ONG paulistana era usada como cativeiro de travestis por rede de prostituição Belém-São Paulo.

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MP apresentou denúncia contra dono de ONG por tráfico de pessoas e exploração sexual. A maioria das vítimas eram jovens do Pará. 

O Ministério Público de São Paulo denunciou à Justiça Celso Alves de Lima e outros três acusados de integrar a rede Belém do Pará-São Paulo de tráfico de pessoas e exploração sexual de travestis.

Lima é o responsável pela ONG Lar Somando Forças, entidade que, entre 2006 e 2013, recebeu, no total, cerca de R$ 250 mil da Prefeitura de São Paulo para supostamente abrigar portadores do vírus HIV. O repasse foi suspenso no fim do ano passado.

A suspeita é que a sede da ONG — na rua Iguaçu, 132, bairro da Luz, centro de São Paulo — fosse, na verdade, uma espécie de “cativeiro” onde jovens paraenses tinham de morar até que conseguissem saldar, por meio da prostituição, dívidas de viagem, silicone e hospedagem.

O local fica a 300 metros de uma conhecida área de travestis, na avenida do Estado. Os jovens não tinham as entradas e saídas da habitação controladas, mas só podiam se mudar de lá quando tudo estava quitado.

A Promotoria identificou 32 vítimas. Na maioria, são jovens do Norte do País que queriam transformar o corpo, mas que não tinham dinheiro ou apoio familiar para isso. Eles eram aliciados por outros integrantes do grupo em Belém.

A acusação, assinada por quatro promotores do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), foi protocolada na semana passada. O caso era investigado desde 2011.

Tranca na porta

O R7 esteve na sede da ONG na semana passada. O local, sem nenhuma inscrição, é um imóvel de três andares, mal pintado, com grades nas janelas do térreo e do primeiro andar e tranca externa na única porta, de metal.

Pela janela, um jovem disse que Michele (como Celso, que também é travesti, é conhecido) não estava. O rapaz afirmou que não morava lá, mas só trabalhava, “limpando a pensão”. Ele disse ainda que não tinha autorização para permitir a entrada da reportagem.

ONG criada há 12 anos

O Lar Somando Forças teve seu CNPJ criado em 2002. Três anos depois, a ONG foi cadastrada no Ministério da Justiça como Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). Na semana passada, a pasta confirmou aoR7 que, em seus arquivos, Lima aparece como responsável pela entidade.

Com o cadastro de Oscip, o acusado tornou-se habilitado para firmar convênios com o poder público. A primeira parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, sob valor de R$ 28 mil anuais, foi assinada em 2006. Posteriormente, um novo contrato ampliou o repasse para R$ 50 mil por ano.

A verba foi suspensa no segundo semestre do ano passado, após o Ministério Público fazer uma blitz no local. Segundo a Promotoria, apenas um portador do HIV estava na casa. Na época, Lima teve a prisão temporária, por cinco dias, decretada.

Cambuci

Além de Lima, foram denunciados Telma Rodrigues Nascimento, Bruno José Costa dos Santos e Luis Fernando Batista de Morais Acácio dos Santos.

Telma é apontada em diversos procedimentos como integrante da rede Belém-São Paulo. Natural de Nova Timboteua, cidade de 14 mil habitantes do interior do Pará, ela é tratada como “cafetina” pelas vítimas. No ano passado, ela chegou a ser ouvida pela CPI do Tráfico de Pessoas no Brasil, da Câmara (Lima também foi convocado para depor, mas não compareceu).

Segundo as investigações, Telma seria responsável por um segundo local onde os jovens paraenses eram mantidos, na Rua Hermínio Lemos, 340, no bairro do Cambuci. Bruno Santos e Luis Santos seriam responsáveis por cobrar as vítimas no local.

Outro lado

Em nota, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo afirmou que não mantém mais convênio com o Lar Somando Forças. “Já na época da diligência feita pelo Ministério Público, a secretaria suspendeu o pagamento de R$ 4.200 por mês”, afirma a pasta.

Segundo a prefeitura, visitas da equipe técnica eram realizadas semestralmente, e “também quando necessárias”, com o objetivo de “verificar as condições de saúde das moradoras da instituição, bem como as condições físicas e higiênicas do local”.

“Durante a vigência do convênio, a Casa de Apoio prestava contas mensalmente à SMS, encaminhava extrato bancário e, trimestralmente, a relação de abrigados (com as iniciais do nome e sobrenome ou número do cartão SUS), com o período de abrigamento na Casa de Apoio e local de referência e tratamento do HIV/Aids”, afirma a nota.

Um segundo procedimento foi aberto no Ministério Público para tentar reaver o dinheiro desviado.

O R7 tentou entrar em contato, na semana passada, com os acusados. Lima não foi localizado nem no Lar Somando Forças, nem por telefone. Na casa supostamente comandada por Telma, ninguém atendeu.