“A intolerância religiosa é crime e será enfrentada com firmeza e responsabilidade pelas instituições democráticas”. É dessa forma, enfática, que a subseccional da Ordem dos Advogados do Brasil, em Parauapebas, finaliza a nota de repúdio ao prefeito Aurélio Goiano pelas “falas preconceituosas e discriminatórias, que atentam contra o princípio constitucional da laicidade do Estado e desrespeitam as religiões de matriz africana, em clara afronta à diversidade religiosa garantida pela Constituição Federal de 1988, especialmente em seu artigo 5º, inciso VI”.

Em sessão extraordinária realizada nesta quarta-feira (18), a diretoria do Conselho da instituição também aprovou, à unanimidade, que irá adotar as “medidas cabíveis” contra o prefeito. Entre essas medidas, será enviado ofício ao Ministério Público do Pará (MPPA) e à Seccional da OAB, no Estado, “para que atuem em conjunto na apuração dos fatos e responsabilização de eventuais condutas ilícitas”, informa a nota assinada pelo presidente da Seccional de Parauapebas, Guilherme de Oliveira Mello.
“Reiteramos nosso compromisso com a defesa da dignidade da pessoa humana, com o respeito à diversidade e com a promoção de uma cultura de paz e tolerância. Atos e discursos que promovam o preconceito não encontrarão silêncio ou omissão por parte desta entidade”, adverte a Ordem, que reforça: o Brasil não possui religião oficial, não podendo favorecer ou prejudicar nenhuma religião em particular.

“A OAB Parauapebas reafirma que liberdade religiosa é direito inviolável, e nenhuma autoridade pública pode, sob qualquer pretexto, propagar discursos de ódio, intolerância ou discriminação religiosa. A pluralidade de crenças e a convivência pacífica entre elas são pilares fundamentais de uma sociedade democrática e plural”, enfatiza a instituição.
Quem também manifestou repúdio a Aurélio Goiano foi a deputada estadual do Pará Lívia Duarte (PSol). Em seu Instagram, ela informou que já protocolou denúncia no Ministério Público, pedindo a apuração das responsabilidades civis e criminais do prefeito. “O papel de um gestor é cuidar da cidade e das pessoas. E cuidado passa pelo respeito”, ressalta a parlamentar. “Intolerância religiosa é crime e precisa ser tratada com o rigor que exige”, defende.
Massacre da Internet
Desde o início desta semana, ganham cada vez mais repercussão os ataques do prefeito Aurélio Goiano às religiões de matriz africana disparados, em discurso, no dia 11 deste mês, em sessão solene na Câmara Municipal de Parauapebas, para marcar o Dia Municipal do Evangélico.
Blogs e portais do Pará e de outros Estados destacam as declarações ofensivas do gestor municipal, responsável por criar o Departamento de Atendimento Religioso de Parauapebas (Darp), onde evangélicos e católicos são “muito bem-vindos” enquanto seguidores de religiões afros terão que passar por um pastor “matador de demônio”.
Nos comentários das matérias e postagens na Internet sobre o caso, uma enxurrada de críticas é feita a Aurélio Goiano, que até esta quinta-feira (19) ainda não havia se retratado publicamente, conforme exigido pela Câmara Municipal de Parauapebas em mais uma nota de repúdio ao gestor.
Exigência também feita pela Federação Espírita Umbandista dos Cultos Afros Brasileiros do Estado do Pará (Feucabep). “Quero saber o que a Justiça vai fazer porque isso aí é crime. Contra crime não se retrata, se pune”, diz um internauta no Instagram do Instituto Luiz Gama.
No Legislativo
Na sessão ordinária da Câmara da última terça-feira (17), o líder do Governo na Casa, vereador Léo Márcio (SD) afirmou, da tribuna, que até a filha dele de 8 anos de idade “sabe que isso é crime”. O comentário se deu em meio a várias manifestações de repúdio às falas de Aurélio Goiano.
Do outro lado, lideranças e representantes das religiões de matriz afro em Parauapebas acompanhavam o posicionamento dos vereadores. Algumas manifestações parlamentares foram tímidas. Outras, porém, mais enfáticas, também com repúdio a Goiano. “Não é pelo fato de ser evangélica que a gente deve destilar o ódio, destilar o crime. Porque realmente é um crime”, atestou a vereadora Érica Ribeiro (PSDB).
Ao se solidarizar com os povos de religião afro, a vereadora Graciele Brito (União) pontuou a ancestralidade dos povos afros. “A gente sabe da importância das nossas origens. Vocês trazem isso à tona quando vêm aqui, e a gente faz a reflexão sobre como devemos conduzir as relações, construir as relações: com respeito, para que a gente possa humanamente evoluir”.
Para a vereadora Maquivalda Barros (PDT), as falas de Aurélio Goiano foram “desastrosas, antidemocráticas, racistas e fora da postura que se espera do chefe do Executivo”. Na avaliação do vereador Zé do Bode (União), o prefeito perdeu a oportunidade de celebrar a fé, pregar o respeito e a união numa solenidade religiosa. “Em vez de promover a união entre os povos de fé, optou por atacar membros de uma religião, e isso gerou mal-estar em nossa cidade”, lamentou o parlamentar.
O vereador Fred Sanção (PL) avisou Aurélio Goiano de que “não é seu papel” usar a agressividade “para atacar ou interpelar alguém”. E cobrou explicações do prefeito. “Prefeito, esse povo está aqui hoje para querer resposta sua, e ela tem que ser dada”. Para o vereador Tito do MST (PT), Goiano precisa entender “que é prefeito de todo o município” e que no Brasil “cabe todos nós, independente de cor, raça, religião”.
Os vereadores Michel Carteiro (PV) e Sadisvan (PRD), que participaram da solenidade em homenagem aos evangélicos, se solidarizaram com os povos das religiões afros, assim como Léo Márcio, Francisco Eloécio (PSDB), Sargento Nogueira (Avante) e Alex Ohana (PDT).
Texto e fotos: Hanny Amoras (Jornalista – MTb/1.294)