Universidades brasileiras criam projeto para oferecer transporte e eletricidade a comunidades ribeirinhas a partir da energia solar.

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Atividades simples do dia a dia, como refrigerar alimentos ou transportar crianças para a escola, podem depender de uma logística extremamente complexa. A dificuldade causada pela pouca infraestrutura e pelo isolamento geográfico é sentida na pele dos ribeirinhos da Amazônia, povos que vivem perto dos rios e afastados dos grandes centros. Para eles, a água é a única via de transporte. A pesca é uma de suas principais fontes de renda e de subsistência, mas, como nem sempre a energia elétrica consegue chegar às comunidades para alimentar freezers e geladeiras, conservar o peixe fresco torna-se difícil e caro, já que, para comprar gelo, é preciso queimar o combustível dos barcos até chegar à cidade mais próxima.

Uma equipe de pesquisadores brasileiros desenvolveu uma solução barata, eficiente e sustentável para esses problemas. Com a implementação de placas fotovoltaicas, será possível fornecer energia solar necessária tanto para mover um barco quanto para fazer funcionar uma máquina de gelo. O projeto foi apresentado em Brasília durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, evento promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e deve começar a ser testado até o fim deste ano.

O local escolhido para o projeto-piloto foi a comunidade de Santa Rosa, nas proximidades de Belém, que ganhará um barco solar e um espaço comunitário cujo teto contará com uma grande placa fotovoltaica. A embarcação — desenvolvida pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em conjunto com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Universidade de São Paulo (USP) — atenderá os estudantes de ensino médio da localidade, substituindo os pequenos barcos a diesel, que são mais poluentes e menos eficientes.

“Atualmente, os alunos que estudam na escola da comunidade utilizam 40 embarcações a diesel, o que é muito caro. A logística para conseguir combustível também é complicada. Na seca, por exemplo, o rio fica muito baixo, o que dificulta a ida para a cidade”, explica Pereira Junior. Segundo ele, a escolha do local para implementação do projeto se deve à proximidade do campus da UFPA. “Dessa forma, poderemos auxiliar na manutenção dos equipamentos e monitorar seus resultados”, defende.

De acordo com Luiz Carlos Pereira Junior, membro do Grupo de Pesquisa Estratégica em Energia Solar da UFSC, o barco solar de dois cascos permite o transporte de 20 estudantes por vez. Munido de baterias capazes de armazenar a energia, ele tem autonomia de até cinco dias. Assim, funciona mesmo em dias nublados .

No espaço comunitário já criado em Santa Rosa, um equipamento chama a atenção e gera expectativa nos moradores: a máquina de gelo. Desenvolvido pelo Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos da USP, o equipamento é capaz de produzir até 30kg de gelo por dia, com irradiação diária de 5,5kWh/m². O custo estimado de produção é de R$ 0,60 por quilo. “A vantagem é que a máquina pode ser centralizada na comunidade e servir para mais de uma família. Na Amazônia, as pessoas gastam muito dinheiro para conseguir gelo. São cerca de 2l a 3l de gasolina para chegar ao ponto mais próximo de venda”, diz Teddy Meléndez, pesquisador da USP envolvido no projeto. O único problema da máquina é que ela não dispõe de baterias e, em dias chuvosos, para de funcionar.

Alternativas
Mesmo com restrições, soluções como o barco solar e a máquina de gelo são apontadas como a melhor opção para a Região Amazônica. “É fundamental que haja investimentos para desenvolver tecnologias alternativas voltadas à realidade da Amazônia. Por todo o bioma, as distâncias entre comunidades e centros comerciais são enormes. Para vender a produção, adquirir itens básicos de consumo, ir à escola ou ao hospital, os povos da floresta precisam se deslocar, muitas vezes, durante alguns dias pelos rios”, aponta Simone Mazer, assistente de Pesquisa e Programa de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. Segundo ela, como as viagens são longas, é alto o consumo de combustível, produto que chega a essas regiões a um preço muito elevado. “O combustível também é muito usado na geração de energia elétrica, já que, em muitos casos, a rede elétrica não consegue superar as dificuldades geográficas do bioma.”

De acordo com Maurício Arouca, professor de planejamento energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ, a mudança no foco da matriz energética no Brasil é uma questão de tempo. “A energia solar e outros tipos de fontes renováveis são extremamente viáveis. Nós fizemos um levantamento com os aquatáxis de Búzios (RJ) e constatamos que os motores elétricos operam, no mínimo, com a metade do custo dos motores a diesel”, exemplifica o professor, que coordena projetos para construção de embarcações movidas a energia solar. “A ideia é tirar o petróleo da área de rios, lagos e mares, para que você possa proibir o uso do diesel em nossas águas. Em alguns lugares da Europa, eles já fazem isso, mas no Brasil ainda é impossível. Você só pode proibir se der alternativa para a sociedade.”

Fonte: Correio Braziliense