Oposição quer derrubar MP que acaba com data limite do CAR

Novo texto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União. PSB e Rede Sustentabilidade entraram com ações no Supremo contra a publicação da Medida Provisória

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Alegando que é proibida a reedição de uma Medida Provisória, o PSB e a Rede Sustentabilidade impetraram duas ações no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a publicação da Medida Provisória nº 884/2019, que prorroga, por tempo indeterminado, o prazo para que produtores façam a adesão ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Na prática, o governo federal torna o CAR perene e aberto para atualizações e inscrições a qualquer momento. A mudança foi publicada na sexta-feira (14), em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), e começa a valer imediatamente.

Areação contra o texto foi imediata. Alertado por ambientalistas,o PSB protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), na qual argumenta que o texto é uma reedição da MP 867, que perdeu a validade sem ser votada pelo Senado, e que reedições de medidas provisórias não podem ser feitas.Em outra frente,os senadores Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato, da Rede Sustentabilidade, protocolaram mandado de segurança no STF pedindo que a vigência da MP seja suspensa liminarmente, com base no mesmo argumento do PSB. Na justificativa do pedido, feito ainda na noite de sexta-feira (14), os senadores defendem que a medida provisória que perdeu a validade (MP 867), embora tenha sido formalmente editada em 2018, apenas começou a tramitar no Congresso em 2019, por isso o novo texto apresentado pelo Palácio do Planalto é considerado uma reedição, ato proibido por lei.

MP foi editada no apagar da luzes do governo de Michel Temer

“Ressalte-se que a Medida Provisória anterior foi proposta no período de recesso legislativo. E mais do que isso: ao final da 55ª Legislatura. Assim, a referida norma só foi efetivamente apresentada e apreciada na Legislatura seguinte, momento em que voltou a fluir o prazo de vigência da referida medida. Evidente, portanto, que a vedação de reedição alcança a MP 867, em que pese tenha sido publicada em 2018”, consta no pedido de Mandado de Segurança.As duas ações também criticam o mérito da medida provisória. O PSB afirma que o texto promove retrocesso na política ambiental, pois acaba com o prazo para adesão ao cadastro ambiental rural, possibilitando que proprietários rurais que desmataram possam ter acesso a crédito público rural.

Os senadores da Rede consideram o texto uma anistia para quem cometeu infrações ambientais, por isso a urgência da suspensão. “Sabe-se que a concessão e anistia para infratores da legislação ambiental é tema de amplo alcance e que afetará, direta ou indiretamente, a vida de todos os cidadãos brasileiros – além de gerações futuras”, destacam no pedido de liminar ao STF.

Senadores derrubaram MP por conter vários “jabutis”

O presidente Jair Bolsonaro enviou na sexta-feira (14) ao Congresso Nacional a medida provisória (MP 884/2019) depois que o Senado desistiu de examinar o texto aprovado pelos deputados. Como as alterações do texto aprovada pelos deputados incluía vários “jabutis” – emendas feitas por parlamentares que tratam de assuntos diversos do projeto original –, os senadores, em protesto pelo pouco tempo para examinar a matéria, por acordo, decidiram deixar a MP perder a validade.

A MP 867, assinada ainda pelo ex-presidente Michel Temer, dava o prazo de 120 dias para o agricultor se adequar ao CAR e, com isso, ter acesso a créditos, como o do Plano Safra. Como agora não fixa prazo para a adesão, a nova norma é considerada mais favorável aos agricultores.

O prazo do CAR havia se encerrado em 31 de dezembro de 2018, pela regra atual, e quem não aderiu seria proibido de acessar o crédito rural oficial. Agora, os produtores poderão fazer o cadastramento sem data limite e não sofrerão a sanção. A medida também atende à demanda de quem adquire novas propriedades que não tinha feito a adesão.

Segundo o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), Valdir Colatto, a MP também resolve o problema do Programa de Regularização Ambiental (PRA), já que muitos estados brasileiros ainda não implementaram o sistema de recuperação ambiental. O programa dá prazo para quem precisa recompor áreas de vegetação nativa declaradas no CAR e transforma multas em prestação de serviços ambientais. “O PRA é o passo seguinte ao CAR, está vinculado. Aberto prazo para o CAR está aberto também para o PRA”, apontou Colatto.

O assessor sênior de Meio Ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Rodrigo Justus, concorda com a posição. “O CAR tem que ser eterno, é um cadastro. A ideia da MP é corrigir essa distorção da lei, já que 10% do território não está cadastrado. A consequência prática da medida é que o prazo para o PRA também fica estendido, até que seja fixada uma data de corte. Como o artigo 59 do Código Florestal diz que o PRA fica com mesmo prazo do CAR, ele está prorrogado também”, diz Justus.

Dezoito estados e o Distrito Federal já criaram um sistema para o programa, mas, de acordo com Justus, nenhum está funcionando na prática até hoje devido a questionamentos que sofrem na Justiça.

“Praticamente nenhum funciona. São programas sem respostas, sem termo de compromisso, nunca chegaram a ser implementados de fato. Os estados que tentaram fazer tiveram o programa judicializado. O Ministério Público questionou os programas, como em São Paulo, e depois apresentou ações ao STF. Faz sete anos que o Código foi aprovado, esses programas já poderiam estar funcionando”, disse.

Na justificativa que enviou ao Congresso Nacional para a edição da MP, o governo afirma que existem mais de cinco milhões de propriedades registradas no CAR e que isso demonstra a efetiva aplicação do Código Florestal no país. “A proposta é retirar o prazo para inscrição no referido cadastro, de modo a torná-lo um sistema perene e aberto para atualizações e inscrições, possibilitando a constante inclusão de dados das propriedades rurais e se tornando um cadastro efetivo de gestão da propriedade rural”, diz o texto.

Na terça-feira da semana passada (11), o tema foi debatido pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. “Nós vamos resolver o problema que existe hoje que é o Programa de Regularização Ambiental (PRA). A MP vai trazer o CAR, já que em um dos artigos do Código Florestal ele condiciona o prazo do PRA com o prazo do CAR. A MP vem única e exclusivamente com a pendência que hoje pode colocar grande parte dos agricultores na ilegalidade”, afirmou o deputado federal Zé Silva (SD-MG).

Com a nova MP, o governo soluciona o vazio legal ocasionado pela perda de validade da 867 e reabre os prazos para CAR e PRA, tornando-os perenes e impedindo que produtores sejam penalizados. Um dos motivos para isso é que muitos estados sequer implementaram sistemas do PRA até hoje.

Outros trechos, como mudanças no artigo 68 do Código Florestal, que trata dos marcos temporais para recomposição de vegetação nativa, ficaram de fora da MP. O senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) apresentou o projeto de lei 3511 de 2019 para tratar desse assunto. A proposta já está tramitando no Congresso, mas ainda não tem relator definido. Está na fase de recebimento de emendas até o dia 21 deste mês.

Por Val-André Mutran – Correspondente do Blog do Zé Dudu em Brasília