BRASIL VENDE FERRO À CHINA E IMPORTA TRILHOS

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Porto de Itaqui, Maranhão.
O navio cansado da marcha de quase um mês se aproxima manso do cais. Dentro, uma encomenda muito aguardada: trilhos de trem produzidos a 16.500 quilômetros de distância, na China. Mais da metade dos trilhos usados no Brasil sai de siderúrgicas chinesas. O resto, do Leste Europeu.
A ironia é que essa história começa aqui. Antes der entregar ao Brasil trilho a US$ 850 a tonelada, os chineses buscam, em Itaqui e em outros terminais da costa, a matéria-prima fundamental, o minério de ferro. Para cada tonelada de trilho entregue, as siderúrgicas chinesas precisam levar de 1,7 a 1,8 tonelada de ferro, volume que rende entre US$ 136 e US$ 144. A diferença? É o custo do atual desprezo do país por esse mercado.
O aparente desinteresse brasileiro em não agregar valor ao próprio minério de ferro para abastecer a crescente demanda interna por trilhos custa ao país entre US$ 706 e US$ 714 por tonelada de trilho assentado em velhas e novas ferrovias. O custo é algo como US$ 135 milhões para a demanda deste ano e US$ 264 milhões para os volumes previstos de compra em 2009, quando as encomendas devem atingir um recorde. O passeio global do minério brasileiro supera os 30 mil quilômetros, uma situação que começa a despertar nas rodas empresariais uma questão: afinal, por que não produzimos trilhos no Brasil? A exemplo do café, vendido em sacas para ganhar marca na Alemanha, ou do suco de laranja, exportado a granel para ser envasado em países desenvolvidos, o minério de ferro é mais um caso de oportunidade não aproveitada.
O Brasil vai duplicar a demanda nacional por trilhos de trem a partir de 2009, quando as estimativas da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) apontam para a importação de 370 mil toneladas, ante as 190 mil toneladas que serão compradas neste ano. Tudo isso produzido -como é de supor- com o ferro retirado da serra de Carajás, no Pará, ou do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais.Mais demandaProjeções do setor ferroviário apontam para um cenário ainda mais promissor, com encomendas de 400 mil toneladas de trilhos a partir de 2010, patamar que será mantido, ao menos, até 2012. Há perspectivas reais para que parte da economia brasileira caminhe rumo às estradas de ferro.
O país tem hoje 29 mil quilômetros de linhas, vai para 31 mil quilômetros até 2010 (horizonte do PAC), sobe a 36 mil quilômetros com o retorno da estatal Valec aos projetos e estima bater os 52 mil quilômetros em 2025, quando o PNLT (Plano Nacional de Logística e Transporte) virar realidade. Norte-Sul, Transnordestina, duplicação da Estrada da Ferro Carajás são alguns dos negócios que embalam a demanda.Essas projeções consideram só o transporte ferroviário de carga, excluídos os projetos para transporte de passageiro, como o trem-bala entre São Paulo e Rio.Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da ANTF, considera essa projeção de demanda o primeiro sinal para a indústria siderúrgica nacional se mexer.”Claro que nenhum projeto siderúrgico ficará pronto para atender a esses volumes que vamos comprar. Essa necessidade ainda será abastecida com importações, mas é hora de o governo federal dar garantias de que o ciclo de desenvolvimento do setor ferroviário vai continuar para além de 2012. Isso dará segurança para investimentos aqui”, diz Vilaça.As condições tributárias não devem ser obstáculo. A ANTF tem o compromisso do governo de que as condições de isonomia com os importados serão dadas em caso de produção local.
Hoje, a importação de trilhos é isenta de tributos, o que reduziu o custo de compra em 34%. “O preço por tonelada é de US$ 850, já foi de US$ 1.140.” Câmbio.Para o economista Marcelo Pinho, professor do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) -especialista em siderurgia-, encomendas ao ritmo de 400 mil toneladas ainda não justificam a produção local. A questão, segundo ele, ainda é a manutenção de escalas nesse patamar por longo período.O setor até pode pensar em exportações, mas o câmbio atual, que torna a importação tão mais competitiva, é um fator negativo ante a perspectiva de ancorar um projeto siderúrgico para produção de trilhos em vendas internas e externas.
O IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia), que reúne os produtores de aço, ainda aguarda mais sinais de que o país realmente tenha entrado num novo ciclo de investimento no setor ferroviário. A preocupação ainda é a segurança acerca de um tratamento tributário isonômico e volume capaz de dar escala de produção.”Até agora o governo não veio ao setor dar essa garantia, como fez a Petrobras no programa de exploração em águas ultraprofundas, quando indicou com segurança encomendas consistentes para o setor naval”, diz Marco Polo de Mello Lopes, vice-presidente-executivo do IBS. O setor reconhece que a atual demanda de 400 mil toneladas já significa “volume representativo”.Mesmo assim, não há perspectiva diferente da atual situação de exportação de matéria-prima e compra de produto acabado, ainda que a retomada dos investimentos ferroviários já tenha sido capaz de revigorar a produção local de equipamentos muito mais sofisticados do que o trilho, como vagões e até locomotivas.

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