns da Covid-19 e problemas no setor imobiliário, o minério de ferro pode permanecer sob pressão no médio prazo, disseram analistas.
Nesta sexta-feira (22), às 11h56, os papéis da Vale eram negociados a R$ 70,13, em alta de 2,28% com viés de alta em comparação com o pregão do dia anterior.

Incertezas na China geram alta volatividade nas cotações

Se os primeiros três meses do ano foram marcados por uma alta de quase 30% nas ações da mineradora, os três meses seguintes amargaram quedas. A VALE3 caiu 19,92% entre abril e junho, encerrando o primeiro semestre cotada a R$ 76,56. Mas as baixas não pararam por aí: as ações fecharam a quarta-feira (20) em R$ 67,39, uma queda de 11,98% somente no mês de julho e de 10,23% no acumulado do ano. Entretanto, as principais corretoras dizem que apesar do cenário de curto prazo, não muda a recomendação de compra para as ações da Vale.

Os motivos para a reversão daquele cenário bastante positivo para a mineradora vêm principalmente do outro lado do planeta. A China, o maior comprador de minério de ferro do mundo, voltou a adotar lockdowns no país para conter o aumento de novos casos de covid-19 – fechando suas grandes metrópoles, os portos e interrompendo as cadeias de distribuição.

“No primeiro trimestre, a Vale surfava um momento de restrição de oferta momentânea provocada pelo conflito na Ucrânia, ao mesmo tempo em que a situação da covid na China dava sinais de melhora. Porém, com as políticas mais fortes de covid zero e as restrições que parecem não surtir efeito para conter os avanços da doença no país alimentam as incertezas sobre quando de fato ocorrerá o fim do lockdown por lá”, explica Gabriel Tinem, analista do setor de mineração, siderurgia e telecomunicações da Genial Investimentos.

A política de lockdowns adotada pela China gera uma incerteza quanto ao ritmo da atividade econômica por lá e, portanto, à continuidade da demanda por minério de ferro. Somente nos últimos trinta dias, o preço da tonelada da commodity caiu de US$ 133,47 para US$ 104,76 – uma desvalorização de 21,5%.

“As siderúrgicas chinesas vinham operando com uma taxa de utilização acima de 90% até meados de abril. Mas no final de maio e início de junho essa taxa caiu para 85%. Só isso já foi suficiente para ver um rebuliço no mercado”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.

Em um momento em que os mercados já estão estressados por causa do aumento das taxas de juros e inflação alta nos países desenvolvidos, as interrupções na economia chinesa agravam uma tendência de arrefecimento da atividade global.

Esse cenário reduziria, de modo geral, a demanda por commodities e impactaria negativamente empresas como a Vale.

E é essa impressão que também está ajudando a pressionar ainda mais as ações do setor de mineração e siderurgia. Para Renato Chanes, analista da Ágora Investimentos, existe atualmente uma dicotomia entre o sentimento do mercado e o fundamento dos investimentos nas empresas de commodities metálicas como a Vale. “Do ponto de vista do fundamento, continuamos vendo um equilíbrio entre oferta e demanda”, diz.

Do ponto de vista do sentimento, porém, existe uma grande preocupação do mercado em relação à atividade econômica na China e os impactos que a continuidade da política de covid zero pode ter nos mercados. “Isso terá um impacto natural na atividade econômica. Só que o mercado parece perpetuar esse cenário”, pontua Chanes.

Com todas essas incertezas em jogo, a expectativa otimista de mais um ano recorde para a Vale ficou para trás. Mas isso não significa necessariamente que 2022 vai ser um ano ruim para a mineradora

Para o analista da Ágora, 2021 foi bastante atípico, com demandas represadas por causa da pandemia e o preço do minério acima da média histórica. Por isso, não pode servir como base comparativa. “Talvez no início do ano as expectativas fossem mais positivas, o que fez o mercado ficar mais eufórico. Em 2022 a Vale deve entregar volumes semelhantes aos do ano passado, mas o preço do minério caiu, então o resultado tende a ser um pouco mais fraco”, explica.

A perspectiva após os números do 2º trimestre

A Vale divulgou na terça-feira (19) o relatório de produção e vendas do segundo trimestre do ano, que mostrou como o cenário conturbado está impactando a companhia. A redução da produção da mineradora impacta no resultado econômico do Pará e de Minas Gerais diretamente.

A produção de minério de ferro no período foi de 74 milhões de toneladas, uma queda de 1,2% em comparação ao segundo trimestre de 2021 e 4% abaixo do consenso de mercado, que esperava uma produção perto de 77 milhões de toneladas.

As vendas da commodity somaram 64 milhões de toneladas, 2,3% a menos que o mesmo período do ano passado.

“A produção abaixo do esperado foi explicada por restrições na cadeia de suprimentos como resultado das atividades de homogeneização de estoques em Ponta da Madeira para ajuste dos níveis de umidade, e pela venda das operações do Sistema Centro-Oeste”, explica, em relatório, Andre Vidal, head de óleo, gás e materiais básicos da XP.

Os números mais baixos fizeram a Vale rever o guidance de produção total de minério de ferro que havia estabelecido para 2022, reduzindo a meta de 320 a 335 milhões de toneladas para 310 a 320 milhões até o fim do ano. A revisão foi lida de forma negativa pelo mercado, o que fez as ações da mineradora caírem 2,16% na quarta-feira (20).

Para bater o guidance máximo, o segundo semestre da companhia vai ter que ser mais forte e superar, ao menos em parte, os mesmos problemas que fizeram os números da mineradora caírem no período. E o principal fator no caminho da Vale será novamente o cenário na China.

Por lá, o governo vem anunciando medidas para estimular a economia e manter a demanda em alta mesmo no caso de novos lockdowns.  “Várias medidas de estímulos já foram anunciadas, desde crédito para o consumidor até compras de estoques de aço para segurar o preço. Temos a visão de que a economia chinesa vai se recuperar e existe uma melhora para ser capturada”, aponta Renato Chanes, da Ágora.

Os estímulos são uma tentativa do Partido Comunista Chinês de aquecer a economia e entregar os 5,5% de crescimento no Produto Interno Bruto (PIB) prometidos. Na sexta-feira (15) o país divulgou dados oficiais mostrando que o crescimento econômico perdeu força no segundo trimestre, com alta de 0,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Para os analistas, a projeção de crescimento do PIB acima de 5% ficou mais difícil de ser alcançada, mas a perspectiva ainda não é de todo negativa para as mineradoras e siderúrgicas. “Se ao longo do segundo semestre tiver uma celeridade maior, com a China rumando para fazer 4% ou 4,5% de alta no ano, é possível revitalizar a indústria e cessar as maiores preocupações vigentes. O grande ponto é se vamos continuar vendo essas interrupções por conta da covid-19”, explica Ilan Arbetman, da Ativa.

Como a China é um grande player para a dinâmica das commodities, especialmente o minério, a continuidade dos lockdowns poderia prejudicar empresas do setor. Por outro lado, não estão descartadas uma melhora nesse cenário caso a transmissão da covid-19 no país seja controlada. “Existe a possibilidade de forte valorização acompanhada do minério de ferro caso a China dê indícios mais concretos da saída dos seus lockdowns, bem como de seus programas de estímulos”, destaca Gabriel Tinem, da Genial.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília.