Carajás-São Luiz: duplicação deve acabar com venda de “bandecos” na ferrovia

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Por Patrick Roberto – Correio do Tocantins

Em 29 anos de operação, a Estrada de Ferro Carajás (EFC), a qual a Vale tem concessão de operar, sofre neste momento a sua maior mudança em anos, com o que a mineradora chama de expansão logística e que, na prática, significa a duplicação completa da ferrovia. Ocorre que nesta três décadas, atravessando algumas das localidades mais carentes e até isoladas do interior do Pará e do Maranhão, a EFC viu nascer e crescer a sua margem, comunidades inteiras, algumas delas totalmente dependentes da própria operação do trem de passageiros. As obras e o futuro da ferrovia preocupam moradores dessas localidades, que aceitaram falar ao CORREIO DO TOCANTINS.

Bandecos EFCA Estrada de Ferro Carajás tem 892 quilômetros de extensão, ligando a maior mina de minério de ferro a céu aberto do mundo, em Parauapebas, no sudeste do Pará, ao Porto de Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Na época da sua implantação a Vale era uma estatal. No ano seguinte, em 1986, iniciaram as operações do trem de passageiros, como uma espécie de compensação social. Não tardou a se tornar um importante modal de transporte de passageiros ao Nordeste do país.

Por seus trilhos, são transportados 120 milhões de toneladas de carga e 360 mil passageiros por ano. Segundo a própria empresa, a média é de 1.300 pessoas por dia, passando por 27 localidades, entre povoados e municípios, sendo 23 no Maranhão e 4 no Pará.

“Bandeco”

Ocorre que o vizinho estado é conhecido por suas carências econômicas. A passagem diária do trem de passageiros por essas comunidades acabou por iniciar e fortalecer ao longo dos anos uma atividade que garante a subsistência de muitas famílias, o comércio de refrigerantes, água, frutas como laranja e tangerina e mesmo refeições, que no linguajar informal são chamadas de  “bandecos”.  Isso, à revelia da empresa que opera o trem e mesmo com a existência de vagão-lanchonete.

Tido como um transporte de valor popular por muitos anos, e levando pessoas igualmente de poucos recursos, sempre foi mais simples a elas a compra de alimentos com esses vendedores informais a cada parada do trem nessas comunidades. Mulheres, crianças, idosos. São famílias inteiras envolvidas na cadeia, desde a preparação do alimento à venda pela janela do trem diariamente.

São estas mesmas pessoas que demonstram preocupação com os rumores de que agora, com a duplicação da ferrovia, a Vale vá proibir de forma incisiva o comércio de alimentos informal e até mesmo o acesso aos trilhos como existe hoje.

“Meu filho, nós estamos perdidos. Ninguém sabe ainda como que vai ser. A gente só ouve dizerem que não vamos mais poder trabalhar assim, pois vai ter dois trilhos e vai ser perigoso. Tem gente até dizendo que eles vão construir um muro aqui na beira pra gente nem passar”, relata Maria Augusta Sales, moradora da comunidade de Alto Alegre.

A história se repete em pelo menos seis pontos de parada do trem entre Santa Inês e Açailândia, dois dos maiores municípios do Maranhão. Ali, o trem passa e para em Alto Alegre, Mineirinho, Alzilândia, Altamira, Presa de Porco e Nova Vida.

É desta última que o CT tem um dos depoimentos mais completos, o da anciã Luíza da Conceição. Aos 70 anos, ela segue firme e forte na venda do “bandeco” que prepara com três das cinco filhas, todas na casa dos 30 anos e que, segundo ela, criou com o “apurado” da venda de refeição à margem da EFC. “Aqui é o que a gente tem. Sempre foi assim, criando as filhas e agora os netos também ajudam. Um vende água, o outro laranja, e a gente vai preparando as comidas. Nunca estragou, sempre vende tudo”, relatou, com seu jeito simples e sorriso no rosto. Luíza também quer entender como será a vida depois da duplicação da ferrovia.

PERIGO

Fora a importância econômica dessa atividade para essas pessoas, o CT pode verificar numa viajem de ida e volta a São Luís, também situações de perigo e risco de morte. Principalmente pelo fato de quem em alguns lugares a parada do trem é muito breve e algumas das vendedoras de refeição se arriscam se esquivando sob os vagões.

“A senhora sabe que isso aí é perigoso? Não tem medo?”, questionou o repórter a uma das pessoas que tentava o procedimento. Ouvindo dela: “A gente tem que se virar, meu filho.  Não tem outro jeito”.

VALE

Atrás das respostas sobre o que será da relação com essas comunidades, a Reportagem enviou à Assessoria da Vale no início desta semana uma série de questionamentos sobre a ferrovia e sua duplicação. Todos os pontos foram respondidos, embora em muitos casos com textos breves e não conclusivos.

Especificamente sobre a venda de alimentos, a mineradora responde assim: “A segurança da comunidade e da operação ferroviária são prioridades para a Vale. A empresa sempre esteve atenta a esta questão para prevenir situações de risco envolvendo essas pessoas.  Nesse contexto, a Vale está realizando estudo sobre a vocação socioeconômica de cada uma das localidades onde se pratica a venda informal de alimento às margens da EFC. A partir deste resultado, a empresa, em conjunto com os vendedores e o poder público dessas localidades, irá discutir alternativas de geração de renda para essas pessoas”.

Apesar de não ir direto ao ponto, a argumentação da empresa dá à entender que isso implica mesmo no fim da atividade nos trilhos, pois fala em “alternativas de geração de renda”. Já quando o questionamento é sobre a possível bloqueio do acesso dessas pessoas aos trilhos, a resposta é: “Não. O muro de proteção será construído dentro da faixa de domínio da ferrovia, nas áreas urbanas de Marabá com objetivo de ampliar a segurança das comunidades e da operação ferroviária. A venda informal de alimentos não ocorre em trechos urbanos”.

Fora o que a Vale chama de estudos econômicos, é sabido que a empresa também tem tratado com as prefeituras dos municípios por onde a ferrovia passa, sobre medidas de compensação à obra de duplicação da EFC. Aqui em Marabá mesmo, houve reunião na última semana entre representantes da empresa e o prefeito João Salame para tratar do tema.

Ontem a Reportagem solicitou à assessoria de Comunicação da Prefeitura de Marabá uma cópia do documento com os pontos acordados entre o município e a Vale na reunião. A Ascom ficou de responder sobre o assunto, o que não aconteceu até o fechamento da edição.

1 comentário em “Carajás-São Luiz: duplicação deve acabar com venda de “bandecos” na ferrovia

  1. Leonardo Soares Responder

    Corretíssima a decisão da VALE em proibir esse tipo de comércio em seu trem. Haja visto que trata-se de um problema de saúde publica. As condições de higiene dessas pessoas que vedem ” bandecos” é perigosíssimo pra saúde humana, sem nenhum controle na manipulação dos alimentos, sem duvida já deveria ter sido proibido. Porém frutas, refrigerantes e água mineral, não vejo problema algum.

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