É o que Remy chama do tradicional conflito entre as áreas de humanas e exatas. Mas uma coisa eles têm definido: quem disse que crise é de todo mal? De volta ao comando do grupo, após a saída do executivo Marco Antonio Bologna, em dezembro do ano passado, os empresários aproveitam o momento de turbulência no mercado mundial para reavaliar os planos de expansão. Atuando em um setor que depende de crédito, a WTorre não está passando incólume pela turbulência internacional.
Só em seu braço imobiliário, a empresa reduziu a meta de investimentos para 2009, em novos empreendimentos comerciais, para algo em torno de R$ 390 milhões, a metade do que planejava antes da chegada da crise. Para isso, a companhia vai utilizar só 8% de seus estoques. Em contrapartida, guarda a sete chaves um novo projeto, o Roda Brasil, que prevê grandes investimentos no setor de habitação com objetivo de gerar empregos e, segundo Walter Torre, “fazer a economia girar”.
A empresa quer mostrar que não deixou de ser uma incubadora de negócios, assim como no começo da parceria dos empresários, e que trouxe ao mercado inovações como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), o sistema Til Up, no qual as paredes são moldadas em concreto na posição horizontal no próprio local de construção, reduzindo o custo e o tempo da obra, e mesmo a empresa Guanandi, que é um modelo diferenciado de construir bairros para classe baixa.
Gazeta Mercantil – Como foi iniciada a sociedade?
Walter Torre – Um amigo em comum nos apresentou e decidimos fazer uma empresa de novos negócios juntos. Em 2004, entramos na área de tecnologia de mobile payment e cosméticos. Acabei convidando o Paulo para ser meu sócio na WTorre. O casamento já dura quatro anos.
Paulo Remy – Criamos uma incubadora de negócios a partir de uma empresa que já existia e da qual sou acionista minoritário. E vou continuar sendo por mais uns 100 anos.
Gazeta Mercantil – Esse casamento tem muitas turbulências?
PR – Sou administrador de empresas, o Walter é engenheiro. Nesse aspecto a gente discute um pouco, o tradicional conflito entre as áreas exatas e humanas.
Gazeta Mercantil – O que mudou nos negócios da empresa nestes quatro anos?
WT – Decidimos focar, com bastante inovação, em engenharia.
PR- Hoje nossos três grandes negócios são títulos imobiliários, engenharia e infra-estrutura.
Gazeta Mercantil – No setor financeiro, qual pode ser considerada a principal inovação da empresa?
WT – Somos pioneiros em CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários). Começamos a fazer locação e muitos clientes nos pediam imóveis customizados. Tínhamos dinheiro para fazer um ou dois, mas não o suficiente para atender a demanda. Começamos a analisar o fato de que o Brasil não tinha crédito de longo prazo e a única alternativa para atender esses clientes seria tentar trazer os recebíveis para o valor presente. Para isso, foi preciso criar uma nova ferramenta contratual, que desse garantia ao investidor. Isso nos permitiu criar um recebível seguro, que fez muito sucesso. No fim, os próprios bancos, que nos ajudaram a lançar os CRIs, acabaram “encarteirando” os papéis, o que tornou incompleta a nossa idéia de ter um papel que fosse ao mercado.
PR- Ainda hoje praticamente não existe um mercado secundário de CRIs no Brasil. É só uma dívida subordinada ao mercado secundário de locação.
Gazeta Mercantil – Qual é a ligação da WTorre com o mercado financeiro?
WT- O nosso segmento de engenharia está ligado ao capital de longo prazo. Precisamos de engenharia financeira para viabilizar a engenharia civil. Todos os nossos negócios têm uma engenharia financeira por trás para viabilizar os negócios.
Gazeta Mercantil – Mesmo assim, a empresa decidiu cancelar a oferta pública de ações em 2007 (IPO, na sigla em inglês). Por quê?
WT – A imprensa nos criticou quando suspendemos o IPO. Mas fizemos uma demonstração de força, de que não precisávamos lançar ações porque tínhamos caixa. A imprensa entendeu errado, que era a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que não tinha autorizado, o que não era verdade.
PR – Foi simplesmente uma questão de valor e preço.
Gazeta Mercantil – O que não deu certo?
WT – Estávamos sendo avaliados pelos analistas dos bancos como uma incorporadora e a única coisa que fazíamos igual era mexer com terra, cimento e aço. Na verdade, não temos nada a ver com incorporadoras e os analistas não conseguiram enxergar. O problema é que no Brasil não há um negócio como o nosso, em que a empresa, além de fazer a operação de “real state”, também constrói o imóvel. Em outros locais do mundo, isso é muito mais comum.
PR – Somos uma empresa patrimonial com uma geração de renda de longo prazo. Não dá para comparar com uma incorporadora que vive da margem da venda que ela apura. Além do nosso patrimônio, em torno de R$ 600 milhões, temos um ativo fixo em mais de R$ 2 bilhões.
Gazeta Mercantil – Qual foi a alternativa encontrada pela companhia para se manter capitalizada?
PR – Não paramos em absolutamente nada o investimento da companhia, nossa saída foi colocar bônus no mercado. E mais uma vez, fomos uma das primeiras empresas a utilizar este modelo no Brasil.
WT – Criamos uma linha alternativa, porque os bônus são conversíveis, o que também foi uma inovação.
Gazeta Mercantil – Por que conversões, como a que foi feita pelo Santander, geraram tanta polêmica?
WT – Quem inova sempre tem que pagar o preço da inovação. O problema é que o mercado achou que era dívida.
PR – Havia uma dívida atrelada a uma taxa de juros, abaixo do mercado, que tinha um bônus de subscrição de prêmio que foi convertido em agosto e setembro de 2008 pelos bancos. Foi uma forma que encontramos de fazer uma captação. Como também fizemos uma dívida de longo prazo, de R$ 380 milhões que lançamos para a compra do prédio da Eletropaulo. Mesmo sem ter feito o IPO, captamos quase R$ 1 bilhão.
Gazeta Mercantil – Qual a vantagem desse tipo de captação? Ela é segura?
PR – Sempre fomos muito audaciosos, o Walter é mais audacioso do que eu, especialmente quando está diante de um projeto, mas na parte de estruturação financeira somos conservadores. É só ver em nosso balanço, nosso endividamento é todo estruturado, de longo prazo. Temos CRIs emitidos para até 15 anos. E com um grande controle de risco. Cada projeto é uma SPE (Sociedade de Propósito Específico), blindada. São os próprios ativos que suportam a dívida, não é uma dívida corporativa, um projeto não contamina o outro.
WT – Essa é a grande qualidade do nosso negócio. Em geral, no mercado imobiliário, as dívidas são corporativas.
Gazeta Mercantil – Há quatro anos, a empresa lançou um plano estratégico para 2010. Como está o cumprimento das metas?
PR – Superamos todas as metas já no início de 2008. Nosso plano era ser líder no mercado de “commercial properties” (edifícios comerciais) e hoje somos, seja por metro quadrado, seja por receita. Também tínhamos como objetivo diversificar nossas operações. Naquele momento tínhamos 90% do negócio focado em engenharia e construção de edifícios comerciais, e já consolidamos nossa entrada no mercado de residências de baixo custo, com a Guanandi. Tínhamos como meta participarmos mais em infra-estrutura e vencemos duas licitações de rodovias, com a BRVias, empresa na qual temos 1/3 de participação. Também queríamos entrar no segmento de navios e já começamos a construção do maior dique seco no Rio Grande do Sul.
Gazeta Mercantil – Qual era a meta para o faturamento?
PR – Queríamos chegar em 2010 faturando R$ 1 bilhão e já batemos este valor em 2007.
Gazeta Mercantil – E quanto aos planos de internacionalização?
WT – Nosso objetivo era iniciar um processo de internacionalização, já tínhamos negócios no México e Colômbia e conseguimos expandir para os Emirados Árabes. Mas com a crise, vamos concentrar nossos esforços no Brasil.
Gazeta Mercantil – Os planos de investir em infra-estrutura continuam de pé?
WT – Continuamos investindo em infra-estrutura, isso significa ter recursos a longo prazo, com taxas decentes. E isso é uma coisa que temos absoluta certeza que não existe neste momento. Por isso, a infra-estrutura esta muito prejudicada, e no Brasil isso é mais sério ainda, porque estávamos vivendo um momento extremamente dependente desse setor. Mas agora a iniciativa privada não vai ter estrutura e fôlego para fazer o que é preciso.
PR – Vivemos um momento em que as regulamentações na área de infra-estrutura estão saindo, mas é tarde. Tinham que ter saído há uns quatro anos, quando ainda existia liquidez.
Gazeta Mercantil – Qual a solução?
WT O governo, através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ) ou mesmo do Banco do Brasil, fazer o papel de agente financiador.
PR – E não pode demorar muito, porque se a gente ficar discutindo o modelo de portos, saneamento e aeroportos, nada sai do papel. O problema da infra-estrutura é regulação, por isso as rodovias estão sendo beneficiadas, porque elas foram as primeiras que tiveram regulação.
Gazeta Mercantil – Já foram definidos os planos para os próximos anos?
PR – Durante o mês de outubro íamos fazer a revisão, mas em virtude dessa “marola”, demos uma segurada no plano de longo prazo.
Gazeta Mercantil – Como os senhores avaliam a situação do Brasil em meio à crise?
WT – Acho que o Brasil precisa que a gente se dedique profundamente para gerar benefícios e serviços, para que a roda gire e a gente consiga passar um pouquinho ao largo da crise, só um pouquinho. Aprendemos a andar com o que tínhamos. Hoje, o Brasil está faturando mais, a população esta numa idade mais produtiva, temos crédito de 30 anos. Só não podemos colocar tudo isso a perder, temos que tirar partido disso.
PR – O Brasil está numa situação muito melhor do que ele sempre se encontrou, e isso pode gerar uma certa ilusão de que estamos melhores. Nós sempre estivemos com dívida externa, alta inflação, taxa de juros, déficit fiscal, essa era a nossa receita. Hoje temos reserva externa, temos superávit fiscal, temos uma inflação controlada, mas isso não quer dizer que estamos imunes, só mais preparados para enfrentá-la.
Gazeta Mercantil – O que deve ser feito para não colocar tudo a perder?
WT – Temos que ter uma parcela de amor à pátria que precisa ser cultivada pelos banqueiros também.
PR – O crédito é o fator motriz de nossa economia, sem crédito nossa economia vai parar. Não dá para o governo emprestar ao banco e isso não voltar para o mercado.
Gazeta Mercantil – E o que a WTorre pretende fazer para não colocar tudo a perder?
WT – Estamos desenvolvendo um projeto chamado Roda Brasil, que é, literalmente, fazer o Brasil não parar. Vamos gerar serviço e vamos fazer bastante coisa nova, especialmente em habitação popular.
PR – Ainda estamos desenhando, dentro da nossa visão de sermos audaciosos e inovadores, como fizemos em vários momentos, quando trouxemos os CRIs, o sistema Til Up, e mesmo a própria Guanandi, que é um modelo inovador de construir bairros. Tudo surgiu em momentos de crise. Estamos trabalhando num projeto que tem a seguinte filosofia: precisamos trabalhar conosco, por nós e com o que temos. O Walter acredita, e eu também, que um dos grandes motores de nossa economia é a construção civil. Estamos vendo algo que possa colaborar para que a construção civil participe ainda mais. O que vai ser? Preferimos apresentar a coisa concreta. Para gente ser ultrapassado, basta ficar parado, por isso precisamos nos mexer.
Gazeta Mercantil – Como a crise afetou os negócios da WTorre?
WT – A gente sente que, nos projetos em fase de orçamento, a maioria dos clientes pediu para dar um tempo, para retardar o processo de decisão. Isso nos mostra um momento muito delicado, a indústria está dando uma freada.
Gazeta Mercantil – O grupo prevê demissões?
WT – Temos uma carteira de obras bastante forte até o meio deste ano. A mão-de-obra que estávamos preparando para novas obras, que os clientes estão pedindo para adiar, já estamos realocando.
Gazeta Mercantil – É um momento ruim para a companhia?
WT – Não, na verdade, é ruim falar que esta parada é boa para uma empresa como a nossa, que está crescendo a um ritmo acelerado, mas é um tempo para corrigir desvios de rota e conseguirmos ver o que estamos em excesso. Até adiamos nossa mudança de endereço da sede. Íamos para um prédio nosso na marginal do Pinheiro, um edifício dentro da nossa linguagem moderna de escritórios. Agora, vamos esperar mais um pouco.
PR – Nos já tínhamos programado um processo de revisão, só que agora vamos aumentar ou não a dose do aperto, em virtude das perspectivas. Mas estamos nos preparando para continuar sonhando e sermos audaciosos, dentro das novas regras dessa nova economia. Obviamente, sabemos qu
e vamos ter que usar mais a inteligência, a criatividade e o jogo de cintura para poder atingir nossos objetivos. E temos feito coisas bastante inovadoras.
Gazeta Mercantil – Por exemplo?
WT – Vamos lançar um shopping em Parauapebas, e para entender onde fica, digamos que o empreendimento é cercado com telas para que as onças não entrem. Fica a mil quilômetros de Belém (PA). Estamos fazendo, com a Guanandi, um projeto com 18 mil casas, uma Pasárgada, a cidade dos sonhos, com tudo o que aprendemos que é o ideal para se viver socialmente bem. Um lugar perfeito para fazer um teste do que queremos implantar em todo o Brasil. É um projeto piloto no lugar mais difícil possível.
PR – É uma cidade de 130 mil habitantes que terá 200 mil habitantes, bem no meio da Amazônia.
Gazeta Mercantil – A busca de sócios ainda é um opção para se capitalizar em momentos de crise?
PR – Temos várias parcerias com outros grupos, como o espanhol Santander. E continuamos a ser procurados por fundos internacionais. Temos uma filosofia de ter sócios, mas temos que adequar Nós apostamos muito no que temos, então as pechinchas estão fora de cogitação.
WT – Nós somos exigentes, valorizamos o nosso produto. Nós sabemos que somos únicos no que temos e o quão difícil foi montar. No segmento de óleo e gás, por exemplo, não é difícil encontrar um sócio. Mas hoje estamos necessitando de um parceiro em tecnologia, porque nossa expertise concentra-se na parte de construção civil e engenharia e agora é chegada a hora de trazer alguém que traga expertise naval.
Gazeta Mercantil – E quanto à abertura de capital?Ela volta a ser uma possibilidade?
PR – Se quiséssemos abrir capital, poderíamos, mas não vamos. Somos audaciosos, mas não loucos. Mas seguimos todos os padrões de governança e muita da nossa estrutura está de acordo com o padrão do novo mercado da Bovespa. Embora não sejamos listados, publicamos balanço, fato relevante, temos conselho fiscal, conselho de administração, certificação, nossas empresas são auditadas pela KPMG e a holding pela Deloitte Touche Tohmatsu.
WT – A gente acha que só vai voltar a ter uma outra onda (de IPOs) nos próximos dois, três anos. Por enquanto, nosso trabalho é se concentrar para fazer com que a roda gire.
Fonte: Gazeta Mercantil / Regiane de Oliveira
2 comentários em “ENTREVISTA COM WALTER TORRE E PAULO REMY – GRUPO WTORRE”
Muito útil, obrigado. Eu acho que você deve manter um olho em salas de dados virtuais se você quiser proteger os dados confidenciais da sua empresa.
Aprendi muito