Missão de mexer na Lei de Execução Penal é difícil, mas necessária

É o que diz o defensor público José Arruda, coordenador da Comissão de Estudos que irá propor mudanças que irão ajudar a enfrentar problemas do sistema penal no Pará.

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É complexa e “espinhosa” a missão de criar normas para que a Lei de Execução Penal (LEP) seja, de fato, colocada em prática no Pará em conformidade com as peculiaridades penais no Estado. Mas é uma missão da qual o governo e o parlamento não podem mais fugir se não quiserem enfrentar problemas ainda mais graves no sistema penal e penitenciário.

Contudo, para que a execução penal avance no Pará é preciso a junção de forças de todos os agentes do sistema penal, inclusive do Judiciário. É o que diz o defensor público José Arruda em entrevista concedida à jornalista Hanny Amoras, correspondente do Blog do Zé Dudu, em Belém. Acompanhe:

Blog: Com que a comissão vai contribuir para a mudança na Lei de Execução Penal, no Pará?

José Arruda: Vai suprir lacunas, uniformizar procedimentos, viabilizar para o legislador uma maior efetividade das normas que regem o direito penitenciário, o direito da execução da pena, para que a gente deixe de ter normatividades fragmentadas e termos um documento legislativo formal, com força de lei, para que, assim, possa melhor ser viabilizado e concretizado, na prática, do dia a dia do sistema.

Blog: Qual o maior problema que o sr. vê hoje nessa lei?

Arruda: A Lei de Execução Penal é uma lei federal. E ela remete para os Estados a complementação dela. Por exemplo, a Lei de Execução Penal diz o que é uma falta grave, mas não diz o que é uma falta média e leve. É o legislador estadual que tem que dizer isso. Há uma série de questões ligadas ao direito penitenciário que é uma situação local, e que, por ser uma situação peculiar de cada local, o legislador é que tem que produzir uma norma que será obedecida.

Blog: Essa crise penitenciária no Pará mostrou que a Lei de Execução Penal, conforme denúncias feitas pelos Direitos Humanos e pela Defensoria, não vem sendo cumprida, em grande parte, aqui no Estado. A que se deve esse descumprimento?

Arruda: A Lei de Execução Penal, como é federal e vale em todo o território nacional, tem muitos dispositivos. E grande parte desses dispositivos não se consegue efetivar na prática. Existem peculiaridades locais que não estão contempladas lá. Então, é preciso uma legislação estadual, que possa suprir essas lacunas, que possa compreender a problemática local e, assim, dar o remédio certo para as questões penitenciárias no Estado.

Blog: Mas, salvo engano, a LEP é de 1983 …

Arruda: Ela é de 1984. É anterior à Constituição de 88. Então, tem que ser interpretada conforme a Constituição. Tem dispositivos que não foram recepcionados pela Constituição. Portanto, uma legislação mais moderna, mais atual, compatível com a Constituição de 88 e com a própria Constituição do Estado, vai ter um reflexo muito mais importante e vai dar mais segurança jurídica para essas relações aqui no Pará.

Blog: Pois é. E sendo de 84 não se levou muito tempo para se compreender que era necessário fazer uma reforma nessa lei?

Arruda: Então, nesta lei de lá pra cá aconteceram algumas reformas pontuais. Aqui e ali uma inovação legislativa que, digamos assim, atualizou alguns pontos da Lei de Execução Penal. Foi feita por portaria, por regimento, por decreto, mas nunca por obra do legislador. E a Lei de Execução Penal precisa ser complementada por uma legislação do Estado que possa exatamente, olhando suas questões locais, combater as questões da criminalidade, dar apoio ao egresso, dizer como deve funcionar o direito penitenciário, ou seja, o funcionamento dos estabelecimentos prisionais no Estado, o que não existe ainda.

Blog: Com essa arrumação na lei, digamos assim, o sr. acredita que vai melhorar o sistema?

Arruda: Sempre que a gente tem uma legislação mais moderna e mais compatível com a realidade, que tem uma promessa que possa ser exequível, a gente acredita que pode melhorar, e muito, porque hoje nós temos a deficiência normativa. Muitas vezes – e isso não é uma crítica, mas uma constatação -, o direito penitenciário local é normatizado por meio de portarias, muito fragmentadas, muito ocasionais, muito circunstanciais. De acordo com que o problema vai surgindo, vai se fazendo portarias para tentar se resolver aquele problema. Quando você tem uma lei discutida, debatida com todos os agentes, com todos os atores do sistema de política criminal, do sistema prisional, você tem condições de ter ali um produto mais, digamos assim, com o qual todos tenham se comprometido e o conheçam, o que pode dar resultados mais favoráveis.

Blog: O sr. falou na reunião de instalação da comissão que esse é um assunto, um debate espinhoso, complexo. Por quê?

Arruda: Porque a execução da pena é uma atividade mista, é uma atividade eclética que envolve a parte administrativa da pena, feita pelo Executivo, e uma parte judicial, feita pelo Judiciário. Então aí temos que fazer esse encontro, essa interligação. Por isso que nessa comissão participam membros do Judiciário, do Executivo, do Ministério Público, da Defensoria Pública, a advocacia. E todos esses atores vão colocar as suas problemáticas e tentar chegar a um consenso de maneira que possa ser, de fato, elaborada.

Blog: De fato, ainda ontem o Conselho Nacional de Justiça publicou o relatório “Justiça em Números”, que mostra que a lentidão no julgamento é um problema em nível nacional e não apenas no Pará. E aqui no Estado os processos penais estão levando mais de três anos para serem baixados, decididos. Isso dificulta a Lei de Execução Penal?

Arruda: Sim, dificulta, porque isso favorece o inchaço do sistema. Se nós conseguíssemos fazer um trabalho mais otimizado, derrubaríamos essa população carcerária e o Estado teria mais controle sobre a população carcerária. E aí viriam as normas, as mais modernas formas de gestão prisional, a tornozeleira eletrônica, o uso de tecnologias novas capazes de, um lado, resolver o problema, e, de outro, desafogar o sistema, que não se consegue realizar nem se consegue efetivar a lei porque com a população existente fica inviável.

Blog: Esse requerimento para a criação dessa comissão foi aprovado em abril, ou seja, antes do massacre dos presos em Altamira e que revelou essa crise penitenciária gigante no Pará. Quando o sr. fez essa proposta de criar a comissão ao deputado Chicão já estava prevendo esse boom no sistema penitenciário?

Arruda: Estudando o sistema já há alguns anos a gente percebia a cada momento que a situação ia se agravando, que era preciso a normatividade produzida pelo legislador, que pudesse, de fato, minimizar, ter um olhar a um futuro capaz de, a curto, médio e longo prazos, conseguisse melhorar o sistema. Então, a preocupação já existia e acabaram se concretizandoessas questões que hoje estamos vivenciando no Pará e no Brasil, né?!