TCU identifica 8.674 obras paralisadas; Região Nordeste lidera e Educação é o setor mais prejudicado

Governo precisa de R$ 27,22 bilhões para concluir o total de obras iniciadas
Ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, e governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues Souza (PT), acompanham presidente Lula em entrega de chave durante lançamento do Minha Casa, Minha Vida, em Santo Amaro (BA)

Continua depois da publicidade

Brasília – O governo federal precisa de R$ 27,22 bilhões para concluir 8.674 obras paralisadas no país. Centenas dessas obras se arrastam desde as três gestões petistas anteriores e tampouco foram concluídas nas gestões Temer (MDB) e Bolsonaro (PL). O levantamento é do Tribunal de Contas da União (TCU) e ajuda a entender porque o Estado brasileiro não consegue entregar o que é sua obrigação, seja qual for o partido da vez.

O levantamento, compilado num painel de dados a partir do ano de 2018, com diagnóstico tendo a data base de agosto de 2022, mostra obras que se arrastam desde 2007, por exemplo, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciava seu segundo mandato.

O problema não está circunscrito a regiões mais pobres, e segundo o tribunal, o mau planejamento – decorrente de projetos básicos deficientes, falta de contrapartida e falta de capacidade técnica dos executores dos empreendimentos – é visto como a principal causa de uma obra não ser concluída. “Chegou-se à conclusão de que o mau planejamento dos empreendimentos é o principal fator de paralisação de obras tanto de baixo quanto de alto valor,” afirma o órgão.

Setores

A área que possui a maior quantidade de obras paralisadas é a Educação (3.993), com escolas e creches inconclusas. Depois, vêm Infraestrutura e Mobilidade Urbana (569), com pavimentação de vias e recapeamento parados; e Esporte (480), com ampliação de campos de futebol e construção de quadras poliesportivas sem terminar.

Na sequência, vêm Turismo (449), com a construção paralisada de portais em entradas de municípios e reforma de teatros; Saneamento (407), com projetos de drenagem e de estabelecimento de água não terminados; e Saúde (289), com unidades básicas e hospitais ainda a serem concluídos.

Para especialistas em direito administrativo público, a não governança nas contratações públicas pode resultar em “desalinho entre atuação administração e interesse público”, o que no Brasil não é nenhuma novidade.

“Em administração pública, é imprescindível que haja adequado planejamento das contratações públicas. Uma administração pública que atua sem planejamento, de maneira desprofissionalizada, com improvisos, comete maiores erros e desperdiça recursos públicos escassos. Sem governança nas contratações públicas, a realidade em que temos obras paralisadas e verbas públicas mal empregadas tenderá a se perpetuar, num completo desalinho entre atuação administrativa e interesse público,” alertam especialistas no tema.

Regiões

O nordeste é a região que mais concentra construções inacabadas: 4.169, seguida do norte (1.543), sudeste (1.351), centro-oeste (847) e sul (764), ainda segundo os dados do painel do TCU.

Uma das obras paralisadas apontadas pelo TCU no setor de habitação fica em Alagoinhas, na Bahia; o valor de seu convênio é de 13 milhões. A vigência teve início em 2007, e até hoje não foi entregue. A causa da paralisação está relacionada à dificuldade financeira da empresa contratada.

O órgão cita também outra obra habitacional antiga, que teve início em 2008, em Belém, capital do estado de origem do ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho. O valor do convênio para a construção de 276 unidades habitacionais e urbanização em um residencial da cidade é de R$ 10 milhões. A vigência do contrato foi atualizada para 2024.

Na lista feita pelo TCU, há ainda construções paralisadas do governo de Dilma Rousseff (PT). Uma delas é referente às obras de produção de 150 unidades habitacionais pelo Minha Casa, Minha Vida, em Itororó, na Bahia. O início de vigência do contrato é de outubro de 2011, e deve ser concluído apenas no fim do primeiro semestre deste ano. O valor do projeto é de R$ 7 milhões. A causa do atraso está relacionada à dificuldade técnica do tomador – no caso, o Executivo. A Bahia é governada há décadas pelo PT.

Viagens pelo país

Lula iniciou uma série de viagens para diversos estados com o objetivo de retomar obras que estão paralisadas. O primeiro lançamento ocorreu na última terça-feira (14), quando o presidente foi até Santo Amaro, na Bahia, para anunciar a retomada do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. Na ocasião, entregou 2.745 unidades habitacionais, distribuídas em dois conjuntos.

Na quarta-feira (15), eçe participou da cerimônia de retomada das obras de duplicação da BR-101, em Maruim, em Sergipe.

Lava Jato x obras

A gestão de Lula tem conversado com integrantes do TCU, da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) para fazer com que ao menos 10% dos valores dos acordos de leniência firmados por empresas denunciadas por corrupção na Lava Jato sejam usados para concluir obras.

A possibilidade de utilizar parte do valor dos termos de leniência é cogitada desde a eleição do petista. Neste ano, o chefe do Executivo escalou o ministro da Casa Civil, Rui Costa – ex-governador da Bahia e licenciado do mandato de senador para assumir o comando do núcleo duro do governo –, para conduzir o processo. Ele defende a medida por entender que os recursos provenientes dos processos podem desafogar o orçamento público.

Caso a proposta avance, o governo federal pode conseguir pelo menos R$ 800 milhões para tocar obras paralisadas. Segundo a CGU, algumas das principais empreiteiras que foram alvo da Lava Jato, como UTC, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS, celebraram acordos com o poder público que chegam a R$ 8,1 bilhões.

Para o doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) Matheus Falivene, não é “interessante” envolver empresas notoriamente corruptas ou que foram condenadas por corrupção na realização de obras públicas. “A declaração do ministro tem mais uma natureza política do que propriamente factível no âmbito jurídico”, diz.

“Nos acordos de leniência, seria possível negociar [a transferência do pagamento das multas em obras públicas]. Já no caso de ação civil pública, não há previsão legal,” explica o advogado. “Assim como seria difícil obrigar as empresas a participarem da realização de obras públicas”.