Depois de dois anos e meio, a aposta é que haverá novo prazo para FPE

Continua depois da publicidade

Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

O que vai acontecer se até 31 de dezembro deste ano o Congresso não definir os novos critérios de rateio do dinheiro do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE)? A União terá que cumprir decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e deixar de realizar as transferências desses recursos, com consequências gravíssimas para as finanças estaduais e mesmo municipais, pois com a queda da receita dos Estados alguns serviços oferecidos pelas prefeituras também serão afetados.

Com um cenário assim tão dramático no horizonte, espanta o fato de que os governadores não estejam preocupados, pressionando senadores e deputados para que aprovem logo a lei complementar que definirá os critérios de repartição do FPE. A verdade é que não há, no Senado e na Câmara, uma discussão sistematizada sobre o tema, embora estejam tramitando 18 projetos tratando do assunto.

“Estamos a menos de três meses do abismo fiscal dos Estados dependentes de FPE e ninguém está se mobilizando, discutindo alternativas de critérios, examinando os projetos, pressionando o Congresso para votar a matéria”, observa o economista José Roberto Afonso, especialista em questões tributárias. Ele acha curioso que os governadores estejam mais preocupados com a possível adoção pelo STF da súmula vinculante 69 sobre a guerra fiscal – que suspenderá imediatamente todos os incentivos fiscais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) concedidos sem autorização prévia do Conselho Nacional de Política Fiscal (Confaz).

Não há pressão dos governadores para lei ser aprovada

A única iniciativa tomada pelo presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), foi criar uma comissão de notáveis para discutir questões relacionadas ao pacto federativo, entre elas o novo FPE. As propostas dessa comissão estão prontas há 15 dias, mas até hoje não foram apresentadas. Nos bastidores, é atribuída também a Sarney e a outros parlamentares tratativas com o STF para que o prazo de mudança do FPE seja prorrogado.

Em fevereiro de 2010, o Supremo Tribunal considerou inconstitucional o artigo 2º da Lei Complementar 62, que define percentuais de repartição dos recursos do FPE entre as regiões e os coeficientes de participação de cada Estado. Os ministros do STF entenderam que a atual repartição do FPE não tem o objetivo de “promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados”, como determina a Constituição. O texto constitucional destinou 21,5% de tudo o que o governo federal arrecada com o Imposto de Renda (IR) e com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para o FPE – um bolo de R$ 51 bilhões em 2012.

Por reconhecer que uma imediata supressão da Lei Complementar 62 “representaria incomensurável prejuízo ao interesse público e à economia dos Estados”, o Supremo deu um prazo até o dia 31 de dezembro de 2012 – ou seja, mais de dois anos e meio – para que uma lei complementar, com novos critérios de rateio, fosse aprovada pelo Congresso. “Não há a menor chance de que essa lei seja aprovada neste ano”, sentencia o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), autor de um dos projetos sobre os novos critérios de rateio. Ferraço é um dos parlamentares que mais têm se empenhado para que essa discussão se torne uma prioridade no Senado.

Para o senador capixaba, a complexidade dessa lei, que envolve interesses de todos os 26 Estados e mais o Distrito Federal, impede uma rápida tramitação nas duas Casas do Congresso. “Quando se discutiu a resolução do Senado para acabar com a chamada guerra dos portos, eram mais de 20 Estados contra 3 ou 4. Mesmo assim, levou-se dois anos para aprovar a resolução”, lembrou. Agora, são 27 unidades da Federação contra 27. Para Ferraço, não aprovar a lei com os novos critérios é desconsiderar uma decisão da mais alta Corte da Justiça do país.

Ganhadores e perdedores

A grande dificuldade é que a mudança do FPE terá perdedores e ganhadores. Um grupo de especialistas de oito secretarias estaduais de Fazenda, sob a orientação do economista Nelson Leitão Paes, elaborou um estudo para a Escola de Administração Fazendária (Esaf), no qual fizeram quatro simulações, com variáveis sociais e econômicas escolhidas. Em todas elas, os técnicos encontraram praticamente os mesmos Estados que perderão e que ganharão com a mudança.

Os maiores perdedores foram a Bahia, Minas Gerais, Ceará, Tocantins, Paraná, Pernambuco e Pará. Os maiores ganhadores foram Alagoas, Piauí, São Paulo, Amazonas e Mato Grosso do Sul. As perdas totais variaram de R$ 4,29 bilhões a R$ 4,94 bilhões por ano. As simulações foram feitas com base em pesos diferentes para algumas variáveis econômicas e sociais, como taxa de analfabetismo, mortalidade infantil, população pobre, Produto Interno Bruto (PIB) per capita e tamanho do território.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que faz parte da comissão de notáveis criada por Sarney, acha que ainda é possível chegar a um acordo sobre a mudança no FPE no prazo estipulado pelo Supremo. “Tudo depende de vontade política”, argumenta. “A comissão vai apresentar uma proposta politicamente viável, que permitirá o entendimento”, disse ao Valor. Segundo ele, a proposta que a comissão apresentará prevê que nenhum Estado terá perda real de receita.

De acordo com a fórmula, apenas o acréscimo real da receita do IR e do IPI repassado ao FPE será distribuída entre os Estados de acordo com os novos critérios de rateio. “A mudança será na margem, de forma que as alterações serão feitas muito lentamente”, explicou. A proposta, segundo Everardo, prevê que a fase de transição para o novo regime de repartição do FPE irá até 2018. O ex-secretário da Receita disse que conversou com vários secretários estaduais de Fazenda sobre a proposta da comissão e que houve boa receptividade.

Se essa questão não for tão tranquila como Everardo imagina, o mais provável é que os políticos recorram ao famoso “jeitinho” brasileiro e consigam que o STF defina novo prazo. Mesmo porque, e os parlamentares já perceberam isso, a revogação da Lei Complementar 62 em janeiro continuará sendo um “incomensurável prejuízo ao interesse público e à economia dos Estados”

Deixe seu comentário

Posts relacionados