STJ reforma decisão do TJPA e condena deputado estadual Luiz Sefer a 21 anos de prisão por estupro

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O jornalista Carlos Mendes, do Blog Ver-o-Fato, publicou com exclusividade que o  ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Joel Ilan Parcionik, da Quinta Turma, manteve a condenação do deputado estadual paraense Luiz Sefer a 21 anos de prisão, por crime de estupro contra uma menina de 9 anos. Sefer  havia sido absolvido em 2011 por 2 votos a 1, numa polêmica decisão que teve como relator o então desembargador João Maroja, hoje aposentado.
Parcionik acolheu a tese de valorização da palavra da vítima que denunciou o estupro, desfez a decisão do Tribunal do Pará e restaurou a condenação imposta pela juíza Maria das Graças Alfaia. Nesse tipo de crime, feito às escondidas, é relevante o depoimento de quem sofreu o abuso sexual. Isso, no julgamento, tem peso significativo. O recurso contra a absolvição de Sefer foi impetrado pelo Ministério Público do Pará, por meio do procurador de Justiça Marcos Antonio das Neves.
O processo corre sob segredo de justiça, mas o Ver-o-Fato tentou obter detalhes sobre a decisão do ministro, não alcançando sucesso ao buscar informações no STJ. Por telefone, durante contato mantido com servidores da Quinta Turma e do próprio gabinete do ministro Joel Ilan, de nada valeram as ponderações de que o caso, na época em que foi publicado nos jornais de Belém, ganhou intensa repercussão e comoção social.
“É norma do STJ não fornecer qualquer informação de processo sob segredo”, justificaram os servidores. O próprio gabinete do ministro foi incisivo: “nada seria divulgado sobre a decisão, nem na página oficial do STJ”. Pior, o gabinete do ministro Joel Ilan sequer podia informar, e não tinha qualquer autorização de fazê-lo, se ele havia tomado a decisão de negar ou confirmar a condenação de Sefer.
Apesar das dificuldades para obtenção da informação, o Ver-o-Fatoconseguiu ter acesso à íntegra da decisão do ministro Joel Ilan Parcionik e repasssa aos nosso leitores os principais trechos do julgamento, lembrando que o deputado Sefer ainda pode recorrer com agravos de instrumento e regimental para tentar, na Quinta Turma do STJ, derrubar  a decisão de Parcionik.
Em respeito aos leitores não publicaremos a íntegra do julgamento porque há trechos em que são narrados pormenores dos ataques sexuais de Sefer contra a criança – hoje mulher de maior idade, que vive fora do Pará, abrigada em Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas do governo federal.
Ver-o-Fato entrou em contato, por telefone, com o gabinete do deputado na Assembleia Legislativa, mas um assessor informou que ele não estava no local e que iria comunicá-lo da intenção do repórter  em ouví-lo sobre a decisão do STJ. Até o final da tarde de hoje, porém, Sefer não retornou a ligação.
Trechos da decisão
“Também de suma importância são os depoimentos prestados por Joaquim Oliveira dos Santos, Estélio Marçal Guimarães e João Raimundo Amaral Pimentel. Segundo eles, o acusado teria “encomendado” uma criança do sexo feminino com idade entre oito e dez anos. E, como bem ponderado pela Magistrada Singular, tal fator denota premeditação criminosa (fl. 1594).
A propósito, cito excerto do depoimento de João Raimundo Amaral: ” […] QUE tudo o que declarou na Policia é verdade; QUE quando o acusado disse que precisava de uma pessoa disse que ele disse que tinha que ser uma criança do sexo feminino; QUE tinha que ser urna criança; QUE não lembra com precisão, mas que tinha que ser entre oito e dez anos.
QUE a criança era para fazer dama de companhia para a filha do acusado; QUE em conversa na Assembléia o deputado pediu para arranjar essa criança e disse que quem poderia arranjar era Joaquim e quem arranjou a criança foi o Joaquim; QUE apenas trouxe a criança.
QUE Joaquim lhe informou que tinha arranjado a criança pedindo que trouxesse para Belém e assim fez.  QUE foi apanhar a criança no bairro da Pratinha e quem lhe entregou a criança foi a avó Tereza […]” “[…] QUE todas as declarações prestadas são verdadeiras; QUE é verdade que o deputado Sefer pediu uma criança entre nove e dez anos.
 QUE não conhece os familiares de Sefer e não sabia que ele tinha filha e que o conheceu através de Estelio; QUE a família da criança não se opôs da criança vier para Belém na casa de Sefer, inclusive ela veio muito rápido; QUE a sua cunhada Marlene é parenta do pessoal da vítima e foi ela quem conversou com a Tereza, avó da criança tia legítima de Marlene […]” (fls. 1594/1595).
Sobre mencionada “encomenda”, o réu procura justificar-se, aduzindo tê-lo feito por uma questão filantrópica, sendo seu intento apenas fornecer educação e melhores condições de vida à criança. Contudo, o que se observa, no caso, é que tal justificativa não encontra respaldo nas demais provas alinhavadas na sentença e no aresto objurgado.
As supostas intenções filantrópicas do acusado são contrariadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas Maria de Lourdes Lima Souza e Christiane Ferreira da Silva Lobato. A testemunha Maria de Lourdes aduz: “que as vezes que via S. [vítima] a mesma sempre trajava roupas simples, calça jeans e blusinhas; “que nunca viu S. chegar em carros particulares, pois sempre estava trabalhando.
“Que estranhava o fato de S. nunca ir para o colégio”; “Que S. sempre acompanhava as sobrinhas da depoente quando iam para o colégio e então perguntou a mesma pelo fato de não ir ao colégio, tendo esta respondido que não ia porque não tinha uniforme”; “que achou estranho o fato de S. ser sobrinha de uma pessoa de posse e ir para o colégio a pé” (fls. 1592/1593).
Por sua vez, a testemunha Christiane Ferreira (Delegada de Polícia que presidiu o Inquérito Policial) alega: “que quando foi ouvir o Deputado e a mulher dele sobre o caso, respondeu que ele não tinha nenhuma informação acerca da adolescente, nome de pai, ou mãe, ou onde residia”.
“Que o acusado relatou que a adolescente era problemática e  apresentava comportamento diferenciado e perguntou a ele se ela já tinha sido assistida por algum psicólogo e ele respondeu que não que em todo este tempo ela só teve um atendimento odontológico”; que os filhos do acusado estudavam no colégio Nazaré, frequentavam clubes e academias enquanto que adolescente estudava no colégio do governo e nunca passou de ano” (fls. 1597/1598).
Destarte, a partir desses depoimentos, o que ressai, em verdade, é a existência de um descompasso entre as mencionadas boas intenções afirmadas pelo acusado e o tratamento que efetivamente dispensou à menor durante esses quatro anos.
E aqui destaco a percuciente percepção da Juíza de 1o Grau, que assevera: “o acusado não conseguiu explicar plausivelmente o porquê de trazer a vítima do interior do Estado para morar em sua casa, haja vista que, por lei, ela não poderia exercer trabalho doméstico e, pelo contexto dos autos, não estava recebendo a educação e cuidados que podia lhe proporcionar nem sendo tratada como uma pessoa de sua família” (fls. 1593/1594).
Ainda segundo a Juíza Singular, “a par disso, deve ser considerada a tardia providência do acusado em legalizar a situação da menor. Somente quando quis levá-la a uma viagem ao Rio de Janeiro, afirma o próprio réu, é que ele procurou obter, judicialmente, a guarda provisória da criança” (fl. 1594).
Dessa forma, nos termos do art. 239 do Código de Processo Penal, a essas circunstâncias não há como negar o caráter de prova indiciária que, no presente feito, emana como mais um elemento a corroborar a palavra da vítima. Diante desse contexto probatório expressamente admitido e delineado na sentença e no acórdão recorrido, verifica-se que o Tribunal de origem incorreu em erro na valoração da prova, divergindo da jurisprudência deste Sodalício.
A Corte Local, nos termos do voto condutor, afirma que essa robusta conjuntura fático-probatória – palavra da vítima corroborada por parecer psicológico, laudos periciais, prova testemunhal e prova indiciária – não se mostra suficiente a ensejar um édito condenatório, mas, contraditoriamente, entende ter restado “inconteste, apenas e unicamente, o abuso que o pai das menores praticava contra as meninas” – fato que não constitui objeto do presente feito –, com fundamento exclusivo no depoimento prestado pela irmã da vítima, quem aduz acreditar que a irmã tenha sido abusada pelo pai.
Consigne-se também que, de acordo com o material cognitivo admitido e utilizado pelas instâncias ordinárias, não há que se falar em momento exato dos abusos sexuais, como se se tratasse de eventos esporádicos.
Pelo contrário, conforme laudo pericial alhures citado, há vestígios de violência sexual crônica e reiterada, no mesmo sentido do que relata a vítima, quando assevera que sofreu abusos por parte acusado desde o segundo dia que com ele passou a residir e que tais abusos duraram quatro anos, lapso durante o qual a menor esteve sob custódia exclusiva do recorrido.
Portanto, suposta imprecisão temporal invocada pelo Tribunal de origem não tem o condão de suscitar dúvida in favor reu. Em suma, observa-se, no caso, que, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, as declarações prestadas pela vítima, firmes e coerentes, está em perfeita sintonia com as demais provas acostadas aos autos do processo e expressamente admitidas na sentença e no aresto vergastado, não havendo espaço, portanto, para a aplicação do brocardo in dubio pro reo.
Nesse sentido, cito julgado desta Quinta Turma: PENAL. RECURSO ESPECIAL PELA ALÍNEA “C”. ATENTADOS VIOLENTO AO PUDOR CONTRA DUAS ENTEADAS. ABSOLVIÇÃO EM SEGUNDO GRAU. UTILIZAÇÃO DE ARGUMENTOS INIDÔNEOS PELO TRIBUNAL A QUO. ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DAS VÍTIMAS. REVALORAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO. RECURSO PROVIDO.
1. O entendimento desta corte é no sentido de que nos crimes sexuais, a palavra da vítima, desde que coerente com as demais provas dos autos, tem grande validade como elemento de convicção, sobretudo porque, em grande parte dos casos, tais delitos são perpetrados às escondidas e podem não deixar vestígios.
2. Assim, entendida como insuficiente pelo aresto recorrido, a valoração da prova realizada pelo Tribunal a quo utilizou-se de argumentos inidôneos, que infringiram o princípio probatório atinente a quaestio, qual seja, a relevância da palavra das vítimas nos crimes sexuais.
3. Dessa forma, ao suscitar dúvida, quanto à harmônica palavra das ofendidas, tal qual admitida e especificada pelo juízo sentenciante, o Tribunal de
Justiça recorrido incidiu em erro na apreciação da prova, em flagrante divergência com o colacionado aresto paradigma e com o entendimento desta Colenda Corte Nacional sobre o assunto.
4. Admissível o recurso especial pela alínea “c” quando realizado o cotejo analítico e comprovada a similitude fática entre o acórdão impugnado e o aresto trazido à colação, em atendimento aos requisitos dos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil e 255, § 1o, “a”, e § 2o, do RISTJ.
5. Recurso conhecido e provido. (REsp 1336961/RN, Rel. Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 13/09/2013).
Destarte, impõe-se o restabelecimento da condenação.
Diante do exposto, com fundamento no Enunciado n. 568 da Súmula do STJ, dou provimento ao recurso especial, para restabelecer a sentença condenatória e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no julgamento dos demais pedidos formulados em sede de apelação.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 09 de março de 2018.
MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
Relator “
Entenda o caso
No dia 8 de junho de 2010, a Justiça do Pará condenou Luiz Afonso Proença Sefer a 21 anos de prisão em regime fechado. Ele foi acusado de abusar sexualmente de uma menina de 9 anos. Em sua decisão, a juíza Maria das Graças Alfaia Fonseca, titular da Vara Penal de Crimes Contra Crianças e Adolescentes de Belém, também decretou a prisão de Sefer e o pagamento à vítima R$ 120 mil por danos morais.
Segundo denúncia da promotora de Justiça Sandra Gonçalves, em meados de 2005, Sefer “encomendou aos senhores Estélio Guimarães e Joaquim Oliveira, uma menina menor do interior do Estado, na faixa etária de 8 a 9 anos”. A justificativa, segundo o réu, seria a “companhia a uma criança” que a menor faria na casa do ex-deputado.
A menina foi trazida de Mocajuba e entregue ao médico, de acordo com o MP, por Joaquim Oliveira. Após dois dias na casa, o médico passou a abusar sexualmente da menina, além de também agredi-la e obrigá-la a ingerir bebida alcoólica. Ainda segundo a denúncia do MP, a menina teria sofrido abuso sexual tanto do ex-parlamentar quanto do filho dele, o adolescente G.B., até os 13 anos de idade.
A denúncia havia sido feita inicialmente ao Tribunal de Justiça do Estado, por conta do foro privilegiado que o ex-parlamentar tinha na época, mas depois foi transferida para a vara especializada.
O réu nega a a autoria do crime. Disse que a menina foi trazida para sua casa apenas para estudar e que as acusações seriam “uma atitude inconsequente da vítima e uma estratégia para ela não retornar a Mocajuba”. O acusado ainda alegou que planejava mandar de a menina de volta para a casa por que ela tinha “mal comportamento”.
A juíza fixou a pena de Sefer em 12 anos e 6 meses de reclusão, que aumentou em mais um ano e seis meses pelo crime ter sido praticado contra a criança, totalizando 14 anos de reclusão. Com base nos artigos 226, II e 71 do Código de Penal Brasileiro (CPB), a pena acabou elevada para 21 anos de prisão em regime inicialmente fechado, pelo crime ter sido praticado de forma continuada.
TJ anula condenação
No dia 6 de outubro de 2011,  por dois votos a um, o ex-deputado Luiz Afonso Sefer foi absolvido da acusação de abuso sexual e cárcere privado. O relator da ação, desembargador João Maroja, e o desembargador Raimundo Holanda, votaram pela absolvição de Sefer.
Convocado pelo TJE para atuar no julgamento, o juiz Altemar Silva votou a favor da condenação. O julgamento aconteceu no Tribunal de Justiça do Estado do Pará. O médico Luiz Sefer era deputado pelo DEM em 2009 quando foi acusado por uma menor de estupro, cárcere privado, violência física, entre outros crimes.
Para se livrar da condenação, Sefer contratou o advogado Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, para atuar em sua defesa junto com o advogado paraense Osvaldo Serrão. A defesa alegou falta de provas, o que foi levado em consideração pelos juízes para absolver o acusado.