Sistema penitenciário do Pará é um barril de pólvora

Ao promover reunião para debater situação do presídio de Altamira, Comissão de Direitos Humanos da Alepa se depara com quadro complexo e preocupante no Estado, já dominado por facções criminosas.

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Quinze casas penais do Pará estão em situação crítica de superlotação e outras, como os centros de recuperação de Marabá e de Redenção, estão em perigoso clima de tensão criado por brigas de organizações criminosas, a exemplo do que aconteceu esta semana em Altamira, e estão ao ponto de explodir em meio a uma guerra de seis facções, sendo duas de atuação nacional.

O alerta foi dado na reunião promovida pela Comissão de Direitos Humanos e do Consumidor da Assembleia Legislativa nesta quinta-feira, 1º de agosto, com representantes da área de Segurança do Estado, da Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sociedade Paraense dos Direitos Humanos e Conselho Penitenciário do Estado (Copen).

A reunião seria para que o Legislativo recebesse do Estado os detalhes sobre as condições em que se encontravam os presos de Altamira, mas acabou por expor o fracasso e a falência do sistema penitenciário do Pará, onde 20.026 presos dividem apenas 9.934 vagas, sendo que 40% detentos são provisórios, cujos processos levam até anos para serem julgados, agravando a situação nas casas penais. (Veja abaixo as casas penais em situação crítica).

Os dados são de junho deste ano da Superintendência do Sistema Penal (Susipe) e constam no relatório preliminar de 22 páginas apresentado na reunião pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alepa, deputado Carlos Bordalo (PT). “Altamira hoje se constitui em um desafio para o governo. Precisa ser o ponto de inflexão, capitaneado pelo governador, de promover o desencarceramento e pactuar com o Judiciário paraense alternativas concretas ao encarceramento em massa”, diz o relatório.

Ou seja, reforçou Bordalo, o massacre de 58 presos em Altamira – o segundo maior do País em presídio – e, posteriormente, de outros quatro detentos, não pode ser visto como “corriqueiro”, mas como “um marco” das mudanças que precisam ser feitas no sistema penitenciário do Pará, a partir da execução de políticas de curto, médio e longo prazos.

“Há muito que o sistema penitenciário está falido. Temos na verdade uma escola do crime. Isso é dito em milhões de teses e pesquisas”, observou a deputada Marinor Brito (PSol), que cobrou respostas do Governo do Estado para o que, de fato, aconteceu no presídio de Altamira.

Responsabilidades e cobranças

Para o parlamento, não há como responsabilizar o governo atual pela situação de falência do sistema penitenciário. Presentes na reunião, além de Bordalo e Marinor, os deputados Toni Cunha (PTB), presidente da Comissão de Segurança Pública da Alepa, Nilse Pinheiro (PRB) e Delegado Kaveira (PP) reconheceram que o governador Helder Barbalho (MDB) vem tomando uma série de providências de enfrentamento ao problema, como a contratação de mais de 600 agentes penitenciários e a ampliação e a entrega de novos presídios, com a promessa de concretização ainda neste ano.

Medidas essas que foram destacadas pelos dois representantes do Estado na reunião: delegado Mac Dowell Fortes, diretor de Assuntos de Segurança Institucional de Inteligência da Susipe, e Luciano Oliveira, da Secretaria de Segurança Pública (Segup), que admitiram que o cenário “é grave”, mas que em sete meses de governo não poderia ser reconstruído.

“Sem querer nos eximir de qualquer responsabilidade, mas em sete meses não foi possível estabelecer essa precariedade (no sistema)”, disse Luciano Oliveira. E se houve aumento na população carcerária, justificou ele, foi em consequência do combate à criminalidade no Pará, que no início do ano contava com cerca de 18 mil presos e agora está com mais de 20 mil.

Para os parlamentares, a modernização do sistema penitenciário já não depende apenas do Executivo. É preciso, apontam eles, o envolvimento de todos os poderes, instituições e organizações sociais ligados ao problema. Foi quando, na reunião, surgiram críticas ao Poder Judiciário pelo advogado Braz Mello, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da OAB.

Mesmo diante de crises no sistema penitenciário, como o massacre em Altamira, o Judiciário “continua encastelado”, disse Braz Mello. “Parece que o Poder Judiciário não tem nada a ver com isso”, manifestou ele, que sugeriu à Alepa que realize um debate com o Tribunal de Justiça (TJPA) sobre os processos criminais no Pará e o motivo da demora dos julgamentos.

Segundo Braz Mello, diariamente são interpostos entre 70 e 80 pedidos de habeas corpus na Justiça, mas “apenas um ou dois são concedidos por dia”, o que abarrota ainda mais as cadeias de presos provisórios. “Precisamos fazer esse debate com o Poder Judiciário”, insistiu o advogado.

Interesse das facções

Conforme o relatório da Comissão de Direitos Humanos da Alepa, um dos grandes motivos do interesse das facções criminosas pelo Pará está em fazer parte, juntamente com os presos do Amazonas, da chamada “Rota do Solimões”, usado para transporte da cocaína produzida em países andinos, como Colômbia e Peru, pelos rios Solimões e Negro.

Mas os deputados Toni Cunha e Kaveira, ambos delegados de Polícia, discordam que seja esse o maior interesse. Ambos afirmam que a briga das facções é pelo controle do “enorme” comércio que existe hoje dentro das prisões e por mais consumidores. “O presídio do jeito que está é lucrativo porque há comércio lá dentro, que é mais lucrativo que aqui fora”, disse Toni Cunha.

“Temos notícias de ‘quarto’ de boi entrando em unidades prisionais. O preso vai se empanzinar? Não. Ele vai vender”, exemplificou o petebista, para quem o comércio é facilitado pelas próprias condições de trabalho dos atuais agentes prisionais, que atuam mais como “vigias” do que como controladores dos presos, já que sequer podem usar armas. “Eles não têm poder de Polícia, não têm preparo técnico, não podem portar armas e não têm poder para conter rebeliões. É ridículo isso”, contestou Cunha.

Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém