Infiltração de água pode ter causado o rompimento da barragem em Brumadinho

Investigações prosseguem e especialistas questionaram, ao ver as imagens da barragem antes do acidente, o elevado volume de água

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Investigações preliminares feitas por especialista apontam excesso de água que pode ter sido a principal causa do rompimento da Barragem 1, na Mina de Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG). José Carlos Seoane, professor de Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que essas estruturas são instáveis. Uma pequena fissura ou a liquefação no interior da barragem por percolação de água poderia funcionar como gatilho para um rompimento explosivo. A barragem 1 despejou enorme volume de rochas, sílica e, sobretudo, água. Segundo a Vale, 12 milhões de metros cúbicos de rejeito vazaram.

O reservatório estava inativo desde 2015 e não deveria conter tanto líquido. A Vale tinha licença para reaproveitar rejeito, mesmo que, contraditoriamente, seu presidente, Fabio Schvartsman, em entrevista coletiva à imprensa, tenha afirmado que a represa estava em processo de descomissionamento. Ou seja, preparada para ser devolvido ao meio ambiente após o esgotamento dos resíduos de minério aproveitáveis.

Câmeras de segurança instaladas em pontos estratégicos da mina registraram o momento exato no qual houve o rompimento da represa. Vários funcionários –– calcula-se pelo menos 20 pessoas estavam trabalhando na área da grama acima da represa e foram tragados com o rompimento repentino, sem qualquer chance de sobreviverem ao acidente.

Na análise de vários especialistas, um dos vídeos sugere que havia mais água do que o esperado para uma barragem que estaria inativa, segundo a Vale, desde 2015.

 A parede do reservatório, constituído do próprio rejeito, se desmancha e a montanha se desfaz, como se explodisse, ejetando um tsunami de pedras, sílica (areia) e água.

Funcionários e terceirizados, desorientados, tentam fugir e são tragados pela onda, que se propaga como um rolo compressor capaz de triturar construções, maquinário pesado, vagões e pessoas quase que instantaneamente.

Uma possibilidade é que a mineradora estivesse injetando água no processo de reaproveitamento do minério ainda contido no reservatório. A Vale tinha obtido licença para reaproveitar o rejeito, em dezembro de 2018. Descomissionamento não é o mesmo que esvaziamento da barragem. Significa que ela não receberia mais rejeito, mas que não necessariamente será esvaziada. Outra possibilidade é a infiltração por córregos represados pela mina.

Infiltração

O geólogo Hugo Kussama, que faz seu doutorado em Análises de Geoprocessamento, diz que essa água de riachos pode se infiltrar pelo rejeito e abrir caminhos. Se esse processo perdurar e não for contido, explica Kussama, uma vibração insignificante, como a causada pela passagem de um trem, poderia ser o gatilho para causar uma liquefação. Em Fundão, a barragem da Samarco, que arrasou a bacia do Rio Doce, ocorreu liquefação.

“Claro que esses problemas podem ser detectados no início e evitados. Existe equipamento moderno para isso. Mas o monitoramento que havia lá, pelo que foi dito até agora, era antigo”, observa Kussama.

Há práticas seguras que foram ignoradas na operação da Mina de Córrego do Feijão, acrescenta Seoane.

Outra coisa que chamou atenção no vídeo foi evidenciar o quão perto estavam da barragem as instalações administrativas, o que Seoane destaca ser inadmissível. Ficavam situadas diretamente à frente da barragem, a cerca de um quilômetro, distância quase que instantaneamente percorrida pelo tsunami de rejeito, não dando chance de fuga.

Um dos vídeos mostra uma visão panorâmica do exato momento em que a barragem estoura. Ela começa a se romper pelo alto, no centro, e, numa reação em cadeia, as laterais entram em colapso.

Com 86 metros de altura e coberta de grama, a barragem de Córrego do Feijão, vista de frente ou de baixo, se confundia com a encosta de uma montanha. A cerca de um quilômetro de distância estavam o refeitório e a área administrativa, que incluía as salas do pessoal encarregado do monitoramento da segurança.

Barragens de rejeito que se rompem são literalmente montanhas que explodem, colapsando sobre si mesmas. Elas nada mais são que vales de antigos riachos fechados por entulho. Ou rejeito, tirado da própria mina. Na de Córrego do Feijão, por ser antiga, de 1976, um gramadinho havia coberto a parede de verde e dava à estrutura vista de baixo a impressão de ser parte da montanha. Somente de cima era possível ver o rejeito e “as praias” que ele formava.

Nesse tipo de barragem, o rejeito é empilhado até fechar completamente o vale de um riacho, na altura estabelecida pela mineradora. Em condições normais, o topo da barragem permanece sólido. No vídeo se vê que havia veículos se locomovendo sobre o rejeito no instante do rompimento.

As pessoas que nele estavam ainda tentaram fugir, mas o chão cedeu e foram engolidas. Pois, quando, por algum motivo, uma barragem se rompe, o material contido lá é lançado como na explosão de uma bomba e todo o rejeito se liquefaz e se comporta como se fosse líquido.

A nuvem de poeira que se levantou da onda é resultado do convulsionamento do minério, da areia e da água. A onda de rejeito avançou rapidamente — a velocidade da chegada ao povoado de Córrego de Feijão, três quilômetros abaixo, foi estimada em 70 km/h — e engoliu tudo em seu caminho.

Num segundo vídeo, se vê a tentativa de fuga desesperada de pessoas que estavam em veículos e são cercadas pela lama, que acaba por tragá-las. A lama avança pela área de trabalho da mina e destroça um trem. O vídeo foi gravado do alto de um dos guindastes acima da barragem. Nele se vê a massa de lama cobrir completamente as pilhas de minério de ferro e arrastar o material com ela, rumo ao povoado de Córrego do Feijão.

Pessoas que estavam em uma picape e em uma retroescavadeira na mina e que aparecem no vídeo estão vivas. O operador Sebastião Gomes conseguiu escapar. Em depoimento à Polícia Civil, revelado pelo Jornal Nacional, ele disse que a caminhonete foi atingida pela onda de lama. Para Sebastião, foi a locomotiva que salvou a vida deles. Ela foi empurrada pela lama para debaixo da picape, que foi jogada pra cima e não foi encoberta. As cenas parecem com as de um filme catástrofe de Hollywood.

Nota da Vale

Na noite de sábado, a Vale divulgou nota de esclarecimento sobre diferentes temas mencionados na reportagem. Veja a seguir:

Presença de Pessoas

A presença de profissionais em barragens, mesmo inativas, em todo o mundo, faz parte das medidas rotineiras e dos procedimentos básicos de segurança e manutenção dessas estruturas. Permite, por exemplo, desde a leitura de instrumentos e inspeção, até a poda da grama nesses locais. No caso específico das imagens veiculadas pela mídia nesta sexta-feira (01/02), referentes ao momento exato do rompimento da Barragem I da Mina de Córrego de Feijão, em Brumadinho, os profissionais que aparecem nas imagens na área da barragem estavam realizando tarefas rotineiras. Uma das atividades executadas era a coleta de dados para atender ao cumprimento de requisitos legais, como determina a própria Agência Nacional de Mineração. É importante ressaltar que a Barragem I não estava em obras.

Drenagem

A presença de dutos para drenagem de água também é medida padrão para garantir a segurança de barragens. Trata-se, portanto, de procedimento rotineiro, utilizado mundialmente. No caso específico da Barragem I, além dos já existentes, foram instalados, em 2018, drenos adicionais como medida complementar antes do início do processo de descomissionamento. Cabe lembrar que se tratavam de medidas preventivas, dado que os laudos técnicos indicavam a total estabilidade da estrutura.

Sirene

O sistema de alerta sonoro é acionado manualmente, a partir de um Centro de Controle de Emergências e Comunicação, com funcionamento 24 horas por dia, que fica localizado fora da área da mina. Pelas informações iniciais, que estão sendo apuradas pelas autoridades, devido à velocidade com que ocorreu o evento, não foi possível acionar as sirenes relativas à Barragem I. As causas continuam sendo apuradas.

É importante ressaltar que a Barragem 1 estava inativa desde 2016 e possuía todas as declarações de estabilidade aplicáveis, pois passava por constantes auditorias externas e independentes. Havia inspeções quinzenais, reportadas à Agência Nacional de Mineração, sendo a última datada de 21 de dezembro de 2018. A estrutura passou também por inspeções nos dias 8 e 22 de janeiro deste ano, com registro no sistema de monitoramento da Vale. Foram realizados ainda um simulado externo de emergência em 16 de junho de 2018, sob coordenação das Defesas Civis e com o apoio da Vale, e um treinamento interno com os empregados em 23 de outubro de 2018.

Rota de Fuga

A rota de fuga prevista no Plano de Ação de Emergência de Barragens de Mineração (PAEBM) foi executada. O treinamento interno com empregados foi realizado em outubro de 2018. Pelas informações iniciais, que estão sendo apuradas pelas autoridades, devido à velocidade com que ocorreu o evento, não foi possível acionar a sirene de segurança.

Nove barragens do mesmo modelo são maiores que a da Vale

A maior delas, em Catalão (GO), tem quase quatro vezes o volume da mina Córrego do Feijão

Nove barragens no Brasil erguidas com o mesmo modelo da de Brumadinho (MG) são maiores que a estrutura da Vale que se rompeu e deixou, até agora, 115 mortos. A maior delas tem quase quatro vezes o volume da mina Córrego do Feijão.

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), há outras quatro com o dobro do volume de resíduos e mais quatro com volume igual ao de Brumadinho. Sete têm alto potencial de impacto em caso de rompimento, mesma classificação da estrutura que desmoronou.

A maior barragem fica em Catalão (GO) e é mantida pela Copebras. O volume de rejeitos chega a 45 milhões de metros cúbicos de rochas fosfáticas. Em segundo lugar está uma instalação da Zamin Amapá Mineração, em Pedra Branca do Amapari, com volume de 25,3 milhões de metros cúbicos de minério de ferro. Em terceiro, está uma barragem da Vale em Ouro Preto (MG), com volume de 23,1 milhões de metros cúbicos de rejeitos.

Minas Gerais concentra seis das dez maiores barragens do modelo de alteamento a montante. Estruturas desse tipo crescem em forma de degraus para dentro do reservatório, utilizando o próprio rejeito do processo de beneficiamento do minério. <SW> Além de Brumadinho, a décima da lista, a Vale é dona de três instalações de alto potencial de danos em Ouro Preto. Uma delas de volume similar ao de Brumadinho, e outras duas com quase o dobro de resíduos. No Pará, há duas: uma em Paragominas, da Hydro, e outra em Oriximiná, da Mineração Rio do Norte, que tem a Vale como uma das acionistas.

Empresas negam risco

O relatório da ANM traz ao todo 711 barragens, das quais 87 utilizam a técnica a montante, sistema considerado ultrapassado e de menor custo para as empresas. A agência explicou que as barragens — em descomissionamento ou não — são classificadas, além da categoria de risco, pelo dano potencial associado.

A Vale reiterou que tem dez barragens a montante inativas. Afirmou que todas as estruturas da companhia “apresentam laudos de estabilidade emitidos por empresas externas”. A Usiminas informou que as barragens são rotineiramente vistoriadas e auditadas, contando com plano de emergência e sistemas de sirene.

A Copebras disse que sua barragem não apresenta riscos de rompimento, já que é regularmente fiscalizada, e a inspeção mais recente aconteceu em dezembro de 2018.

A Mineração Paragominas afirmou que suas barragens estão estáveis e são constantemente monitoradas e auditadas. A empresa ressaltou que a “a mina e as barragens estão a 70 quilômetros do centro do município de Paragominas”.

Procuradas, CSN e Mineração Rio do Norte não se manifestaram até o fechamento desta edição.

(Com informações da Agência Globo)
Por Val-André Mutran – Correspondente em Brasília