Projeto proíbe venda e uso de cerol no Pará

Belém sancionou lei neste ano. Agora, proposta é apresentada na Alepa e, se aprovada e sancionada, irá valer para todo o Pará. Há quem defenda áreas específicas para o embate entre papagaios. É para a brincadeira não perder a graça.

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Muita criança e até mesmo jovens e adultos que se divertem em empinar papagaio – também comumente chamado de pipa – com uso de cerol, que se preparem para deixar de lado os vidros moídos e a linha chilena, para curtirem tão-somente o voo desse brinquedo, que surgiu quase três mil anos atrás e recebe os mais diferentes nomes ao redor do mundo.

Começou a tramitar na Assembleia Legislativa do Pará um projeto de lei que proíbe a venda, uso, porte e a posse do cerol, da linha chilena e de qualquer outro produto cortante usado para “envenenar” o papagaio. De autoria do deputado Fábio Figueiras (PSB), aparentemente a matéria não apresenta qualquer inconstitucionalidade e deve ser aprovada com facilidade pelo plenário da Alepa, seguindo a tendência de proibição em todos os Estados brasileiros.

“Não podemos mais admitir que brincadeiras que há anos divertem crianças e adolescentes se transformem em armas letais, que representam grave risco a todos os cidadãos, inclusive aos próprios usuários”, argumenta Figueiras na justificativa do projeto, que prevê penalidade administrativa e multa pecuniária a quem descumprir a lei em caso de esta ser sancionada.

Pela proposição, em caso de o infrator ser menor de idade, a multa será aplicada aos pais ou ao responsável legal “uma vez que os pais também têm o dever de cuidar e vigiar os atos de seus filhos, sobretudo dos menores”, diz o deputado.

A capital, Belém, já conta com a Lei municipal nº 9.455, de janeiro deste ano, que proíbe o uso do cerol, da linha chilena e outros produtos cortantes. Caso o projeto de Fábio Figueiras seja aprovado e sancionado, a regra irá valer para todos os 144 municípios paraenses.

Morte e falta de energia

O líder do PSB na Alepa observa que não há números sobre os acidentes provocados pelas linhas enceradas. “Porém, levantamento da Associação Brasileira de Motociclistas (Abram) revelou que, dos cerca de 100 casos envolvendo linhas com cerol no Brasil, 50% são graves e 25% são fatais”, cita Figueiras.

As mortes geralmente são por degola, quando a linha atinge o pescoço da vítima. Segundo a Fundação Brazilian Kite Club, uma média de dez pessoas morre por ano no Brasil, atingida pela linha encerada. Os motociclistas são os que mais temem a brincadeira.

Outro problema são as interrupções de energia causadas pelos papagaios que ficam presos na rede elétrica. Em junho deste ano, a Celpa registrou nada menos que 1.391 casos de interrupção de energia por causa dos papagaios, em todo o Pará. A média foi de 46,3 ocorrências diárias. Em Marabá, Parauapebas e Tucuruí houve 80 interrupções.

Brincadeira, sim, mas fora de perigo

Pelas redes sociais, o Blog do Zé Dudu procurou saber a opinião das pessoas sobre a proibição do uso de produtos cortantes nas linhas de papagaios e contou com a manifestação de jornalistas, servidores públicos e empresários, entre outros. É consenso que o cerol é perigoso e que precisa ser proibido.

Contudo, há quem defenda a criação de espaços específicos para a brincadeira, em que o cerol possa ser usado para que se mantenha o embate entre papagaios, mas desde que o cerol seja produzido pelo próprio dono do brinquedo, pois “uma linha sem cerol é a mesma coisa que um futebol sem gol”, como diz Otávio Lima, integrante do grupo “Amigos do Papagaio”, criado há três anos em Belém.

Adriano Chedieck

“Poderíamos ter local e hora para o uso da linha encerada para a prática do laço, na orla, no momento em que o vento soprasse na direção do rio. Já a comercialização de qualquer linha encerada será caracterizada como crime. O indivíduo seria responsável pelo seu próprio produto”, defende o jornalista Adriano Chedieck.

Fátima Duarte Gonçalves, também jornalista, apresenta outra saída para não acabar com a graça das disputas entre papagaios: “Lembro que na rua em que morava com meus pais um garoto quase perdeu o pé. Mas acho que a proibição deve ser na parte (da linha) que fica próxima ao chão. O cerol pode ser liberado na parte próxima ao papagaio (que fica bem no alto e não atinge ninguém), para que haja a disputa entre quem vai cortar quem”.

“Se coloca vidas em perigo, infelizmente temos que pensar uma forma que proíba empinar pipas em lugares públicos e especificar lugares pra soltar pipas”, diz o empresário Koji Sakairi.

Carlos Gouvea

Outras pessoas são contundentes em apoiar a proibição, mesmo lamentando tal necessidade: “Não temos mais espaço para este belo divertimento, que se tornou arriscado e perigoso, infelizmente”, assinala o jornalista Carlos Gouvea. “Sou totalmente a favor da proibição. Também uso moto para me locomover e tenho muito medo de me acidentar ao cruzar com linhas enceradas”, confessa o também jornalista Márcio Monteiro.

João Maciel

Para o empresário João Maciel, de Parauapebas, quando uma brincadeira passa a fazer mal e ainda provoca mortes tem que ser regrada, mesmo dividindo opiniões. “Sou veementemente a favor de uma atitude por parte dos legisladores”, concorda ele. “Vai tirar a alegria de quem empina papagaio, porém salvará vidas”, pondera o servidor público Edson Bentes.

Dora Barbosa

Há quem passou a defender a proibição do uso do cerol após testemunhar o perigo do produto, como é o caso de Dora Barbosa: “Meu irmão caçula, que brincava de empinar papagaio com linha encerada, quase degolou uma vizinha nossa que passava de bicicleta na rua do sítio do meu pai, lá na comunidade Fidélis, na estrada de Outeiro. A sorte foi ela não estar pedalando com velocidade, senão… Foi terrível nesse dia”, conta ela.

Na opinião do aposentado Heraldo dos Santos, a lei precisa ser endereçada principalmente aos pais de crianças e adolescentes “pois desde que eu me entendo, nos anos 50-60, a polícia já corria atrás de nós. E quando nos pegava, sobrava para os pais, uma situação complexa que entendo deva começar nas escolas, pelos pais e pela prisão de quem vende cola com vidro”.

“Linha encerada, além de ser um risco de vida e saúde, causa transtornos à vida urbana. As linhas destroem fios elétricos e de telefonia. Quem usa também pode sofrer um choque, principalmente depois de uma chuva, pisando em poças d’água. Eu não aprovo”, reforça a servidora pública Graci Oliveira Anjos.

Para o jornalista Adauto Rodrigues, que é “totalmente” contra o uso de cortante, a proibição é “um avanço na legislação do Estado”.

Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém