Dia da Mulher em Marabá: Em palestra na Casa da Cultura, juíza alerta sobre a inversão de valores nos casos de abuso sexual

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Pelo transcurso do Dia Internacional da Mulher, a FCCM (Fundação Casa da Cultura de Marabá) promoveu na manhã desta quinta-feira (8) uma roda de conversa com a participação do grupo de teatro Madalenas Tuíra, com a exposição Nós todas flores”, e da jovem juíza Renata Guerreiro Milhomem, da 1ª Vara Criminal do Fórum local. Participaram as servidoras e servidores da instituição, estudantes e outros convidados. O evento começou com uma encenação que enfoca a violência contra a mulher, numa de suas faces mais cruéis, o estupro, o que emocionou a pequena plateia.

Em seguida, a presidente da FCCM, Vanda Régia Américo Gomes, ex-vereadora, tomou a palavra e elogiou o fato de as mulheres estarem se mobilizando contra a violência, classificou como surreal a constatação de que, a cada dia, 12 mulheres morrem vítimas de assassinato no País, além de inúmeras que são alvo de todo tipo de violência, diariamente.

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Ela disse que esse tipo de situação não vai mudar enquanto a mulheres não denunciarem. “Doze mulheres mortas todos os dias não é gracinha. Fico muito feliz quando vejo essa mobilização, todas temos de estar atentas, é bom ver as feministas se mobilizando”, estimulou Vanda.

Convidada especial, a juíza Renata Milhomem, cuja vara trata de casos de violência contra as mulheres, disse que é preciso que as famílias estejam atentas às suas filhas, sobrinhas, netas, alertando sobre o fato de que, muitas vezes, o homem que comete a violência está no seio familiar, sob a forma de pai, padrasto, tio, padrinho e vizinho.

Condenou com veemência o fato de familiares, em muitas ocasiões, se voltarem contra a menina ou adolescente que sofreu de abuso, que acaba se tornando duplamente vítima, porque passa a ser alvo de represália dos próprios parentes. “Então, abusador é que deve ser tratado com tolerância zero. A família deve apoiar quem é vítima. E o abusador não é a vítima”, enfatizou ela.

É preciso, disse a juíza, ter a plena consciência de que uma menina de 13 anos, por exemplo, ainda não tem o discernimento suficiente para decidir sobre sua vida sexual. Então, não se pode, de forma alguma, empregar o argumento de que ela é que provocou o abusador.

“Temos de ser enérgicos, intolerantes com esse abusador, ele vai pagar pelo que fez, do ponto de vista legal. Mas, infelizmente, essas meninas não encontram apoio em casa, na escola e até nos órgãos públicos. Então, não vamos esperar que os outros façam”, conclamou Renata Guerreiro Milhomem.

Por fim Renata Milhomem conclamou todas as mulheres a serem felizes: “Todas as pessoas têm o direito de ser felizes, nesse caso, especialmente, as mulheres têm o direito de ser felizes da forma que quiserem. De se vestir como quiserem, sem serem censuradas porque vestem short ou minissaia, de querem ou não ter namorado, de quererem ou não ter filhos, de quererem ou não ter marido, de querem abraçar esta ou aquela profissão”.

Renata Guerreiro afirma que venceu os obstáculos com determinação e amor por ela mesma

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Entrevistada pelo Blog, a juíza Renata Guerreiro Milhomem, que tem 10 anos de magistratura, indagada sobre os avanços conquistados pelas mulheres no Judiciário, disse que, sem dúvida, o acesso a esse poder foi democratizado com a Constituição Federal de 1988, que permitiu, por meio do concurso público, uma igualdade de seleção e, cada vez mais, as mulheres conquistam, ‘por meio do estudo, da sua competência, da sua dedicação”, o espaço dentro do Judiciário.

“Particularmente no Judiciário paraense, no nosso órgão de cúpula, que é o nosso Tribunal de Justiça, nós temos a grande expressão feminina entre as desembargadoras. É um estado nacionalmente conhecido pelo quantitativo de desembargadoras e que nos serve de estímulo, de exemplo de que a mulher pode conquistar o seu espaço”, salienta ela.

“É necessário que assim o faça, que aí traz uma nova visão, uma nova possibilidade de interpretação aos fatos e à realidade. Então, é com muita alegria que, ao longo desses anos de nova Constituição de 1988, vemos o avanço cada vez maior da conquista, pela mulher, do seu espaço, seja no ambiente social, seja no ambiente doméstico e no ambiente profissional também”, afirma a juíza.

Sobre as dificuldades enfrentadas ao penetrar num universo antes predominantemente masculino, ela disse que não deixa de ser um desafio. “Eu entrei muito nova no Judiciário, tinha apenas 25 anos. E aí lidamos com uma realidade sociocultural marcada pelo paternalismo, pelo machismo. Então, sem dúvida, tive obstáculos a vencer”, afirmou ela.

“Esses obstáculos foram vencidos com muita determinação, respeito, amor por mim mesma e dedicação. Foram vencidos, com carinho, com a fé, sem a necessidade de ruptura, sem nenhum tipo de violência. Ao contrário, a mulher tem esse dom, o dom do carinho, do afago, do amor, e ela vai vencendo esses obstáculos com muita ternura. Foi assim que, graças a Deus, eu acredito ter vencido e chegado até aqui”, contou.

Sobre se sofreu discriminação por ser mulher, Renata Milhomem disse que já ouviu “pequenos comentários, muitas vezes ditos, despretensiosamente”, como: “Nova assim, será que a senhora conhece esse processo, conhece a nova lei? Será que a senhora teve a oportunidade de conhecer?”.

“Então, eu digo que todas essas oportunidades marcaram a minha experiência, meu conhecimento, meu estudo e respondo: não se preocupe, eu conheço sim a legislação, estudei o processo, apesar de ser mulher e jovem, tenho o empenho e o compromisso de fazer bem feito. Então, dessa forma a gente vai demonstrando a nossa capacidade e o nosso compromisso”, relatou a magistrada.

Indagada se já sofreu assédio durante sua carreira, ela disse que “graças a Deus, nunca aconteceu nenhuma situação nem mesmo parecida”. “O que eu sofri foram esses pequenos comentários que têm um cunho discriminatório e, às vezes, pejorativos, de inferiorização, mas nunca sofri nenhum tipo de assédio no ambiente de trabalho”.

Presidente da Casa da Cultura diz que é preciso quebrar paradigmas e agir com mais igualdade

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Ex-vereadora da Câmara Municipal de Marabá – carreira que exerceu por 28 anos – e hoje presidente de uma das instituições culturais mais renomadas do Estado, a Fundação Casa da Cultura de Marabá, Vanda Régia Américo Gomes, ocupante de um cargo que, por mais de 30 anos, teve na cadeira um representante do sexo masculino, diz que muitas vezes tem de haver uma quebra de paradigma, uma mudança cultural para que se tenha mais igualdade dentro de uma instituição.

“É preciso ter mais oportunidades, comemorações de datas, debater todas as questões, trazê-las para dentro da casa, mostrar para a sociedade, se apropriar do conhecimento, do acervo, mas discutir, fazendo uma reflexão de todos os momentos. Hoje a Casa está discutindo tudo, todos os assuntos, como saúde e segurança, por exemplo”, afirma a presidente.

Vanda diz que há muitos setores da fundação coordenados por mulheres e isso resulta num processo de muita harmonização na Casa da Cultura, “sem a disputa de gênero, de classe, de sexo, de religião, uma coisa bem democrática”.

Sobre as mudanças ocorridas quando assumiu a fundação, Vanda afirma que são corriqueiras e continuam, com o compromisso, com a responsabilidade de mostrar um bom trabalho, mas sem imposição, com mais democracia, com mais diálogo com o servidor, de mostrar ao servidor que ele pode fazer sem estar obedecendo a uma imposição.

 “Há pessoas que acham que disciplina é impor, é deixar o ambiente de trabalho austero, pesado. E, com isso, o trabalho não rende, temos de mostrar um ambiente harmônico, com diálogo, assim se produz muito mais, o trabalho cresce, crescemos todos juntos’, pondera.

Acerca do fato de hoje, dos 21 vereadores de Marabá, apenas três serem mulheres, Vanda Américo diz que lamenta profundamente que esse número tenha caído. “Já houve um momento em que teve cinco vereadoras e 16 vereadores. Hoje, espero que as mulheres, que são o maior número de eleitores do Brasil, comecem a corrigir essa distorção no legislativo”, salienta a ex-vereadora.

“Na Câmara dos Deputados elas são 10%, no Senado não chegam a 15% e no Executivo você vê que é ínfima a participação da mulher. Eu acho que o poder está nas mãos da mulher no momento em que ela tomar consciência da importância que é galgar espaços, conduzir companheiras para cargos importantes da Nação, para que gente possa estar avançando junto, isso é fundamental”, conclama.

Jovens acadêmicas do “Madalenas Tuíra” usam a arte na uta contra a violência

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O grupo de teatro Madalenas Tuíra é formado pelas acadêmicas Bruna Soares, Raissa Ladislau, Ádila Vital, Alana Silva e Geovana Vale, dos cursos de História, Ciências Sociais e Artes Visuais da Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará).   Nasceu, segundo Bruna, a partir de uma oficina ministrada por uma pessoa chamada Alice, que veio de São Paulo, para montar uma oficina de Teatro do Oprimido.

“Inicialmente era formado por homens e mulheres, mas, a participação dos homens era pouca e eles começaram a sair porque viram que tinha muita mulher. E acabou virando Teatro da Oprimida”, conta ela.

O Teatro Madalenas é uma rede nacional e internacional que adota vários nomes conforme as causas que abraça. O nome Tuíra é homenagem à índia Kayapó que, em 1989, durante um protesto contra construção de mais uma hidrelétrica no Pará, esfregou um facão no pescoço de um diretor da Eletronorte, demonstrando o tamanho da indignação e também coragem, destemor.

No Salão da Casa da Cultura, além de terem se apresentado na Roda de Conversa, elas exibem a Exposição “Nós todas flores”, um conjunto de fotos dos próprios corpos, nos quais mostram os números assustadores da violência contra a mulher.

Por Eleutério Gomes – Correspondente em Marabá