Projeto prevê multa de R$ 10 mil para candidatos que espalharem fake news

No parecer, o relator propõe, além da multa por proibição da veiculação das fake news e conteúdos desinformativos, que o candidato tenha seu registro ou diploma cassado, caso seja comprovado o dolo

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Brasília – De autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), que também preside a CPMI mista das Fake News, o projeto de lei (PL 2630/2020) deve estar pronto para a votação nos próximos dias. A proposta traz em seu relatório final uma nova punição focada especificamente no período de eleições: a previsão de uma multa de até R$ 10 milhões para candidatos que propagarem notícias faltas contra os adversários durante a campanha eleitoral. Além da multa e da proibição da veiculação das fake news e conteúdos desinformativos, o candidato terá o seu registro ou diploma cassado, caso seja comprovado que ele tenha conhecimento dessa prática ou participado dela.

O texto final com essa medida está em negociação no Senado. A nova versão do PL 2630 também estende as punições para as redes sociais, como Facebook, Twitter e Google. Isso aconteceria caso elas não colaborem na identificação dos responsáveis pela disseminação das fake news. Essas empresas estariam sujeitas a multa de até 10% do seu faturamento no Brasil em seu último ano fiscal. O valor dessas multas seria direcionado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb). Em casos mais extremos, elas poderiam até mesmo ter suas atividades no país suspensas.

Alterações

Também intitulada como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a lei de combate as fake news era para ter sido votada, inicialmente, no último dia 02 de junho. Ela foi elaborada pelos deputados Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), na Câmara dos Deputados, e do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), no Senado e inicialmente, trazia quatro pontos principais: responsabilizar as plataformas digitais no combate à desinformação, exigir relatórios de transparência mais amplos por parte dos provedores, maior detalhamento na identificação de conteúdos patrocinados e maior controle no encaminhamento e propagação de notícias falsas junto aos aplicativos de mensagens.

No entanto, durante a discussão do PL no Senado, a proposta foi ganhando uma série de emendas. Uma das mais polêmicas foi apresentada, também no dia 02 de junho, pelo senador Nelsinho Trad (PSD – MS). Nela, o texto exige que novos — e antigos — usuários de redes sociais apresentem CPF ou RG na hora de abrir uma conta em uma dessas plataformas.

Segundo o texto da emenda “Os provedores de aplicação [Google, Facebook, Twitter, entre outros] devem requerer dos usuários e responsáveis pelas contas que confirmem sua identificação, no momento da criação do perfil, através da apresentação de documento de identidade válido. Os usuários de contas já existentes deverão apresentar documento de identidade válido para o provedor de aplicação onde possui registro para manutenção de seu perfil.”

A nova lei de combate às fake news pode bagunçar a internet no Brasil ?

Entre outras alterações no PL 2630, também previa a punição apenas para aqueles que financiavam as redes de robôs ou contas faltas em redes sociais para propagar as fake news. Os responsáveis seriam enquadrados nas leis de organização criminosa e de lavagem de dinheiro. Agora, a nova versão do projeto de lei amplia a aplicação das penalidades também a quem executa esses impulsionamentos de desinformação — a pena pode variar de três a dez anos de prisão e será aumentada em até 2/3 em casos de o crime ser cometido por servidores públicos.

Ainda na primeira versão do texto do PL, conteúdos que tenham sido identificados como desinformativos deveriam ser rotulados como tal, com o provedor sendo responsável por corrigir o material, destacando o erro e oferecendo links para a notícia correta. Agora, o novo texto prevê a aplicação de multas para as plataformas. Os relatórios de transparência que os provedores devem fornecer serão mantidos.

Um dos pontos mais polêmicos será mantido

O texto que deve ser votado nesta quarta-feira, no entanto, manteve um dos pontos mais polêmicos. Nele, será exigido que usuários de redes sociais forneçam CPF e RG para criar contas nessas plataformas. Dessa forma, autoridades de segurança ou membros do Ministério Público poderão requisitar esses dados aos provedores em casos de investigações.

O novo texto permite também o rastreamento de celulares pré-pagos. O relatório prevê suspensão de contas em redes sociais, cujos usuários tenham números telefônicos desabilitados. O número de contas permitido por telefone será limitado, cabendo às empresas de telefonia o controle da medida.

As contas que são ligadas ao poder público e de interesse público deverão ter os administradores identificados. No caso dessas contas, o Ministério Público terá de fiscalizar e criar setores especializados para atuar na hipótese de danos aos usuários de redes ou aplicativos.

Pouco tempo de discussão

O pouco tempo para discutir os impactos do PL 2630 é uma das principais reclamações de especialistas e setores da sociedade civil.

“Para ficarmos em apenas um exemplo, o Marco Civil da Internet no Brasil demorou quatro anos entre discussões junto à sociedade para ser elaborado. E, ainda assim, mesmo sendo uma referência para outros países do mundo, ela ainda precisa de aperfeiçoamentos constantes”, afirmou Marcos Dantas, professor titular da escola de Comunicação da UFRJ e membro do CGI.br, o Comitê Gestor da Internet no Brasil.

“Esse PL, ainda que bem intencionado, é um assunto extremamente complexo e não pode ser tocado com essa rapidez. Não é possível discutir um tema dessa natureza, com responsabilidade, em apenas um mês, ainda mais quando o país enfrenta uma pandemia”, completa. A opinião de Dantas é corroborada por Francisco Brito, diretor do InternetLab, centro independente de pesquisa interdisciplinar nas áreas de direito e tecnologia. Especialista no monitoramento de políticas públicas ligadas à tecnologia, ele afirma: “Os bons projetos que tivemos para regulamentar a internet no Brasil foram aqueles que foram gestados com o tempo, amplamente discutidos e com diferentes hipóteses testadas. E isso não está sendo feito agora. Não há sequer uma comissão instalada para o debate. Além disso, há ainda uma questão de diagnóstico que essa lei não toca. Qual é exatamente o problema? Há vários sintomas: há problema dos boatos, um problema de crise de confiança em relação à imprensa e também de polarização política. E as pessoas falam desse PL como se ele fosse resolver essas duas últimas questões, além das fake news. E não é o caso. Até porque todos estão conectados entre si”, conclui.

Reportagem: Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em