Agronegócio cresce em plena pandemia

Conjunto de fatores como desvalorização do câmbio, crescimento de demanda e safra recorde, a renda no campo subiu 37% em comparação aos demais setores da economia

Continua depois da publicidade

Brasília – A dois dias de completar 9 meses do decreto presidencial que estabeleceu que o país estava sob uma emergência sanitária de alcance mundial com a pandemia do novo coronavírus, indústria, varejo e os serviços ainda mal conseguiram se recompor do baque provocado pela paralisação da atividade em razão da covid-19, a exceção do agronegócio que comemora crescimento de quase 40% na receita obtida com a venda de grãos. Produção recorde de mais de 250 milhões de toneladas, forte demanda externa puxada pela China e outros países asiáticos, preços internacionais da soja e do milho historicamente elevados e, principalmente, a desvalorização de mais de 30% do câmbio neste ano explicam a grande injeção de recursos no campo.

“Foi o alinhamento perfeito dos astros”, diz o economista Fabio Silveira, sócio da Macrosector. Ele projetou quanto os agricultores devem embolsar neste ano. Serão R$ 347,2 bilhões com a venda das safras de soja, milho, arroz, feijão, trigo, algodão e outros grãos, levando em conta dados de produção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e preços apurados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), secretarias de agricultura e cotados na Bolsa de Cereais, entre outras fontes. É uma cifra 37,4% maior que em 2019, o maior crescimento em quase 20 anos. Só perde para 2003, quando o avanço na receita beirou 50%, também impulsionada pela desvalorização do câmbio.

Essa montanha de dinheiro se espalha pelas pequenas cidades do interior do País ligadas ao agronegócio e muda o ritmo de atividade econômica desses municípios. O movimento é mais nítido sobretudo nos estados do Paraná, Goiás e Mato Grosso, fortes na produção de soja e milho e que registraram, de acordo com o estudo da consultoria, os maiores avanços nas receitas. O Paraná foi o que mais ampliou a receita agrícola de grãos este ano, com avanço de 53,8%, seguido por Goiás (36,3%) e Mato Grosso (33,2%). Já o Rio Grande do Sul ficou na lanterna, com avanço de 3,4%, por conta da quebra na safra.

Em Ponta Grossa, que fica na região de Campos Gerais, onde estão as lavouras mais ricas do Paraná, há fila de espera de até 90 dias para comprar caminhonete zero quilômetro em pelo menos quatro concessionárias de marcas diferentes. O veículo pode custar até R$ 215 mil.

Empregos

Embora a agricultura não seja um setor que gere tantos empregos quanto o comércio e os serviços, a riqueza criada dentro da porteira se espalha, movimenta a economia dos municípios do interior do País e acaba gerando contratações em outros segmentos.

Um levantamento feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, revela que, entre os cem municípios que mais ampliaram a quantidade de postos formais de trabalho neste ano até setembro, 26 estão nos três Estados que também mais expandiram a receita agrícola na safra 2019/2020.

Em primeiro lugar, está o Paraná, com 11 cidades; depois Goiás, com 9; e Mato Grosso, com 6 municípios. O relevante é que o Paraná foi o Estado que registrou, segundo estudo da MacroSector Consultores, o maior avanço na receita de grãos este ano (53,8%), seguido por Goiás (36,3%) e Mato Grosso (33,2).

Para chegar a esse resultado, Bentes considerou o estoque de emprego formal dos municípios pela Relação Anual de Informações Sociais, do Ministério da Economia, e cruzou essas informações com os micro dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) até setembro.

Os três Estados respondem por 14% dos trabalhadores formais do País. Já entre os cem municípios que mais expandiram o emprego neste ano, essa fatia sobe para 26%.

Dólar foi fator principal

Especialistas afirmam que a desvalorização do real em relação ao dólar neste ano é o principal fator que turbinou a receita dos agricultores de grãos, cujos preços são definidos no mercado internacional. Acontece que muitos custos para produzir esses grãos – como fertilizantes, defensivos e até o diesel usado para tocar as máquinas – também estão atrelados ao câmbio. Com a alta do dólar, seria natural esperar que as despesas ficassem pressionadas, até anulando o ganho obtido com a safra. No entanto, não foi isso que aconteceu neste ano.

Um levantamento feito pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostra que os agricultores conseguiram ampliar as margens de lucro em todos os grãos, mesmo gastando mais para colocar a safra de pé. A margem bruta (lucro) da soja produzida em Cascavel (PR), por exemplo, aumentou 207% em relação a 2019 e foi o melhor resultado para a região desde que o levantamento começou a ser feito pela CNA, há mais de dez anos. Em Sorriso (MT), por sua vez, a margem da soja cresceu 37% e superou em 11% a média de três anos anteriores.

Também o milho, que tradicionalmente era uma lavoura que só pagava os custos e não sobrava muito para o produtor, teve resultado extraordinário por causa dos preços recordes. Em Cascavel (PR), a margem neste ano da segunda safra de milho foi multiplicada por seis em relação à obtida em 2019, mostra o levantamento. A margem bruta obtida com a produção de arroz, que desde a safra 2009/2010 não era suficiente para cobrir todos os custos, interrompeu em 2020 a sequência de anos ruins.

Segundo o agrônomo Fabio Carneiro, assessor técnico da CNA, o lucro bruto do agricultor aumentou porque ele tem profissionalizado a gestão. “Investiu, aumentou a produtividade, vendeu soja antecipada para travar custo e melhorou a gestão de risco”, explica.

Val-André Mutran – É correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília