Pedido de empréstimo pelo Estado eleva temperatura na sessão da Alepa

Marinor Brito e Ozório Juvenil se desentenderam, enquanto Carlos Bordalo e até o sempre ponderado Raimundo Santos expuseram queixas inesperadas. Sem acordo, votação dos projetos ficou para amanhã (04).

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O nervosismo ficou à flor da pele na sessão de hoje (3) da Assembleia Legislativa durante a discussão dos projetos de lei do governador Helder Barbalho, que pedem autorização do parlamento para a realização de empréstimos no valor total de R$ 616,1 milhões junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal.

Para obtenção dos recursos, serão abertas duas operações de crédito: uma, no valor de R$ 537,6 milhões, para a execução do Programa de Investimentos nos Eixos de Saúde, Desenvolvimento e Mobilidade Urbana, Infraestrutura e Logística Turística (Prodetur), nas regiões da Grande Belém, Salgado, Marajó e oeste do Pará; e outra operação de R$ 78,5 milhões do Programa Avançar Cidades, para investimentos em saneamento básico na Região Metropolitana de Belém.

O assunto praticamente dominou todos os pronunciamentos da sessão, desde o Pequeno Expediente, iniciado às 9 horas, até o horário da votação dos projetos. A grande polêmica girou em torno da falta de detalhamento, pelo governador, da aplicação dos R$ 537,6 milhões, que no projeto aparecem distribuídos apenas por região do Estado, sem especificar os municípios contemplados e os valores para cada obra e serviço.

A reclamação contra a falta de detalhamento iniciou pelo líder da Oposição da Alepa, deputado Eliel Faustino (DEM), ainda na reunião conjunta das comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Fiscalização Financeira e Orçamentária (CFFO), no dia 28 de agosto passado, e transbordou na plenária de hoje com cobranças feitas pela deputada Marinor Brito (PSol) e reforçadas pelos deputados Fábio Figueiras (PSB) e Thiago Araújo (PPS), além de Faustino.

Para eles, o projeto, do jeito que foi apresentado, entrega um “cheque em branco” ao governador, contrariando as leis da Transparência e de Acesso à Informação e a própria Constituição Federal que, em seu artigo 5º, estabelece que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.”

Da tribuna, Marinor Brito indagou se o governador havia esquecido a legislação e anunciou que estava apresentando emenda para que o detalhamento sobre as obras e serviços fosse anexado ao projeto e aprovado sob acordo de lideranças “para mostrar que houve, por parte do governo, um equívoco e não que houve má-fé”, ponderou a parlamentar.

Mentiroso

Com uma lista na mão, o presidente da CCJ, deputado Ozório Juvenil (MDB), foi à tribuna e apresentou o detalhamento cobrado pela bancada de oposição. “É tanta obra, que estou cansado. Por favor, assessoria, um copo d’água”, ironizou ele, que extrapolou o tempo regimental na leitura de obras e serviços. “Acabou o tempo e ainda falta mais uma folha de detalhamento”, disse ele.

Juvenil negou aparte a Marinor Brito e, antes de descer da tribuna, disse que Eliel Faustino se recusou a receber o detalhamento. O oposicionista teria falado que “não precisava” da lista. Foi o estopim para a oposição ir para cima do medebista. “Não vou aceitar leviandade aqui no plenário”, rebateu Eliel Faustino. “Eu não conhecia essa faceta do deputado Ozório”, criticou Marinor. “Não vai ganhar no grito, não, Ozório”, avisou Fábio Figueiras.

Ainda mais irritada, Marinor exigiu respeito de Ozório Juvenil e o acusou de mentiroso.  “Eu costumo lidar com as diferenças sem deixar de levar em consideração a questão do respeito, inclusive aos meus valores intelectuais. O deputado mentiu quando disse que essa lista que ele leu e que nem acabou, e que ainda fez de forma desrespeitosa, consta do projeto. É mentira, deputado. Prove que está lá no projeto isso. Prove”, desafiou a deputada, ao pedir palavra de ordem.

Ao voltar à tribuna no Grande Expediente, Marinor Brito informou que a planilha sobre as obras e serviços data de 2 de setembro, mas somente foi entregue hoje de manhã nos gabinetes. E informalmente, o que para a parlamentar não oferece qualquer segurança à transparência da matéria.

“É esse projeto que vai ser votado hoje. Não é essa planilha grandinha que o senhor leu aqui, debochando de todo mundo”, protestou a psolista, para quem Ozório Juvenil deveria assumir “sua incompetência” e “sua irresponsabilidade” pela forma como trata o bem público. O medebista pediu aparte à deputada, mas foi a vez de Marinor se negar a dar a palavra. “Pela primeira vez, eu não vou dar aparte”, disse ela.

Tanto Marinor quanto Eliel Faustino e Fábio Figueiras insistiram que não estavam se posicionando contra um empréstimo que irá garantir melhorias para o Estado, mas defendendo a transparência dos atos do governo, para evitar problemas futuros, inclusive na esfera judicial. E para que o Legislativo possa cumprir o seu papel constitucional, de fiscalizador.

Já era 13 horas e nenhuma matéria havia sido votada, quando foi proposto esgotamento de pauta. “Presidente, para o esgotamento de pauta é preciso acordo de lideranças. Eu sou líder e em nenhum momento eu fui consultado”, alertou Fábio Figueiras.

Sem acordo, a Mesa Diretora a votação da pauta ficou para amanhã (4), quando, conforme convocado, serão realizadas “tantas quantas sessões forem necessárias”, o que significa dizer que os deputados somente irão encerrar os trabalhos em plenário depois que todos os projetos forem votados.

Exclusão parlamentar

Em meio ao clima de embate que, pela primeira vez nesta legislatura, se formou hoje na Alepa entre governo e oposição, chamou atenção o posicionamento do deputado e constitucionalista Raimundo Santos, do Patriota, o mais antigo na Casa, respeitado pelo conhecimento jurídico.

Deputado e constitucionalista Raimundo Santos

Também conhecido por suas ponderações, Raimundo Santos avisou à Mesa Diretora que protocolou renúncia à suplência da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (CFFO), presidida pelo deputado Júnior Hage (PDT). Sem entrar em detalhes sobre o real motivo da sua renúncia, Raimundo Santos disse que, após mais de 30 anos de vida pública e mais de 60 anos de idade, “não me sirvo a ser apequenado”.

A informação repassada ao Blog é que o presidente da CFFO estaria ignorando as orientações do patriota em torno de pareceres a projetos, inclusive dos que começaram a ser votados hoje. Raimundo Santos teria alertado para a necessidade de haver a planilha com a descriminação das obras e serviços, para evitar problemas ao Governo do Estado.

“Querem que aprovem (o projeto) de qualquer jeito. Isso, sim, vai vulnerabilizar a questão futuramente”, voltou a alertar Raimundo Santos, da tribuna da Alepa, para lembrar que o Legislativo “não é apêndice do governo, e quem pensa dessa forma é contra o governo”.

Quem também se sente excluído pelo governo do Estado é o deputado Carlos Bordalo, líder do PT na Assembleia. E ele deixou isso bem claro na sessão de hoje ao dizer que, nas comemorações pelo Dia Estadual do Feirante, com a presença do governador, não mereceu qualquer atenção.

“Fiquei constrangido”, revelou o petista, que também se queixou por não ser consultado pelo sobre matérias de domínio dele. “Acho que ainda sou da base do governo”, assinalou Bordalo. “Se ele (governo) não me quer mais na base que me avise”.

Por Hanny Amoras – Correspondente do Blog em Belém