O que era para ser uma solenidade marcada por mensagens de amor ao próximo, conforme preceituam os ensinamentos cristãos, foi manchada por ataques do prefeito Aurélio Goiano às religiões de matriz africana. Foi na noite da última quinta-feira (12), durante a sessão solene realizada em homenagem ao Dia Municipal do Evangélico, no plenário da Câmara Municipal de Parauapebas.

Em seu discurso, Goiano alegou, primeiro, que tem sido perseguido por seguidores de religião de matriz africana e que o nome dele teria sido colocado “na boca do sapo”. “Não parem de orar, por favor, pela minha vida. Não parem de orar por este governo porque foi Deus quem me colocou nesta cidade,” apelou o prefeito. “Eu vi um cidadão dizendo que eu sou o prefeito mais intolerante do Brasil”, contestou o gestor municipal.
E é exatamente o que se observa na gravação da sessão solene, disponível no YouTube. Ao falar do Departamento de Assuntos Religiosos de Parauapebas (Darp), criado por Goiano e comandado exclusivamente por pastores evangélicos, o prefeito usou tom discriminatório ao dizer que as portas do departamento também estão abertas para umbandistas, candomblecistas e outros grupos de religião afro.
“Um pastor irá recebê-los e ainda vai dizer: ‘Jesus salva, Jesus cura. E se liga para não ir pro inferno,” esbravejou o gestor municipal, para avisar que o Darp é coordenado por um “matador de demônio” – no caso, o pastor José Gerardo. “Vocês aí de outras religiões, o pastor Gerardo – esse matador de demônio – está para te receber. E aos evangélicos e católicos sejam muito bem-vindos”, disse Aurélio Goiano.
Ao tomar conhecimento do discurso do prefeito, a resposta da Federação Espírita Umbandista dos Cultos Afros Brasileiros do Estado do Pará (Feucabep) foi imediata. Em nota, manifestou repúdio às declarações de Aurélio por crimes de racismo religioso e exigiu retratação pública do gestor municipal, mesma exigência feita pela CMP, em nota oficial publicada no site da Casa.
Um boletim de ocorrência foi feito contra o prefeito, o Ministério Público do Pará (MPPA) foi acionado bem como o Ministério da Igualdade Racial. Na sexta-feira (16), a promotora de Justiça Magdalena Jaguar, titular da 7ª Promotoria Criminal em Parauapebas, encaminhou ofício ao diretor da Polícia Civil no município, delegado João Abel Matos, solicitando diligências para apurar a veracidade dos fatos.
Crimes, manifestações e cobranças
“Queremos que ele [Goiano] responda criminalmente”, frisa Mãe Vanessa de Oxum, representante da federação na região de Carajás, onde legalmente existem 287 terreiros de umbanda, de candomblé, quimbanda e outras matrizes da religião afro. Indignação, revolta, tristeza são os sentimentos manifestados pelo movimento, que nesta terça-feira (17) irá à sessão da Câmara cobrar providências dos vereadores.

“A Casa Legislativa não pode ser palanque de intolerância. O serviço público não pode ser instrumento de perseguição religiosa. O gestor que usa do poder para criminalizar religião está cometendo crime e deve ser responsabilizado,” defende Vanessa de Oxum.
Aurélio Goiano infringiu não apenas o artigo 5º da Constituição Federal, que exige das autoridades públicas neutralidade religiosa, proteção à diversidade de crenças e respeito à liberdade de culto; o prefeito também contrariou a Lei Federal nº 7.716/89 (Lei Antirracismo), que, em seu artigo 20, fixa reclusão de um a três anos mais multa para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação, ou preconceito de religião. A pena pode ser aumentada em um terço se praticada por funcionário público no exercício de suas funções.

E esta não seria a primeira vez que Goiano atacou membros das religiões de matriz africana. Quando apresentador de TV e radialista, ele também era criticado por sua postura avessa a outras crenças. Desta vez, afirma Vanessa de Oxum, a federação não deixará passar em branco. “Fico indignada com essa postura do líder de um povo. Ele não tem direito, principalmente como gestor do município, de humilhar, de ferir nossa honra, nossa dignidade, nossa ancestralidade,” protesta ela, para quem posturas como a de Aurélio Goiano representam riscos para terreiros e tendas.
“Imagina a gente abrir a nossa casa e ser apedrejado, sofrer esse tipo de ódio, de violência,” preocupa-se a umbandista. Em suas redes sociais, ela manifestou repúdio às falas do prefeito: “As religiões de matriz africana não precisam ser curadas. Nossos rituais não são demônios a serem combatidos. O povo do axé não precisa de salvação, ele precisa de respeito. O que vimos foi o uso da fé de alguns para atacar a fé dos outros. Foi instrumentalização do Estado para impor uma religião oficial em total desrespeito à laicidade do Brasil”.
Como representante da federação, Mãe Vanessa aproveita para mandar um recado a Aurélio Goiano: “Enquanto houver um terreiro, prefeito, de pé, haverá resistência. E o povo do axé seguirá de cabeça erguida, exigindo respeito, dignidade e justiça”.
Texto: Hanny Amoras (Jornalista – MTb/PA 1.294)
4 comentários em “Aurélio pode responder criminalmente por ataque a religiões afros”
Com tantos problemas na cidade para resolver e o cara vai se meter em confusão desnecessária.
A intolerância religiosa fere um dos direitos humanos mais fundamentais: a liberdade de crença. Em uma sociedade verdadeiramente justa, é essencial que todas as religiões ou a escolha de não ter religião sejam respeitadas.
Combater a intolerância e construir um mundo onde a fé de cada um seja motivo de orgulho e não de exclusão.
Agora tudo virou religião, mais entrar no reino de Deus é outra história.
Se formos falar por este lado, a nossa religião é ancestral, veio muito antes do cristianismo. Mas o foco aqui é a falta de respeito e o racismo religioso pregado por um homem que se diz uma “ovelha de Deus” em um local publico, em um país laico. Portanto, observe e aprenda antes de comentar balela e alienação. Abraços!